Rancor, nome do novo EP do D.E.R., uma das principais bandas atuantes do grindcore, é o sentimento encontrado para transmitir uma mensagem que vai além da sua síntese em verbetes. Aqui, o rancor é o meio para uma arte que precisa tocar, ser tocada e transmitida de uma forma tão barulhenta e avassaladora quanto a sensação que ele causa. Segundo a banda, “rancor é um sentimento necessário nos dias atuais”.
Se parte do significado criativo da maturidade está em transformar algo aparentemente negativo em mensagens com fins transformadores, esse EP ilustra bem esse estado, transformando dolorosos processos em arte.
Além do EP, a gente tem o prazer de dividir com vocês, em primeira mão, o clipe da música “Má Vontade”, além de uma entrevista exclusiva com a banda. Conversamos sobre o novo disco, a faixa escolhida para apresentar o novo registro e sobre outros assuntos que envolvem a banda e sua necessidade de entender, digerir e mostrar Rancor em blast beat, riffs e gritos urgentes.
Sounds Like Us: Rancor é o nome do novo EP, que estamos lançando aqui em primeira mão. Como foi todo o processo de composição e gravação desse registro?
Thiago Nascimento: Cara, somos lentos para fazer registro das músicas, mas a criação e composição rolam meio rápido. Somos um relaxo pra organizar as coisas e entrar no estúdio. O Renato (guitarra) vem com as ideias dos riffs principais e o Mauricio (baixo) e Barata (bateria) vão trabalhando em cima. Eu só dou opinião quando algo fica muito fora do que imaginava. Para este material não foi muito diferente. O Renato chegou com um riff e eu já tinha uma ideia do que queria passar com o disco – falei que queria um álbum “odioso”. Ele entendeu e começamos a ensaiar as seis músicas. Temos uma sintonia boa nessa questão. Acabou que, no final, as músicas têm um pouco de cada um da banda. Nesse meio tempo, o Kexo, guitarrista do Infamous Glory / Death by Starvation, tocou em alguns shows com a gente e então surgiu a ideia de ele gravar e tocar o disco. Como ele já estava integrado com nosso set e como tocávamos, decidimos ter esta experiência de gravar com duas guitarras.
Sounds: “Má Vontade” foi a música escolhida para ser lançada em vídeo e o resultado ficou muito bom. Parte dela, nos riffs mais palhetados, nos lembrou a velha escola do death metal do início dos anos 90, como o Penetralia, do Hypocrisy. Fala um pouco pra gente sobre essa música, onde o clipe foi gravado e os motivos que levaram vocês a escolherem essa faixa especificamente?
Thiago: Na real temos um outro clipe chamado “Ressentimento”, da quinta faixa deste mesmo disco. A ideia é fazer um vídeo para cada música… vamos ver se vamos conseguir. “Má Vontade” fala um pouco de como juntar nossos pares e deixar o mundo de cabeça pra baixo. O riff tem esta influência de death metal dos anos 90 mesmo. A composição da música conseguiu imprimir a ideia da lírica, como uma chamada para um ataque, quase uma guerra. As imagens foram captadas no show que fizemos na Clash Club junto com o Violator, no começo deste ano. O Ailton, que nos ajuda com a parte de vídeo, que deu a ideia. Tinha material para fazer e seguimos em frente.
Sounds: É coincidência ou propositadamente as músicas foram batizadas com denominações de sentimentos negativos, como “Mágoa”, “Ressentimento” e “Raiva”? É um disco conceitual?
Thiago: De alguma forma este foi o disco com mais unidade que fizemos. Tínhamos ideias na cabeça e os sentimentos que gostaríamos de passar com este material. Conversei com os caras, principalmente com o Renato, que foi me dando algumas ideias, e acabamos fazendo o disco com uma unidade fechada. Desde que surgiu a ideia de fazer um EP, já trabalhamos com um caminho do que gostaríamos de fazer. Pra mim, cada letra funciona como um diário de alguma forma, então é uma transferência de sentimentos guardados que eu quis colocar neste material. É um disco sobre invisibilidade, solidão e mágoa, sentimentos que muitas pessoas sofrem por aí, principalmente as negras e negros. Um acúmulo de mágoa fodido. No meio tempo em que estávamos iniciando as gravações, um amigo nosso, o Luciano Feijão, artista fodido, estava fazendo uma exposição no Museu Capixaba do Negro. Quando vi as ilustrações e comecei a reler as letras, enxerguei uma ligação forte entre as duas pontas. Conversamos e ele liberou pra gente usar duas obras. Pra mim, a capa descreve o disco.
Sounds: Quais os discos que você mais ouviu durante as composições das músicas que entraram em Rancor?
Thiago: Muita coisa, mas nada especifico para compor o disco.
Sounds: Grandes crises, revoltas ou descontentamentos já geraram importantes movimentos musicais. O thrash metal da era Ronald Reagan, o punk/hardcore de Washington DC do início da década de 80 e as bandas alternativas da década de 90 que, na contramão das firulas do metal, trouxeram de volta a simplicidade do barulho e das melodias em poucos acordes. Você não acha que falta um pouco dessa força de manifestação no Brasil? Falamos isso porque vivemos uma época em que temos ingredientes de sobra para nos inspirar e combater. Você acredita que algo positivo vai brotar dessa fase conturbada em que estamos vivendo?
Thiago: Sobre a força de manifestação no Brasil, eu não acredito que falta. Acredito que talvez não tenha um foco e por isso não ganhe grande visibilidade como esses movimentos que vocês citaram. Acho que algo positivo pode brotar dessa fase conturbada. Hoje, por exemplo, alguns assuntos como feminismo e identidade de gênero são mais colocados em pauta do que nos anos passados. Hoje os artistas estão colocando pautas mais avançadas em discussão e isso serve de inspiração para muitas pessoas.
Sounds: Você acredita que a sua música tenha força para mudar quem pensa diferente de você? Porque hoje, no Facebook e em outras mídias, nós acabamos falando para os nossos e, com isso, não levamos nossas ideias até quem pensa diferente. É quase que um debate de mão única. E se a música tem o papel provocar, como você acha que isso pode ser feito para que realmente haja um aprendizado e para que a música faça a diferença?
Thiago: Não sei se alguém que pense totalmente diferente iria mudar por conta da nossa mensagem. Acredito que funciona ao contrário, é uma mensagem para pessoas que já estão em nosso campo ideológico e que podem se inspirar naquele momento. Música serve como inspiração e combustível. Só a música muda muito pouco. É preciso um trabalho maior, mas música é sim um dos agentes de mudança.
Sounds: Desde o disco Quando A Esperança Desaba que vocês não lançam nada só com as músicas de vocês, certo? Claro, saíram alguns splits como o com o Violator e o TEST, mas o EP é uma volta ao formato só com músicas do D.E.R. Era a hora certa? Como você está se sentindo em relação ao resultado desse novo registro?
Thiago: Foi a hora certa sim. Fazer este EP foi uma manobra corajosa nossa porque nos obrigou a pensar simples, no sentido de fazer poucas músicas, uma gravação mais em conta financeiramente e a colocar algo rápido na rua. Acho que, pra gente, neste momento, o EP mostrou que podemos soltar mais materiais sem ter que ficar cozinhando muito para acontecer. Nesse meio tempo gravamos também um split com o Aberrant (EUA) e os tributos ao Ratos de Porão e ao SUB.
Sounds: Pergunta inevitável, já que nós somos do time dos LPs. Tem previsão de lançamento de Rancor em vinil? Quais serão os outros formatos?
Thiago: Saiu na semana passada nos EUA pelo selo Nerve Altar, que já lançou o Quando a Esperança Desaba e o split com o TEST, o Otomanos. Para este material temos o disco nas cores preto e branco e a arte é feita em silk screen. Pelas fotos, ficaram lindos e não vejo a hora de pegar. Saiu em fita K7 na Inglaterra, via Grindfather Productions. Umas tapes coloridas fodas. Também saiu em CD aqui no Brasil via Cospe Fogo Gravações, que é o meu selo, e também via 255Recs e Fuck it All, de Santa Catarina.
Sounds: Vocês começaram a tocar em 97, certo? Lá atrás, há 20 anos, o que você sonhava conquistar pessoal e musicalmente com o D.E.R.? E analisando hoje, quais desses sonhos se tornaram realidade?
Thiago: Nem sei se era um sonho, mas consegui sair de uma bolha social que estava certamente destinada pra mim. Com a banda e o punk, consegui sair disso e conheci muitos lugares e gente maravilhosa. Sem isso, talvez teria um outro destino. Pra banda acho que já fizemos muitas coisas. Não temos um ritmo “profissional”, mas temos um ritmo de que gostamos e que conseguimos fazer. Fora que temos amigos fodas que nos ajudam nas ideias malucas que tivemos no meio do caminho ou ainda temos.
Sounds: Daqui pra frente, quais são os próximos passos da banda? Novos planos para gravações, turnês…
Thiago: Temos planos de voltar para a Europa e tentar ir para os EUA, além de fazer algo pelo Norte e Nordeste. Temos alguns rascunhos de novas músicas e outras ideias que só precisamos nos organizar para tirar tudo do papel.