A música é um troço tão lindo, grandioso e encantador que acaba se apresentando sob diversas formas de tocar, sentir, acolher e fazer dela algo parte do seu entendimento, mesmo que ele demore a vir. Nem sempre um determinado disco ou artista encanta os seus sentidos em uma primeira ouvida. Assim como também acontece de uma outra banda ou disco já te conquistar logo de cara e com o passar do tempo você vai se dando conta de que ele não era aquilo tuuuudo que você achou. São inúmeras as variáveis quando o que estar em jogo é o “gostar”.
Apesar da familiaridade com o nome, Emilly Jane White vagava meio sem destaque por aqui. Tínhamos escutado algumas poucas coisas da moça e não sabíamos muito sobre ela até ouvir o quinto e último álbum, They Moved in Shadow All Together. Era perceptível que ali tinha algo que já se apresentava de forma peculiar e mesmo assim, ainda não sabíamos o que era.
Veio o segundo contato, um terceiro, quarto e o disco ia crescendo cada vez mais, como se dissesse “hoje eu vou deixar que você conheça mais essa parte de mim”. E assim, em dias despretensiosos, sempre tinha algo que fazia com que a gente procurasse por Emily. E foram dias e dias até dar aquele estalo “que disco!”, e quando isso aconteceu, achamos por bem registrar aqui. Pensamos em coloca-lo no nosso especial de descobertas que publicamos todo fim de ano, mas Emily merecia um lugar com mais destaque.
O nome do disco é uma brincadeira com o romance Outer Darkwhich, de Cormac McCarthy, onde ele descreve um grupo de viajantes misteriosos descendo uma colina nas montanhas Apalaches. Impressionada com a visão do movimento coletivo dos viajantes, Emily quis explorar mais essa percepção.
Já na temática, as 11 músicas falam sobre a sintomatologia do trauma, um padrão de experiências marcadas por uma fragmentação do eu. Lidam com o impacto do trauma na identidade individual e coletiva onde tudo é transmitido sob toques de calma, mas bombásticos. Intimistas, mas expostos. E sob a melancolia dos violinos e a urgência dos tambores e cordas para que tudo isso revele uma luz por trás de um véu empoeirado e com um leve gostinho cinza.
They Moved in Shadow All Together tem seu momento de inauguração com a trinca misteriosa de “Frozen Garden”, “Pallid Eyes” e “Hands”. Ambas de dinâmica marcada por tambores secos e cordas lineares, são as responsáveis por te dar a mão no início de uma viagem reflexiva e encantadora. “Nightmares On Repeat” vem na sequência e está no lugar certo, na hora certa. Tem cara de single, guiada por um piano e um vocal que faria trilha perfeita para a viagem de Dante quando ele deixa o inferno para entrar no purgatório, no livro O Inferno de Dante.
“Rupturing” e “Moulding” conseguem segurar o clima e manter a identidade do disco, mas “The Ledge”, musicalmente falando, é tranquilamente dispensável, e apesar de ser meio cansativa, não contamina o álbum e quase consegue ser salva pela próxima música, “The Black Dove”, que traz uma letra contra o racismo.
Em “Antechamber” o climão mais dramático volta a cena e em seguida “Womankind” traz Emily lamentando a epidemia contínua de violência contra as mulheres e os silêncios que suprimem as verdades das sobreviventes. O disco poderia facilmente terminar aí, mas “Behind the Glass” é a encarregada de fechar as cortinas e acaba pecando pelo “algo a mais”. Não é ruim, mas incomoda por parecer fora de lugar, invadindo uma cena que poderia terminar grandiosa.
A voz aveludada de Emily ajuda no afago e combina bem com o clima um pouco soturno e de dramaticidade que ela imprime em suas músicas. É uma comunhão de poucas cores, mas de muita sensibilidade artística que vai conquistar corações já entregues a Chelsea Wolfe e Emma Ruth Rundle. Se você tá nesse grupo, vai na fé.