Pós Punk – Parte 3 Uma lista com alguns nomes que estão mantendo o estilo mais vivo do que nunca

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Vinicius Castro

Em um dia em que São Paulo amanheceu aos 8 graus, somado ao frio que parecia romper a pele, um vento vagava acompanhado de uma garoa fina, e juntos davam o tom de um dia encolhido, de mãos escondidas nos bolsos e músculos contraídos para barrar a sensação de que a qualquer momento nossos ossos fossem trincar.

Traçando um paralelo entre as sensações que proporciona, o pós punk, e também o shoegaze, tem certa relação com isso. As texturas, o delay e o trêmulo das frases de guitarra, a secura dos andamentos, a linearidade dos vocais. Tudo distribuído em camadas e mais camadas que sustentam uma roupagem que também tenta aplacar algo.

Nesse clima em que se portam confortáveis, selecionamos alguns discos e bandas que mais gostamos de conhecer e ouvir durante o ano, e que convivem dentro desse universo tão amplo e que tanto se renova dentro de sua própria estrutura.

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Pós punk – Parte 2
Pós Punk: parte 4

Moaning

Foto: Divulgação

Alguém já ouviu falar de Alex Newport? O cara foi guitarrista e vocalista do incrível Fudge Tunnel, montou o Nailbomb com o Max Cavalera (Sepultura), e produziu bandas como At the Drive In, Johnny Foreigner e Ratos de Porão, entre outras.

Um dos seus trabalhos mais recentes foi com o Moaning, trio de Los Angeles, que lançou seu disco de estreia no comecinho de 2018 e desde então está entre os mais legais desse ano.

O álbum, lançado pela Sub Pop, traz em sua sonoridade uma mistura entre os primeiros registros da Siouxie and the Banshees e do The Cure.


Sean Solomon toca guitarra de uma forma agressiva e equaliza essa voracidade cantando como se fosse uma espécie de Bernard Summer (New Order) com um timbre mais dream pop. O baixista Pascal Stevenson e o baterista Andrew MacKelvie, constroem uma parede de camadas, melodias e texturas que mostram que o trio realmente sabe o que está fazendo.

“Don´t Go” é som de pista. Dançante, tocaria fácil em casas voltadas para esse público. “Tired” e “Close” resgatam um pouco uma vibe mais new wave, de que a gente também gosta bastante. Já “Artificial” tem uma aura bem Bauhaus, o que mostra que o disco de estreia do Moaning é um banquete pra quem busca novos nomes dentro do pós punk/shoegaze.

Echo Ladies

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Uma das nossas descobertas preferidas do ano veio pela boa dica do The Blog that Celebrates Itself, site que sempre traz bons nomes vindos do lado mais obscuro do subterrâneo. Entre os últimos, estava o novo disco do Echo Ladies, trio que vem da Suécia, país de bandas que já passaram pelas edições anteriores deste nosso especial, como o Agent Blå e o RA.

O que encanta em Pink Noise é a facilidade com que eles trafegam entre o synthpop, o pós punk e o dream pop. Há linhas delicadas que diferenciam cada uma delas, e o Echo Ladies consegue delinear isso muito bem e ainda trazer um tempero pop muito bem dosado.

“Apart” é dona de um dos refrãos mais grudentos do ano. Não só nessa faixa, mas em todas que constroem o álbum, há doçura e dramaticidade na voz de Matilda Bogren. Há também músicas mais dançantes, outras mais melancólicas e barulhentas, como em “Intro”, faixa instrumental que inaugura Pink Noise com poucas notas e um andamento frenético. É irresistível, e uma escolha muito acertada para uma faixa de abertura.

Depois de alguns singles e um EP, é perceptível como o Echo Ladies encontrou em Pink Noise a sua própria medida de exploração dos alicerces do pós punk com um sopro de coisas como Jesus and Mary Chain, Cocteau Twins e Ride, por exemplo. Tudo convivendo em um massa etérea extremamente confortável sob medidas radiofônicas, como bem se fazia na saudosa década de 90.

Wailin’ Storms

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Gosta de Christan Death, The Gun Club e Samhain? Então o Wailin’ Storms vai te levar por uma viagem  barulhenta que passa pelo pós punk e o noise rock, inspirada por essas e outras ótimas referências .

No Wailin’ Storms tudo soa muito orgânico. Não há muito synth ou batidas lineares, e é justamente esse lado mais visceral que faz com que Sick City, lançado em 2017, ganhe destaque.

É um disco de emoções violentas, e quem confirma essa nossa impressão é o vocalista Justin Storms. Em entrevista à Decibel ele disse que “Irene Garza”, uma das músicas do disco, teve sua letra baseada em uma história real de um padre que estuprou uma mulher numa igreja do Texas. Já sobre a ruidosa “Night of Long Nights”, Justin disse que ela trata sobre a demência.

Em 2015, com One Foot In the Flesh Grave, o Wailin’ Storms já havia ganhado certo destaque. Mas em Sick City eles conseguiram encorpar ainda mais suas músicas e o resultado é um disco de degustação imediata. Se o seu gosto pelo pós punk caminha próximo ao barulho do noise rock é só apertar o play e curtir a viagem.

Jessica 93

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A mensagem transmitida aqui é que o pós punk pode ser visto sob uma ótica mais iluminada, barulhenta e não tão cavernosa.

Em Rise, de 2014, morava um pós punk mais direto, próximo do que o estilo se propõe, algo que parece mesmo ter sido construído após a explosão do punk. Mas quando ouvimos o mais recente álbum dos franceses, o Guilty Species, nossa empolgação foi para um outro lado. Era a mesma banda, mas com uma roupagem diferente de seu antecessor, com guitarras mais espaciais, ruidosas, e programações captadas com mais volume, mais na cara.

“Anti Cafard” é um conturbado namoro entre o indie e o pós punk, enquanto “French Bench” nos lembrou, por mais que isso possa parecer estranho, algumas coisas de Young Gods, embora puxe mais para o gótico do que para o industrial.

Mas “R.I.P in Peace” e “Venus Flytrap” vão te levar direto para o underground do fim da década de 80. Ambas trazem um climão de filme barato e uma sensualidade decadente, convivendo na mesma pista de dança em algum inferninho ativos daqueles dias.

A nirvanesca faixa-título também é um dos destaques desse grande disco de uma banda que precisa estar no radar não só de quem procura uma boa releitura do pós punk, mas também de quem adora músicas explosivas, fortes e cheias de melodias deliciosamente sombrias.

Homeminvisível

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O disco de estreia do Homeminvisível passa por paisagens variadas. Divide seus registro de nascimento entre o pós punk e o shoegaze, mas não esconde o parentesco em primeiro grau com o grunge. Nos riffs, as guitarras cortam. Nos fraseados elas preenchem sabiamente camadas e mais camadas de espaços que pedem por isso.

“Topografia Cardíaca” é uma bela música. Forte, é uma escolha certeira para abrir o disco, já que ela parece reunir todas as referências absorvidas pela banda. “Medos” é outro destaque. Não que seja uma ligação direta, mas o dedilhado das guitarras somado ao andamento nos levaram até “Moonchild”, do Fields of Nephlim, uma das prediletas aqui de casa.

De certo, para o Homeminvisível, a herança do shoegaze é um ponto de partida. E sua música, mesmo não sendo nenhuma novidade, e a releitura que a banda se propõe a fazer funcionam bem e reforçam a nossa impressão de que, para delinear sua identidade, eles buscaram referências nos melhores do estilo. E deu certo.

Death Bells

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Em seu primeiro registro, um EP homônimo lançado em 2016, o Death Bells delineava seu pós punk por synths protagonistas e uma atmosfera romântica, que por vezes beirava o Depeche Mode da fase Black Celebration. Com Standing At The Edge Of The World, de 2017, o Death Bells deu um passo em direção a  músicas mais enérgicas, o que já fica claro na incrível “Days”.

Em 2018 eles lançaram um single com duas músicas: Echoes / Move Through Me. Nele as coisas continuam transitando por uma melancolia tão atraente quanto nos lançamentos anteriores, mas,  segundo William Canning, isso é só um lado da história: “Os elementos mais dark das músicas e das letras estão presentes, mas isso é apenas uma faceta de nossas vidas. Somos geralmente pessoas felizes”.

Talvez por isso o Death Spell seja tão interessante. O amadurecimento é algo perceptível e a cada lançamento eles parecem se distanciar do clima mais, digamos, soturno, para abraçar melodias radiofônicas. Agora é esperar o próximo disco, que ao que tudo indica, deve sair em breve.

Winter Severity Index

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Na década de 80, inseridas no movimento gótico, algumas bandas eram chamadas de dark. Hoje, o que chamamos de dark wave talvez seja a tradução contemporânea mais adequada para aquelas bandas que caminhavam por um universo avesso à luz e às cores. É o caso do Winter Severy Index, banda formada em 2009, na Itália, como um quarteto, o que durou somente até 2013, quando Simona Ferrucci e Alessandra Romeo resolveram seguir como um duo.


De fato, o Winter Severy Index abraça o termo dark. Slanting Ray, disco que descobrimos recentemente, parece realmente ter sido concebido na década de 80. Não por algum esforço em querer pertencer àqueles dias e emular algo mais retrô, mas sim pela honestidade com que exploram referências de The Chameleons e For Against.

Todo o disco é costurado por batidas retas, que criam um ambiente gelado com vocais que lembram o tom característico de Siouxsie Sioux. Como na ótima “No Will” e em passagens mais frágeis que trazem até um certo romantismo reforçado por referências a Elizabeth Fraser, do Cocteau Twins, como em “A Sudden Cold”.

Lithics

Pra quem viveu a segunda metade da década de 80, quando se confundia pós punk com new wave, é interessante observar a pluralidade saudável que o primeiro veio construindo com o passar das décadas. Entre revivals e espaçamentos, o pós punk sempre esteve presente, e hoje não oferece somente novas bandas que descendam de Gang of Four, Sisters of Mercy, The Cure ou The Psychedelic Furs.

Um bom exemplo é o Lithics. Pós punk experimental? Ainda que cause certo espanto, a classificação cabe muito para tentar entender o som dessa banda que banda vem de Portland, berço de novos nomes que trazem um frescor ao estilo.

O Lithics foge dos clássicos pilares ortodoxos do estilo, como Joy Division, Bauhaus ou The Cure, e procura mais proximidade em praias que vão ao encontro de algumas coisas que lembram Devo e Gang of Four. Mas há um certo derretimento nas ideias anti-pop do Lithics que deixa as coisas longe da uniformidade.

Por vezes as frases e ruídos de guitarra são diluídos, jogados no contratempo dos andamentos, e conforme as músicas vão acontecendo, tudo fica cada vez mais disforme. E essa parece ser a ideia de fato. Talvez por isso nossa questão: estaria Mating Surfaces em algum lugar que pudéssemos chamar de pós punk experimental? Talvez, mas que a banda poderia facilmente estar no catálogo de selos como o 99 Records, casa de estranhezas interessantes como o Liquid Liquid, ah, poderia.

Mestre

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Pós-punk de raízes pós rock. O Mestre foi fundado em 2015, em Metz, na França, depois do fim do Mannequin Republic, banda de pós rock que durou de 2011 a 2013. Por curiosidade, vale lembrar que “Mannequin Republic” é o nome de uma música do At The Drive In, do maravilhoso Relationship of Command. Ou seja, boas referências.

Em seu bandcamp, o Mestre intitula sua música como street-wave(?) e pós-punk. O release diz que o trio resolveu se juntar de novo para fazer uma música mais obscura, tendo como referência nomes como Joy Division, The Cure, Eagles, Sleaford Mods e Black Marble. Nenhuma delas é tão latente na música do Mestre, mas isso é bom, porque acaba criando algo a partir de suas influências e não uma cópia descarada das mesmas.


Todas as músicas do primeiro EP da banda exploram a verve pós punk mais inquieta. Nada do nebuloso clima melancólico. É mais um pós punk dançante, de andamentos próximos da new wave, cheio de synth e guiado por uma bateria eletrônica intencionalmente reta, sem muitas variações. Gostamos!

Remote / Control

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Com uma só música o Remote/Control chamou nossa atenção. Ok, é pouco para analisarmos uma banda, mas é nossa aposta. Se o disco vier com a mesma intenção de “Exposure”, vai valer a pena.

O single é puro pós punk/dark wave. Uma massa compartilhada por baixo, guitarra e sintetizadores, que explora influências do lado mais eletrônico e industrial do estilo.


Como diz o próprio nome desse primeiro single, a temática é um recorte do ser humano do nosso século e suas vontades capitalistas de alcançar o sucesso nas redes sociais. “Exposure” é literal. Em uma aura dark, traz de forma clara o ser humano minado pela necessidade da exposição. Vamos esperar. Que venha o disco.