Entrevista: Mike Haliechuk Fucked Up

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Amanda Mont’Alvão

O Canadá, terra do DOA, do Submission Hold e do SNFU, não poderia deixar os EUA levarem os anos 2000 de bandeja no quesito relevância musical. Para além do hardcore surgiu, em 2001, o Fucked Up, uma banda disposta a abraçar embalos melódicos em detrimento das levadas costumeiramente aceleradas e agressivas do hardcore.

O Fucked Up que São Paulo irá conhecer nessa semana, conheceu no show da Converse Rubber Tracks é bem diferente daquele que começou 13 anos atrás, confirma o guitarrista e um dos idealizadores da banda Mike Haliechuk, conhecido como 10,000 Marbles. A passagem de tempo representou mudanças sucessivas, mas plenamente coerentes na sonoridade. A agressividade arregaça as mangas para abraçar o romantismo e vice-versa.

Nessa entrevista exclusiva, Haliechuk fala sobre a acessibilidade da banda perante os fãs, a preocupação em oferecer um disco bonito musical e esteticamente e os caminhos percorridos pela banda.

Foto: Brendan George Ko

Sounds Like Us: Como o Fucked Up surgiu e quais foram as dores e alegrias de crescer com uma banda?
Mike Haliechuk: Formamos a banda em 2001 porque todos nós queríamos pertencer a alguma banda pequena de hardcore e lançar alguns 7 polegadas. Ninguém sabia tocar, e ninguém sabia de nada na vida. Éramos todos bem novos e tivemos que literalmente crescer, o que ainda estamos tentando fazer.

Sounds: Como vocês reagem às pessoas que não compreendem a abordagem que vocês fazem do hardcore? Vocês tiveram alguma inspiração para ir além das características mais óbvias, como a bateria acelerada, e para abraçar as melodias de uma maneira mais direta?
Mike: Começamos como uma reação ao que estava acontecendo com o hardcore no começo dos anos 2000 – thrash music muito acelerada em que cabiam pelo menos 10 músicas em cada 7 polegadas. Optamos por duas músicas com uma batida relativamente mais lenta. Mas o que fazíamos era mais similar ao começo do hardcore – Black Flag, The Fix, DOA. A maior parte das músicas dessas bandas era vigorosa, mas não extremamente rápida, e queríamos soar assim. A melodia e todo o resto que acrescentamos vieram na medida em que seguimos tocando aquilo que tínhamos interesse em ouvir.

Sounds: O Canadá tem muitas bandas boas com um som muito particular! Sério, o que colocam na água de vocês?
Mike: Ha. Bom, o Canadá é grande. Mas realmente tem muitas bandas ótimas aqui.

Sounds: O Alex Edkins, do METZ, me contou que vocês dividem um porão para os ensaios. Com que frequência vocês ensaiam e o quanto dessa prática define o que vocês vão gravar ou como vai ser um show?
Mike: Dividimos um quarto com eles e com outra banda chamada The Beverleys. A gente nem ensaia muito – vamos para lá por mais ou menos um mês ou dois para compor um disco novo. Daí, praticamos as músicas novas para quando sairmos em turnê. Fora isso, não tocamos juntos nem preparamos nada para os shows porque simplesmente gostamos de ver o que acontece no palco. Se ficássemos ensaiando muito o que fôssemos fazer no palco, isso destoaria do que estamos tentando viver.

Sounds: Quanto de raiva e quanto de amor vocês colocam na música de vocês?
Mike: Não diria raiva, mas talvez, frustração. Costumamos passar um bom tempo no estúdio para gravar os discos – o último levou quase um ano para ser gravado. A expectativa vai ficando grande e você começa a se frustrar. Em muitos dos discos anteriores, alguns takes de voz do Damian vinham do fato de ele estar frustrado ou desconfortável. Isso era péssimo pra ele, mas acho que acabou funcionando bem para a música. Acredito que, apesar da maneira como Damian canta, somos uma banda de sonoridade branda, então não há muita raiva em tudo que a gente faz.

Sounds: Ao assistir aos shows gravados pelos fãs, vejo que todos estão em um contexto de agressividade. Qual é a relação entre a música de vocês, os shows ao vivo e a violência?
Mike: Acho que é uma agressividade encenada, se é que há alguma. O clima de nossos shows agora é de tranquilidade, com muito abraço e pessoas curtindo alegremente. Há um tempo atrás tentávamos tornar as apresentações agressivas, mas deixamos disso.

Sounds: Quanto da música do Fucked Up é inspirada por literatura, filmes e história?
Mike: No começo, inspiravam bastante. Nosso primeiro 7 polegadas tem um trecho do filme “Terra e Liberdade”, sobre a Espanha de 1936. A literatura não me inspira tanto, mas sei que Damian tira um tanto das letras de coisas que ele lê. Mas certamente gosto de cruzar com ideias e colocá-las nas músicas. Mas os dois últimos discos basicamente vieram de nossas experiências como pessoas.

Sounds: “No Pasaran” é uma música bem atual para os dias de hoje. Pensando em 2014, quem mereceria ser “encaixado” nas letras?
Mike: Gostaria que uma música como aquela pudesse ser aplicada a todos os tipos de movimentos de luta, mesmo que ela obviamente tenha sido inspirada em um exemplo bem específico [no caso, a ditadura na Espanha].

Sounds: Alguns álbuns têm apenas o vinil, o que é bem decepcionante para quem gosta dos encartes. Já os do Fucked Up sempre estão cheio de informação, com as letras das músicas, referências e várias fotos. Vocês parecem prestar uma atenção extra a esses detalhes. Por que se importam com isso e quais discos serviram de inspiração?
Mike: A maneira como crio os discos é inspirada pela gravadora Dangerhouse [selo de punk rock criado em Los Angeles], pelos Smiths (pela maneira como eles tinham uma espécie de layout padrão para os títulos) e pela banda Poison Idea. Acho que já tem tanto lixo no mundo que, se for pra lançar alguma coisa nele, você deve dar às pessoas algo que as prendam, e não uma coisa que as façam esquecer ou jogar fora. Obviamente que a música tem de ser boa, mas você também pode gastar energia para transformá-la em um objeto interessante e legal, que faça com as que as pessoas queiram cuidar dele.

Foto: Stephen Booth

Sounds: Como uma banda que já tem 13 anos, vocês viram sua música passar por diferentes plataformas ao longo do tempo. Como o mp3 e o streaming ajudam o Fucked Up? Acredita que eles devam ser cobrados?
Mike: Olha, toda música que eu quero escutar, consigo pela internet. Fazer música tem custos, mas sempre haverá outras maneiras de se conseguir dinheiro. A música é como o ar ou a água, e não me importo de as pessoas consumirem nossa música da maneira que elas quiserem. Não monitoramos o streaming ou a reprodução digital. Gosto de fazer álbuns e a arte deles. Sempre haverá alguém interessado em comprá-los.

Sounds: De que maneira assinar com uma gravadora [no caso, a Matador] mudou a visão de vocês como uma banda? Vocês parecem ter bastante controle sobre a própria música…
Mike: Sim, a Matador não tem um monte de regras, tampouco exige que façamos algo que a gente não queira.

Sounds: Qual é a melhor parte de subir em um palco e encarar milhares de pessoas que vibram com sua música?
Mike: Bom, é ótimo ser encarado por pessoas que apreciam o que você faz. Às vezes, é duro sair em turnê quando se está na van pensando se tudo aquilo vale a pena. Mas aí você tem um ótimo show e se lembra de não são só os membros da banda que fazem parte da experiência de tocar junto.

Sounds: Em toda sua ambição e grande qualidade, o disco David Comes to Life parece ter deixado vocês bem exaustos. O que fez com que continuassem e o que Glass Boys representa?
Mike: Bom, na verdade, não foi muito exaustivo. Lançar discos é um privilégio, então quero fazer isso sempre. Apesar disso, acho que, depois do David, a gente apenas queria poder contar mais histórias.


Sounds: De onde conhecem o J Mascis e por que chamá-lo para uma participação em “Led by Hand“?
Mike: Conhecemos ele de tocar juntos. Fizemos muita coisa com o Dinosaur Jr e com ele sozinho. Acho que a voz dele se encaixava bem na música.

Sounds: Como a música ajuda vocês a lidarem com questões como a frustração, a raiva, a insegurança e a ansiedade?
Mike: Para mim, é um caso à parte. Minhas letras são pessoais, mas mais sobre a experiência do que sobre sentimentos meus. Eu os deixo completamente fora da música.

Sounds: Quais são as principais diferenças entre o Fucked Up de 2001 e o de agora?
Mike: Ha, não há praticamente nenhuma semelhança.

Sounds: Vocês têm uma relação muito próxima com os fãs no Facebook e em outros canais, como o YouTube. Como vocês equilibram proximidade e privacidade?
Mike: Bom, a gente não é realmente muito famoso, então é fácil ; ) Além disso, queremos ser o mais acessíveis possível.

Sounds: Você conhece alguma música brasileira?
Mike: Jonah e Damian gostam muito do hardcore brasileiro.

* Matéria publicada originalmente no site Suppaduppa.
Foto: Divulgação

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