Vinicius Castro
Chegamos à segunda parte do nosso especial sobre o que tem aparecido de novo no pós punk. A primeira edição faz um ano e desde lá a gente conheceu, se aproximou, ouviu, dançou e ouviu de novo discos incríveis de algumas bandas que vêm reforçando a identidade do estilo e redimensionando suas possibilidades em todos os cantos do mundo, o que pra gente é uma alegria imensa.
E uma das coisas mais gratificantes desse especial é que nele conseguimos abordar diferentes rotas, causas e consequências de um estilo que nunca deixou de gerar músicas carregadas de uma grande carga emocional. Uma música que consegue colocar o(a) ouvinte onde ele(a) deseja.
Tem pra quem gosta de dançar ou procura algo mais barulhento. Para aqueles que procuram algo mais próximo do punk, do death rock ou cold wave. E claro, tem também pra quem gosta do pós punk puro, sem muitas misturas e de essência intacta desde suas gestação lá no fim dos anos 70, início dos 80.
No fundo, o que importa aqui é trazer bandas que estão renovando os ares e injetando uma boa dose de qualidade no nosso tão querido pós punk.
Leia também as outras edições:
– Pós Punk: parte 1
– Pós Punk: parte 3
– Pós Punk: parte 4
Passive
Vai soar estranho, parecer desencontrado, fora de tom, mas calma. Depois de mergulhar fundo nos discos lançados pelo Passive sua opinião pode mudar, e muito. O duo formado por April Johnson e Ian Schram vem de Vancouver, Canadá, terra que há algum tempo tem nos presenteado com muita coisa boa. O Passive tem dois discos lançados: NØ 1 (2015) e o EP NØ 2 (2016). Por vezes a impressão é de que eles soam como um Interpol noise/garage rock, só que mais desenfreado e barulhento. Em outras, como na faixa “Dining With The Languid”, música do primeiro disco da dupla, eles parecem desenhar uma interpretação de Jim Morrison em uma jam com o Black Sabbath num climão arrastado capaz de fazer muita banda de sludge parecer brincadeirinha de criança.
Na forma como o Passive costura sua músicas dá pra notar um flerte com o shoegaze e um generoso amor pela distorção. Dessa forma, não tem como ligar o duo única e exclusivamente ao pós punk. É um pouco mais que isso e começar essa seleção com eles é um ótimo jeito de mostrar que o pós punk tem sua essência, mas pode ir muito, muito mais além. Sem dúvida, para nós, essa é uma das bandas mais interessantes do último ano. E se você der uma chance, ela vai ser a sua também.
Agent Blå
Como outras tantas bandas, o Agent Blå (pronuncia-se Agente Blue) vem da Suécia e parece querer juntar em suas canções o amor pelo Slowdive e Joy Division, mas nada que fique muito refém dessas referências. No som você também vai identificar pinceladas de Blondie e Savages.
Sob uma aura que eles mesmos chamam de death pop, na música do Agent Blå cabe o gótico, o verniz doce do dreampop e algumas incursões mínimas do shoegaze. Sabendo que todos esses elementos convivem em harmonia, dá pra dizer que estamos diante de uma leitura mais acessível do pós punk.
A música do Agente Blå tem aquele gostinho juvenil de banda nova cheia de sonhos e fadada às frustrações da vida.
A dobradinha “Strand” e “(Don’t) Talk to Stranger” carrega, em uma mesma proporção, uma dose de ingenuidade que pode até soar meio boba, com aquela carinha de trilha sonora de seriado adolescente. Mas cuidado. A doçura dessas e das outras faixas do disco passa longe de qualquer circunstância inofensiva. A música do Agent Blå gruda na cabeça de forma que, já na segunda audição, você vai se pegar cantando junto. Pode apostar.
Soft Kill
O Soft Kill foi formado em 2010, em de Portland, terra que vem compondo certa tradição em oferecer bons sons dessa vertente da música.
Heresy é o nome do álbum lançado em 2015 e “Grandview” é a faixa que entrega algo do pós punk feito nos anos 2000. Mas não caia no pré-julgamento referente às bandas que naquele início de década abordaram uma linha mais, digamos, dançante. O Soft Kill é mais obscuro e encapa sua música com referências inevitáveis a Joy Division e The Cure. Ainda em Heresy, ouça “Hit The Floor” e tente imaginar a densidade do Fields Of The Nephilim com o vocal do Robert Smith em uma jam carregada de emoção. É uma música linda, dona de uma tensão delicada pela espera de algo que nunca acontece.
Em 2017 o Soft Kill lançou, via Profound Lore Records, um novo disco, Choke, e conseguiu o que por vezes é um pouco difícil para uma banda: avançou em direção a algo diferente, sem perder as características que formataram o som da banda. Choke está mais para as paisagens sonoras do The Chameleons e do The Cure do que para o Joy Division do disco anterior.
Em ambos os álbuns, o Soft Kill conquista pela entrega que transmite em suas músicas. É uma banda com potencial para alcançar um reconhecimento um pouco maior do já conquistado e, no que depender da aceitação do público, tudo indica que isso vai acontecer em breve.
The Wraith
Esta é, sem dúvida nenhuma, uma das nossas maiores apostas. Em “Comatic Romance”, música que abre o primeiro EP dos caras, Shadow Flag, já dá pra entender como se faz pós punk com uma dose generosa de energia. Que música! Em um misto de Samhain com Christian Death e muito TSOL, o EP é contagioso. Quando acaba, você tem vontade ouvir de novo. Shadow Flag é cheio de sensações frias, escuras e remanescentes do climão distópico de Blade Runner e Mad Max.
O The Wraith segue pelo chamado death rock. Ou dark punk, como alguns preferem. A formação da banda é resultado da junção de ex-membros de outros dois nomes: o Lost Tribe e o Cinema Strange.
No The Wraith há um casamento sob medida entre os andamentos mais agressivos impostos por Kaz Alvis (guitarra) e Bryan Yazzie (baixo) e os vocais de Davey Bales, que desfila sua voz desprendida de técnica, mas carregada de uma emoção urgente.
Curiosidade. Scott Raynor (bateria) deve ser um nome familiar para quem ouviu muito pop-punk no início dos anos 90. Scott tocou no comecinho do Blink 182, até a fase do Dude Ranch.
Animal Youth
O Animal Youth é uma banda de Bruxelas, Bélgica. Formado em 2016 a partir das cinzas do Siamese Queens, o trio mistura de forma saudosa aquele som com o gostinho da década de 90 e o pós punk do jeito que a gente conhece. É com essa fórmula equilibrada que eles conseguem atingir nossos corações com ondas de guitarras barulhentas acompanhadas por uma bateria gelada e um aceno simpático a nomes como Jesus and Mary Chain.
O primeiro EP, Animal, mostra uma banda à vontade em tentar construir um ambiente que toma emprestado não só as características do pós punk, mas que também traz recortes do shoegaze e um leve tempero das ruidosas guitar bands.
Animal vai agradar quem gosta muito, pouco e quem apenas simpatiza com o pós punk e suas misturas saudáveis.