Sounds Like 90’s: Diagonal

In Entrevistas, Especiais

A surpresa da não-linearidade é algo que atravessa a musicalidade do Diagonal, que hoje conta com Claudio Duarte (guitarra/vocal), Richard Ribeiro (bateria) e Sérgio Ugeda (guitarra/vocal).

A banda surgiu no finalzinho dos anos 90 com uma sonoridade torta e cativante. Vale lembrar que, no cenário da época, o hardcore era uma forte presença. As guitar bands também. E, no meio disso tudo, algumas bandas como eles, Page 4 e Hurtmold olhavam em uma outra direção e procuravam por outros balanços e ruídos.

Detouring Track (Highlight Sounds/Submarine Recs, 2001) e Model to Deceive (Highlight Sounds, 2002) fizeram muito barulho na nossa música subterrânea. Houve quem chamasse de math-rock, mas, naquela época, o termo ainda nem era muito ventilado por aqui. Parte da imprensa caiu no lugar comum e insistiu em comparar a banda com o Fugazi ou o Jawbox, mas o Diagonal tem uma certa subjetividade que o mundo inteiro persegue, mas só a música brasileira alcança: o groove. Em todo aparente caos enviesado do Diagonal, existe um balanço único que, pra ser acessado, precisa ser ouvido.

Duas décadas depois do lançamento de Model to Deceive, o Diagonal está de volta com os singles “Metadisaster”, “Sacred Cow” e um novo disco, Siren Bang, que deve ser lançado em breve.

Nesse novo capítulo do Sounds Like 90s, conversamos com Cláudio e Sérgio sobre a história da banda, o presente, novo disco e muito mais!

Richard, Sérgio e Cláudio

Sounds Like Us: Pra começar, contem um pouco como foi todo esse processo… o que levou vocês a quererem voltar com o Diagonal?
Cláudio Duarte: Foram múltiplos fatores. A idade vai passando, eu tô indo para os 49 anos, o Sérgio está na faixa dos 40 e ele também está indo para um outro país daqui a pouco; então, ele lançou essa ideia de a gente voltar e pegar umas músicas velhas que estavam em processo [de composição]. Em 2004 nós deixamos a banda parada… Foi isso, né Sérgio?
Sérgio Ugeda: Foi… Diagonal parou em 2004 a gente jogou a toalha. No oitavo baixista… hahaha.
Cláudio: Em 2009 eu voltei a tocar com o Sérgio, mas não em forma de banda. Fizemos umas músicas e paramos novamente em 2010, mas deixamos umas faixas gravadas. Elas são boas, elas se confirmam ao longo do tempo. Elas têm a nossa cara, um estilo, um pensar e um repensar… tem uma forma interessante, esteticamente falando, que a gente desenvolveu. Em 2021 nós voltamos a conversar: o Sérgio estava com um estúdio, fui até lá e começamos a regravar as músicas velhas. Chamamos o Richard e ele topou fazer as baterias.

Sounds: Foi o Richard que gravou os dois discos, né?
Sérgio: Foi.

Capa da demo de Detouring Track (Submarine Recs)

Sounds: Então dá pra dizer que é a formação original do Diagonal.
Sérgio: Eu acho que isso dá a deixa pra explicar o nome Siren Bang. Em 2009, 2010, comprei a placa de som que a gente usou para as músicas; então a gente tinha a sala, os microfones, a coisa toda para fazer com calma o que a gente sempre fez na pressa e no susto. Foi assim que a gente se reencontrou em 2009. Além disso, o Cláudio é fanático por Gang of Four – eu já tinha ouvido a banda através dos Titãs, mas foi o Cláudio quem me mostrou com propriedade e Siren Bang significa “Gang of Four” em mandarim.

Sounds: Que legal isso!
Cláudio: É a gangue dos quatro.
Sérgio: Essa música que a gente gravou tem uma aproximação com o Gang of Four, enquanto os dois primeiros discos tinham um baixista pensando que era o Steve Harris…hahaha.

Sounds: Hahaha… vocês então misturaram Iron Maiden com De Soto [referência à De Soto Records, casa do Jawbox] ?
Sérgio: Naquela época, sim, mas não importa. Sem olhar pra trás. Agora a gente gravou um som consciente da simplificação, do real espaço entre os compassos, três instrumentos ao invés de quatro ou cinco. A gente fez de tudo. Como a gente quis, no tempo que a gente quis. E aí chamamos o Richard, que é famoso por isso, e ele gravou 15 faixas em dois dias. A gente quer fechar com 13, pensando na tendência da hashtag… hahaha.

Sounds: Não sabemos em quanto tempo vocês levaram pra gravar os dois primeiros discos, mas eles eram mais frenéticos. O fato de vocês terem tido mais tempo agora pra gravar as faixas novas favoreceu essa ideia de deixar os espaços acontecerem na sonoridade atual do Diagonal?
Sérgio: Claro, claro…

Anúncio de divulgação feito pela Submarine Recs

Sounds: Isso é uma coisa muito presente no jazz, né? Aproveitando, existe alguma influência desse tipo no som de vocês?
Sérgio: Não na execução, mas na inspiração, sim.
Cláudio: Acho que quem conhece a gente vai sentir que nos dois primeiros discos era uma banda muito mais juvenil, com mais gás e energia.
Sérgio: E com um agudo que eu não alcanço mais… hahaha
Cláudio: Agora a gente tá mais maduro, sabe fazer mais canção, deixa a coisa mais parada no forno, volta, pensa e repensa a música, a imagem… Sinceramente é uma música muito estruturada. Eu não vejo isso assim tão fácil nesse mundo do rock, né. Letra, som e imagens sugeridas. Acho que essa é a diferença. A gente pega músicas de 2004, 2009 e dá vontade de tocar, de ouvir… Acho que o público vai curtir.

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Sounds: Então essas músicas são todas desse período em que vocês se reuniram, em 2009?
Sérgio: Tem algumas de 2004 também. A gente fez um resgate completo. Eu gravei umas músicas em k7 e digitalizei essas fitas pra mostrar pro Cláudio e pro Richard como a gente tava tocando na época. De lá a gente tentou entender como simplificar e deixar melhor.
Cláudio: Se juntar tudo a gente tem umas 30 músicas. Daria pra lançar três álbuns de 10 ou vamos lançar esse aí, mais um e um EP.

Diagonal ao vivo no Hangar 110

Sounds: Ao olhar para aquelas músicas gravadas naquele tempo, o que vocês sentiram de mudança? Teve alteração de tempo ou de arranjo? Tipo “isso daqui cabia nesse enquadre juvenil e agora queremos usar outro tipo de arranjo”?
Sérgio: Naquela época o Cláudio morava na zona leste e eu na zona oeste [de São Paulo]. O Richard chegou a morar fora da cidade. Eu e o Cláudio tínhamos uma mania de falar pelo telefone “olha, escuta aí, é assim que tem que ser no sábado quando a gente for ensaiar…” Era rápido, no susto, todo mundo contava moeda pra pagar seu Cláudio, que era onde a gente ensaiava.

Sounds: No [estúdio] El Rocha…
Sérgio: É… E nos dois casos foi menos de uma semana entre a primeira gravação da primeira música e a mixagem. Foram dois discos gravados em cinco dias. Havia distância e foi assim porque era o que a gente conseguia tirar do bolso. Em 2021 eu tinha o estúdio montado e gente estava próximo, então era viável. Até o Richard vir pra SP a gente ensaiou por meses, algo que nunca aconteceu naquela época. Veio daí essa coesão que o Cláudio explicou. A gente teve tempo pra brincar um com o outro, rir um com o outro, discutir a ideia numa semana e voltar na outra eu dizer “tá bom, eu aceito. Porque o Cláudio é teimoso e eu, também”. Rolou, tudo certo.
Cláudio: Eu acho que é uma coisa bem mais simples. O Sérgio tocou muita bateria. Inicialmente as músicas foram montadas sem o Richard. Então, tocar em trio exige um enxugamento de arranjo. Eu não sou nenhum gênio, eu faço minha parte. Isso dá outro formato para as músicas. Aí, uma outra guitarra que vem é como um adereço, uma coisa que não está na estrutura original. Então as músicas vão simplificando e ganhando aquele formato de que a gente mais gosta, que é na linha do Gang of Four. Eu também comecei a afinar em Ré, o que dá um peso maior.

Sounds: Mas você só dropou o Mi ou deixou normal?
Cláudio: Isso, dropei o Mi e tem algumas [músicas] que eu tô tocando em Dó também.
Sérgio: É o Tom Araya com uma Telecaster…haha.
Cláudio: É isso que dá a mudança. Essa coisa de deixar a música mais audível, com formato mais de canção. As músicas antigas eram muito loucas. Pareciam um jato, não tinham refrão…

Sounds: Aí entra o que vocês falaram: os dois primeiros discos eram muito loucos porque tinham a ver com o tempo e com a idade. O que é bem paradoxal, porque naquele tempo a gente não tinha tanta emergência em termos de informação. Era emergência de viver. E agora que a gente tem essa emergência ao nosso redor, é contra-corrente você fazer uma coisa pensada, elaborada né?
Cláudio: Hoje a gente tem menos aparelhos grandes… Os primeiros discos foram gravados no El Rocha, com uma aparelhagem técnica. Mais microfones e toda essa parte…
Sérgio: A mesa do Fugazi, mano… (risos)
Cláudio: Nossa gravação hoje é de 10 canais.

Sounds: Então vocês abraçaram o menos é mais.
Sérgio: É… oito microfones ao invés de 16. E menos é mais, com certeza.

Sounds: É interessante que a nova música, “Sacred Cow”, tem um clima anos 80, né? Por causa da captação, lembrou um pouco o Hüsker Dü…
Cláudio: Ooopa… Esse vocal eu fiz especialmente pensando no Hüsker Dü.
Sérgio: Mas em quem você se inspirou, no Grant [Hart] ou no Bob [Mould]?
Cláudio: Nos dois.

Sounds: Falando lá do começo, o que vocês queriam quando vocês montaram o Diagonal?
Amanda: Eu estava em Minas Gerais e sempre ouvia relatos muito respeitosos sobre vocês, com uma admiração muito grande.
Sérgio: Eu vou começar e depois você discorda, Cláudio. Mas sempre com muito carinho (risos). Eu sei que vocês entrevistaram o Paulo [I.M.L] e eu não tive a chance de ver o I.M.L, mas pude ver o Intense quando era adolescente. Então, pra mim, o Cláudio era exatamente essa pessoa que a Amanda descreveu, que você escuta falar, de que ele já estava na frente, abrindo pro Fugazi em 94… Sempre fui fã do Cláudio, e ainda sou. E hoje em dia, sinto de volta esse respeito, tocando com ele. Mas, no começo, eu ia nos shows dele e dava a demo de uma bandinha que eu tinha com o Richard pra ele ouvir.

Sounds: Que banda era essa?
Sérgio: Stazmatazz. Era uma piada com o Jazzmatazz e tá escrito no encarte do single de “Zero”, do Smashing Pumpkins, como uma das músicas. A gente gravou no mesmo estúdio que o Small Talk, era do Pompeu e do Heros, do Korzus, que atualmente são parte do Prevent Metal [referência às bandas cujos integrantes são donos da empresa Prevent Senior]. Eu mostrava essa demo pro Cláudio e ele não dava a mínima, porque ele era o Cláudio. Aí, de tanto encher o saco, o Xan, que também tocava no I.M.L, ouviu. Resultado: ele levou o Richard pro Echoplex, porque o Maurício tinha saído depois de alguns shows. Tinha acabado o Single Tree, o Xan e o Meirelles (do Echoplex) se encontravam para fazer um som meio Black Sabbath, e o Richard começou a tocar com eles. Eu estudava na classe do Maurício Takara, a gente fez ginásio juntos. Então eu tava o tempo inteiro lá no Rocha. E eu tava presente quando o Daniel Ganjaman saiu do Page Four. E aí, de alguma maneira, eu virei o baixista da banda. Depois do fim do Page Four o Cláudio tinha algumas músicas, quem eram da demo do Diagonal. Eram as músicas que a gente tentou ensaiar com o Flávio e com o Xan, mas deu xabu e o Diagonal nasceu.

Richard, Takara, Cláudio e Sérgio

Cláudio: Em 1996 já tinha uma cena lá fora. Tem um fluxo externo de coisas que a gente ouve e tem a nossa vivência de cidade, do que é o Brasil e tal. E, modéstia à parte, o Page Four já estava um passo a diante. Em 99 o Diagonal tava fazendo o que veio a se chamar de math rock. A gente nem sabia que existia. A gente falava “olha, escuta essa banda aqui, parece a gente tocando”. Era o Faraquet. Era o mesmo espírito do tempo, sabe? A gente escutava muito Jawbox e Fugazi. Foi a nossa base. E o Gang of Four, minha paixão. Então foi isso que deu origem ao Diagonal. Não tem nada de complicado nas músicas do Diagonal. O que tem ali é ouvir o outro. Ouvir o que o outro tá tocando e completar com coisas fora da ordem. Não é óbvio, nada óbvio.

Sounds: E na fundação vocês tinham ideia de como queria soar?
Cláudio: Fazer uma coisa diferente. O Jawbox e o Fugazi eram a nossa cara mesmo. E essa coisa de complementar: diante do que eu fazia, o Sérgio ia lá e fazia uma coisa diferente. Isso dá uma cama, quase uma sinfonia para a música.
Sérgio: Eu e o Richard crescemos no mesmo prédio. E a gente tinha essa coisa de tocar na banda de faculdade do meu irmão. Tínhamos uma capacidade musical de arranjar as doideiras do Cláudio. Não só de entender, mas, também, de sugerir. O resultado final é uma sobreposição. E nessas músicas novas a gente realmente seguiu aquele ditado um pouco cliché, mas que é verdade, de servir a música. De pensar no que está rolando ao invés de ter que fazer algo.

Sounds: Vocês eram frequentemente associados ao Fugazi. Em alguma medida isso restringiu a ideia que as pessoas poderiam ter do Diagonal?
Cláudio: Acho que era mais o espírito, sabe. A gente nunca copiou nenhum som. Não era o mesmo estilo.

Sounds: Lembrando aqui, talvez no Intense já começa a ter um respingo de Fugazi, né?
Cláudio: Tem sim. A música do Fugazi se sustenta. São boas músicas. Você pode estar enjoado, mas elas não envelhecem. E o Diagonal faz a mesma coisa. Mesmo as músicas mais velhas. A gente pode não gostar de algumas, mas muitas se sustentam porque têm o espírito da criação, da produção de uma coisa muito pensada. A gente tocava com mais dissonância e hoje a gente toca com a ideia da nota complementar, de harmonia. Essa dissonância toda dá a impressão de que está tudo se chocando, mas não. Tem muito pensamento. A gente é muito mais barulhento que o Fugazi. Menos hoje, mas no passado era mais.

Sounds: Quando vocês começaram o Diagonal, como foram que vocês perceberam as reações do público, de bandas amigas…?
Sérgio: Dramática! (risos). No Violence, Street Bulldogs, Hateen e… Diagonal (risos).
Cláudio: Tinha um povo que perguntava: “O que vocês estão tocando? É um Rush com Fugazi… que porra é essa?” Mas foi bem recebido, várias vezes.
Sérgio: E vaiado também. Eu lembro de a gente abrindo pro Dead Fish em Santos. Filmamos um clipe nesse show – eu levei um amigo que tinha câmera. Aí, bem nesse show, que tinha uma expectativa, a molecada vaiou a gente a ponto de o Rodrigo [vocalista do Dead Fish] subir no palco e ter que explicar: “Molecada, são os nossos amigos!” E aí o público só virou de costas e ignorou nossa presença.

Cláudio: As músicas são difíceis à primeira vista. O som que a gente fazia antigamente, sem um fone de ouvido, fica difícil de ouvir. Faz uma cama de som e não é fácil de sincronizar na cabeça. Tinha pessoas que escutavam os discos, mas era no show que elas entendiam mesmo.
Sérgio: Tem um lance que aconteceu naquela época. A gente saiu no CD que o UOL distribuía que vinha com o discador pra você instalar a internet. Muita gente ouviu o Diagonal. A gente estava entre o Ratos de Porão e mais um monte de coisas que saíram naquele disco. A gente foi bem promovido.

Foto: SOUNDS LIKE US

Cláudio: Eu tenho essa impressão. Não só com a gente, mas com um monte de bandas. Você precisa primeiro escutar o disco pra depois ir no show, porque o contrário não funciona.

Sounds: Isso depende do tipo de som também. Na época em que vocês apareceram, tinha umas coisas como o Elroy ou o Awkward, bandas que você via ao vivo e que também funcionavam em fita ou cd…
Cláudio: Sim… sim.

Sounds: E tiveram muitos shows naquela época?
Cláudio: Teve. A gente tocou em Belo Horizonte umas duas vezes, em São Paulo, umas 10 vezes, sei lá… Tocamos em Santa Catarina…

Sérgio: No Diagonal, o Cláudio já tinha sido o cara que assinou um contrato com a Roadrunner. Ele já tinha tido o gosto de ser um cara que tinha uma banda e alguém tinha falado ia tocar na rádio… mas não foi bem assim. Então, na época do Diagonal, não era uma questão de ser anti-nada, mas de não ter deslumbre algum. E isso, talvez, tenha feito a gente não fazer tantos shows assim, mas os shows eram ok. Era um outro tempo. Naquela época ele já era professor também. Então não tinha essa de ensaiar durante a semana. Era quando dava. Um ensaio todo mês, talvez dois… um show por mês, talvez mês sim outro não.
Cláudio: A gente teve uma certa dificuldade no estilo também. Se a gente tocasse um hardcore mais reto, talvez fosse mais fácil também. Eu toquei com o Intense e o I.M.L, eram shows, assim, lotados de gente…

Sounds: Tocaram até na quermesse… (risos)
Cláudio: Hahaha… que loucura aquilo lá. Foi o primeiro show da minha vida esse aí. Nossa senhora, isso é muito velho (risos).

Sounds: Num determinado período, ali no começo dos anos 90, as bandas ainda cantavam em inglês. Pouco depois, passaram a cantar em português… Vocês estão localizados ali no final da década de 90, só que o Cláudio já vinha fazendo essa coisa “esquisita” e que resultou em algo que era uma espécie de “faço o meu som e foda-se o que está acontecendo”. Vocês acham que por isso talvez tenha rolado essa dificuldade de vocês se encaixarem como banda?
Cláudio: Vamos falar a verdade. Esse som que a gente faz também não tem um público grande. Ninguém mais escuta, então, é bem difícil. O tempo das pessoas tá muito preenchido pela mídia. Ninguém mais senta pra ouvir algo. Tem muito mais opção e o ouvido das pessoas tá muito entorpecido por música fácil, que não dá muito trabalho, melodiazinha. Aí você coloca um disco que exige e escuta “hum, não dá… é chato”. O que eu falo é “escute, escute novamente” e, daqui a pouco, você vira fã. É isso que acontece com as nossas músicas. Toda resenha que saiu da gente, chegaram até a criticar e tal, era imprevisível. Tem que escutar de novo e não é qualquer coisa.

Sounds: Com a volta vocês esperam que algo seja reconhecido e que de repente tenha passado batido?
Cláudio: Já passou, o rock não rola pra mais ninguém. Acho que só para o Fresno e essas bandas.
Sérgio: Eu acho que a figura do roqueiro tá muito atacada. Tem uma vasta gama onde o roqueiro é estereotipado de um jeito ruim. Essa história do Helmet, que tocam de bermuda e parecem caras normais. A história do Fugazi que não mexe com marca ao invés dos caras que fazem turnês com as roupas. Isso se perdeu. Todo mundo faz turnê com as roupas agora! É a realidade.
Cláudio: Hoje tem chance de ser melhor compreendido do que no passado, apesar de não ter mais público. Olha que paradoxal.
Sérgio: E nunca foi tanto “imagem é tudo”. O aspecto visual conta, desde os ternos dos Beatles, não me levem a mal. Seja lá qual for a sua escolha, New York Dolls ou Television, imagem é importante. Mas a gente ficou refém. É sempre uma renovação da mesma ladainha.

Cláudio: Hoje eu acho que o Diagonal vai ser compreendido, mas por menos gente, porque o público se esfacelou, reduziu muito. Quem vai ouvir é o pessoal que acompanha. E hoje a gente tem chance de explicar, coisa que antes a gente não tinha. Um exemplo, a “Sacred Cow”. Começou com um riff estranhíssimo. Aí eu falei pro Sérgio: “isso aqui é um rastelo, cara”. Aí eu baixei o tom pra Dó. Daí eu já falei: “vou fazer uma música sobre o Bolsonaro”. Sobre o governo Bolsonaro passando o rastelo em todo mundo. Um trator pesado. A letra se encaminhou pra isso. A frase final fala “a vaca sagrada vai morrer”. O Bolsonaro vai cair, né.

Sounds: É o que a gente espera…
Cláudio: É uma música política. Percebem? A música tem uma imagem, tem uma letra, tem uma intencionalidade que o público jamais percebe. A “Metadisaster” é um negócio que destoa do resto das músicas. É um desastre mesmo. É sobre o Meta, o mundo eletrônico, a especulação financeira e o colapso de 2008 que está às portas aí.
Sérgio: O refrão diz “eu posso te roubar, mas não pra te devolver”. É o que o Mark faz… hahaha.
Cláudio: Todas as nossas músicas tiveram imagens na origem. A gente toca, toca e toca… e depois vê se tem alguma imagem nela. Toda música surge de uma imagem. Várias bandas devem compor desse jeito, é que ninguém fala. As músicas têm apelido.
Sérgio: Eu acho que com o tempo a gente aprendeu a ser generoso com a ideia de não ficar tentando decifrar, dando título de saída. Permitir algum nível de conversa surgir dentro do que formam as ideias da música. “Ah, isso parece uma engrenagem… isso me faz pensar em algo…”.
Cláudio: Depois que você chega em uma imagem, ela induz pra um arranjo. A gente então vai colocando letra, que puxa mais arranjos.
Sérgio: Em outras palavras, nós somos poetas… hahahaha.

Sounds: Tem uma intencionalidade em cada detalhe, né?
Cláudio: Muitas bandas têm. É que hoje o público não escuta música, só consome como quem toma um copo com água. Mas tem sim, tem um fundo de arte.
Sérgio: Uma ambição, no mínimo.
Cláudio: Esse álbum tem uma ideia central, que é o canto da sereia. “Bang” é estrondo, impacto do canto da sereia, a porrada que vai vir lá na frente. É um disco da catástrofe. É o fim do capitalismo que tá aí no horizonte. Talvez seja o fim da humanidade antes do capitalismo, mas… E todas as músicas caminharam pra essa ideia. O nome da banda era Siren Bang, né, antes de a gente pensar em Diagonal. Essa ideia de fazer um som mais Gang of Four, mas com o estrondo, da sirene. É alerta de que o fim do mundo tá aí. A gente tava gravando em 2009 e em 2008 tinha tido o colapso financeiro lá nos EUA.

Sounds: E que a gente já achava que era o fim do mundo e mal sabia que o poço poderia ficar ainda mais fundo.
Cláudio: Isso levou pro Ré também. Quicksand é uma referência. Jawbox, Gang of Four. Tá na referência lá atrás. A referência do Ré (D), de tocar mais sombrio, vem daí, dessa guerra que tá no horizonte… Muitas bandas fazem isso, é que as pessoas não sacam. É que a gente se dá ao luxo de dizer, com todo o narcisismo bem alto, que a gente é uma banda com uma intencionalidade poética e verdadeira.

Sounds: Vocês tinham algumas bandas que formavam comunidade com vocês, bandas amigas, com quem vocês trocavam as coisas?
Cláudio: Mais ou menos, como qualquer banda de São Paulo. A gente tava mais próximo do Hurtmold, talvez por causa do estúdio.

Sérgio: O Cezinha (Highlight Sounds) foi muito importante em espalhar o nosso nome pra várias pessoas que não teriam noção da nossa existência. Então, várias circunstâncias fizeram o Diagonal sair dessa turma e ser chamado pra tocar no Susy in Transe. Tinha também a turma do El Rocha… A Verdurada é importante mencionar também porque eles são legais e sóbrios, porque o resto era tudo maluco mesmo.
Cláudio: Já tinha uma fragmentação da cena, que veio nos anos 2000 – pelo menos dessa cena hardcore ou pós-hardcore. Ali eu acho que já era a diluição mesmo, ficaram só algumas [bandas]. O Garage Fuzz fez uma carreira forte e o Dead Fish estourou de uma maneira brutal, mas pouca coisa continuou. Outro tipo de cena é o metal, que perdura. Tá aí o Genocídio, que tem público até hoje. É aquele público fiel, que pede “toca a primeira do primeiro disco”. Tanto é que quando eu tocava no I.M.L, a gente ia de trem pra algum lugar e perguntavam “onde que é o pico do show?”. Aí o Paulo (I.M.L) falava assim: “siga os heavy”. Era só você seguir que os heavy te levavam pro show.

Sounds: Você vão formar um novo público. Hoje tem um público que baixa as músicas, canta tudo, sabe as letras, bem dedicado. Pressupondo que essas pessoas não tenham contato nenhum com o que vocês produziram, como vocês poderia sintetizar o Detouring Track, o Model to Deceive e o disco novo?
Sérgio: Quando o Pixies voltou (longe de mim querer comparar pra que a gente seja o Pixies do Brasil e não o Fugazi… hahaha), eles lançaram pouca coisa e fizeram por um tempo uma turnê olhando pra trás. Eu tô usando isso como exemplo pra dizer que a gente quer olhar pra frente, eu e o Cláudio. A gente tem as músicas novas, que é onde a gente quer chegar.
Cláudio: Eu diria que os dois primeiros discos são mais agitados, têm um balanço muito forte. Tem o shake que tá permeando todo som, mas só quem ouvir hoje vai sentir mais. Esse balanço tá mais forte hoje. Do Detouring Track a gente vai tocar só uma música. Do Model to Deceive, também, a que abre o disco.
Sérgio: Acho que essas músicas precisam ser em quarteto. Como trio, vamos pegar uma ou duas e começar a testar versões que se adaptem ao trio.
Cláudio: Nos primeiros shows não vai ter ninguém porque ninguém sabe o que é Diagonal hoje, mas se a gente tocar com uma outra banda aí o público da outra banda pode se interessar. Porque essas músicas novas são foda.

Diagonal 2022

Sounds: E esse shake que você fala tem alguma referência da música brasileira?
Cláudio: Poooo, essa foi a melhor pergunta! Porque eu falo assim, os gringos podem tocar pra caralho, fazer os math rock, pós rock, mas onde a gente entra a gente coloca o suingue.
Sérgio: O Steve Albini elogiou o aspecto brasileiro da bateria do Richard.
Cláudio: É isso. Os caras sentem o Brasil sabe? E o Gang of Four. O que a gente chama de malander rock é isso. Esse shake que é difícil ter lá fora. As bandas lá fora viram funk tipo Red Hot Chilli Peppers. A gente não é o Red Hot Chilli Peppers… hahaha. Tem uma música que chama “Bullfight” e é muito Brasil. A “Fantasy” tem uma batida Brasil pra caralho, sem forçar. A gente não falou “faz um samba aí”, mas tá lá. Tem samba, tem baião… Esse é o nosso diferencial. Porque as pessoas pensam “que porra é essa, os caras estão tocando pós hardcore e põem uma batida brasileira”. É isso aí!