ENTREVISTA: SAVAGES Conversamos com Fay Milton sobre música, amor e outras coisas mais

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Voltamos a 2014. Lollapalooza Brasil e o Savages entra no palco. Mal havia terminado a primeira música e aquelas quatro mulheres já tinham conquistado nossos gostos.

Havia uma energia poderosa ali. Um deslocamento de ar e sensações que trombaram de frente com ataques furiosos de um baixo monocromático, linhas de guitarras alternadas entre texturas e noise, uma voz que se reveza entre o sombrio e a força, e de batidas compostas por muito sangue, suor e muita emoção.

É por isso, e por outros inúmeros motivos, que a gente quis conversar com a Fay Milton, baterista do Savages, uma banda que vem de Londres e que, com dois grandes discos, Silence Yourself (2013) e Adore Life (2016), traz de volta, e sem licença, aqueles dias onde a música era muito mais que diversão.

Atualmente, além do Savages, Fay também tem um projeto paralelo bem legal com a baixista Ayse Hassan, chamado 180dB, que você pode ouvir e ouvir aqui

Durante todo o processo da entrevista, Fay foi super atenciosa, fato que vocês vão sentir em cada uma das respostas da entrevista a seguir.

Savages
Foto: Tim (cedida gentilmente por Fay)

Sounds Like Us: Oi Fay, antes de tudo, muito obrigado por conversar com a gente. Onde você mora atualmente e o que gosta de fazer quando não está em turnê?
Fay Milton: Oi! Obrigada, é ótimo falar com vocês. Estou morando perto do mar agora, em Margate, uma cidade costeira ao sul da Inglaterra. Antes eu morava em Londres, mas estava tendo dificuldades para viver lá como artista porque os aluguéis são tão caros que não permitem nenhuma liberdade e muitas pessoas estão se mudando de lá. Existe uma pequena cena bem legal aqui na minha nova cidade!

Sounds:
Você pode contar um pouco como era a sua vida até você estar no Savages? O que você gostava de fazer, onde gostava de ir…
Fay: Eu estava trabalhando principalmente com a filmagem de bandas ao vivo e fazendo documentários de música. Quando eu comecei estava em algum lugar entre o DIY, o punk e o gonzo. Costumava entrar na van e sair em turnê com bandas e fazer filmes na estrada, apenas registrando o que acontecia, sem programação a não ser mostrar os personagens e a música. Acho que provavelmente fiz o meu melhor quando não tinha ideia do que estava fazendo.

Savages_liveSounds: Como foi seu primeiro contato com instrumentos? Já começou na bateria?
Fay: Como a maioria das crianças da minha escola na Inglaterra, o primeiro instrumento que toquei foi uma flauta. Lembro de eu e minha melhor amiga tocando nossas flautas desafinadas de propósito para foder as coisas enquanto mantínhamos uma fachada de boas meninas. Algum tipo de mentalidade punk aos 7 anos. Então eu e essa mesma amiga começamos a ter aulas de bateria. Escolhemos a bateria por causa da estranheza de sermos pequenas em um instrumento tão grande, e acho que o desejo de contrariar veio já na infância. Era a rebelião de uma garotinha de 8 anos das normas sociais.

Sounds: Vimos vocês aqui no Brasil, um ao vivo e ou outro pela TV, em uma transmissão ao vivo. Mas para nós dois o show foi intenso, forte e vigorante mesmo vendo por meios diferentes. Você acha que o Savages é uma banda que consegue passar o seu recado de maneira contundente e com tanta veracidade a ponto de uma pessoa que assistiu pela TV sair para comprar o disco de vocês logo no dia seguinte?
Fay: Acho que as pessoas acham intenso e esmagador por causa de algumas coisas. Pra começar, é alto, e o som move você fisicamente. Nós quatro sentimos cada nota que tocamos e cada palavra que é dita, pois todas somos pessoas completamente intensas e acho que isso acaba aparecendo. Não é elogioso.

Savages6Sounds: O amor é confuso, inconstante, complexo e contraditório e isso faz dele algo forte e não algo estritamente romântico hollywoodiano como grande parte das músicas tratam em suas letras. Você acha que tratar o amor de um jeito mais humano e profundo, com seus defeitos, desejos e complexidades, é um ato de revolução dentro da música? Foi um tema pré-estabelecido ou surgiu naturalmente pra vocês?
Fay: A música tem um papel importante a desempenhar no mundo de hoje e podemos ver isso vindo à tona, mostrando um jeito de falar sobre questões das quais encontramos dificuldade. Tantos artistas estão começando a se levantar e falar sobre problemas que afetam a todos, e acho que isso está se tornando um traço definitivamente real da nossa era. A música que é importante está falando sobre ideias sociais, políticas e culturais, seja por meio das letras, da performance ou de como os músicos se apresentam ao mundo. O amor é um conceito que hoje parece estar mais politizado do que nunca e será realmente interessante ouvir a música que virá a refletir isso nos próximos anos.

Sounds: Uma vez lemos em alguma de suas entrevistas que, usando como exemplo a música “She Will”, você disse querer imprimir a mesma energia toda vez que toca e que isso não era fácil por isso, para obter essa energia e tocar com verdade você costumava imaginar alguns cenários na sua cabeça. Que tipo de imagens você imagina? Isso funciona para todas as músicas?
Fay: Sim, é uma coisa muito estranha que eu faço. As pessoas costumam dizer “aposto que você descarrega todo o seu estresse na bateria”, o que não é o caso comigo. Se estou estressada ou meio pra baixo, acho que é realmente difícil tocar. Mesmo que a música possa parecer irritada ou violenta, para mim, tocar sempre vem de um lugar feliz. Quando toco partes de bateria tão violentas, como em “She Will”, nem sempre consigo encontrar coisas na minha vida que me façam sentir muito louca (às vezes eu posso), então me lembro de coisas do mundo que me deixam com raiva. Penso em violência sexual, tortura e opressão, essas coisas “felizes”.

collageSounds: Ainda nesse assunto, se você pudesse definir o Savages em uma imagem, qual seria?
Fay: Acho que as capas do nosso disco são bem representativas. A foto do Silence Yourself mostra uma banda com todas nós na frente, em igualdade e forte como um grupo. Acho que há uma sutileza na maneira como estamos na foto e como isso é muito importante. O punho no segundo disco é para mostrar força e solidariedade. Isto é diferente de mostrar a doçura e o apoio. É confrontador, mas positivo.

Sounds: Vocês parecem preocupadas em manter uma atitude estética e musical bem particular dentro da banda. Vocês já conversaram sobre não permitir que o sucesso possa corromper essa postura da banda? Você tem medo que isso possa acontecer um dia?
Fay: Acho que isso aparece naturalmente pra gente. Além disso, da forma como a indústria da música é agora, o sucesso, no nível que temos, já não vem com grandes somas de dinheiro. Nos mantém reais!

Savages10Sounds: Pensando na Fay Milton lá do início da banda, você ainda se lembra do que você gostaria e conseguiu conquistar estando em uma banda como o Savages?
Fay: Acho que a coisa mais importante para mim foi poder sair da posição de estar com outras pessoas assistindo bandas, tirando fotos delas, sair junto com essas bandas até realmente ESTAR em uma banda. Acho que é muito comum para as pessoas, especialmente as mulheres, que querem se aprofundar e têm vontade de fazer algo acabarem se cercando daquilo. Eu sempre tive amigos em bandas e minha carreira era olhar para bandas o dia todo, mas nunca me passou pela cabeça que eu poderia fazer isso. Sempre pensei que era “para outra pessoa”, não pra mim. Até que fiquei muito irritada depois de ter meu coração partido por um namorado músico e essa energia escura me levou a pensar: “Eu vou te mostrar!”. E eu fiz. Às vezes o catalisador que você precisa pode vir de uma situação muito ruim. É bom lembrar de quando as coisas não estavam indo muito bem.

Sounds: Pra terminar, uma curiosidade. Quais foram os três discos que você mais ouviu na vida?
Fay: The Streets – Original Pirate Material
Bill Evans – Moonbeams
Talk Talk – Laughing Stock.

Savages
Foto: Tim (cedida gentilmente por Fay)