A terceira edição da nossa seção Disco a Disco vem com gosto de nostalgia. Nesta seção a gente faz uma linha do tempo na carreira dos músicos que a gente admira por meio dos discos que a banda ouvia durante a gravação de cada álbum. Cada descoberta soa como uma revelação, e dá pra ter uma ideia da evolução das bandas a partir de seus gostos pessoais.
Desta vez, quem embarcou com a gente nessa foi o Matt Pryor, vocalista e guitarrista do The Get Up Kids. Não é a primeira entrevista dele pra gente – você pode conferir a primeira aqui – mas desta vez ele foi passando as tretas e expectativas em torno de cada disco. Descobrir, por exemplo, que eles ouviam bastante o Clarity (1999), do Jimmy Eat World – um dos nossos discos preferidos – foi um barato.
Aqui no Sounds Like Us o Get Up Kids tem espaço cravado: é daquelas bandas que fomentam a descoberta de toda a discografia, a leitura dos encartes, os anúncios de novas músicas, qualquer curiosidade que der para encontrar em alguma entrevista ou site gringos. Quando surgiram, em 1995, a internet ainda era para pouquíssimos no Brasil e qualquer busca por sua banda favorita se tornava uma caça ao tesouro. Acompanhá-los demandava o esforço de correr atrás, a dedicação de perceber que era preciso insistir para conseguir informações e a solidariedade dos amigos para ter acesso a discos e clipes.
Entre 1995 e 2017, o Get Up Kids saiu do interior rural de Kansas City para circular seus cinco discos mundo afora, criou refrãos melódicos e cheios de combustão influenciados por bandas como Superchunk e Weezer, ajudou a escrever o verbete do emo na música (ainda que a banda não se sinta confortável com o rótulo), experimentou novas sonoridades, viajou ostensivamente e, quando o convívio ficou complicado demais, se dissolveu. “A banda nem deveria ter acabado. Mas éramos jovens e não sabíamos como lidar com isso”, reconhece Matt durante a entrevista. E o melhor deste reconhecimento é saber que eles estão compondo e já já teremos um novo disco.
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Depois de uma espera de pouco mais de 20 anos, enfim os fãs brasileiros poderão gritar, a plenos pulmões, o refrão de “Holiday”. Três shows em três cidades diferentes em setembro (São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre) são a realidade, e a expectativa é grande inclusive entre quem vai ficar em cima do palco.
Quando você espera quase duas décadas para ver uma de suas bandas favoritas finalmente tocar em seu país, você preenche todo esse tempo com muita especulação e expectativa, mas nessa ótima conversa a gente pode aliviar um pouco essa ansiedade e preparar o espírito para essa aguardada visita.
Sounds Like Us: Vamos começar pelo primeiro disco de fato, o Four Minute Mile (1997). Foram dois anos entre a formação da banda e o primeiro disco, não foram?
Matt Pryor: Hm, um ano e meio, pois a gente começou no outono de 1995 e gravou o disco na primavera de 1997. Naquela época, a gente estava ouvindo bastante os dois primeiros discos do Weezer [Blue Album e Pinkerton], uma banda de Kansas City chamada Boy’s Life, que foi uma grande influência pra gente, assim como o Jimmy Eat World do começo. Também tinha duas bandas de Kansas chamadas Kill Creek e Vitreous Humour de que gostávamos muito. Então a gente andava ouvindo muitas das bandas locais.
Sounds: O que vocês ouviam durante as turnês?
Matt: Bom, eu estava ouvindo bastante o Tom Waits, e os caras da banda até me zoavam por causa disso. Na nossa primeira turnê, nós ouvimos coisas pop do fim do anos 90, como The Wallflowers ou qualquer outra banda que estivesse tocando na rádio. Na medida em que a gente ia saindo para as turnês, ouvíamos na van as bandas com as quais estávamos tocando.
Sounds: Houve alguma descoberta favorita nessas turnês?
Matt: Provavelmente o Braid e o Mineral, que foram duas bandas com as quais dividimos as turnês mas que na época ainda não éramos tão familiarizados. Ficamos amigos e fizemos vários shows juntos.
“Toda música tinha uma explosão emo e guitarras oitavadas, com letras sobre amor, e a gente começou a pensar ‘tá, fizemos isso com todo nosso potencial, mas vamos ver do que mais somos capazes’. Então a gente quis tentar algo diferente.”
Sounds: E quais discos vocês andavam ouvindo durante a composição do Something to Write Home About (1999)?
Matt: Hm, deixa eu pensar… a gente estava ouvindo o Summerteeth, do Wilco, e o The Colour and the Shape, do Foo Fighters.
Sounds: The Colour and the Shape é um disco maravilhoso, né?
Matt: É, ele é bem bom, e acho que é por causa dele que temos tantas guitarras altas no Something to Write Home About. Além disso, na época eu ouvia bastante o Afghan Whigs.
Sounds: Curtiu o último disco deles, o In Spades?
Matt: Gostei bastante. Inclusive, vou vê-los em outubro.
Sounds: A morte do Dave Rosser [guitarrista do Afghan Whigs morto esse ano] foi bem triste. Queríamos ter visto outro show deles.
Matt: Minha mulher e eu fomos a New Orleans para o show beneficente que fizeram para ele. Tocaram o Black Love do começo ao fim. Foi maravilhoso.
Sounds: Um monte de gente diz que o Something to Write Home About é o disco que define o som do Get Up Kids, mas a gente discorda porque é difícil pensar que apenas um disco represente a sonoridade de vocês. Talvez pela associação da palavra emo, e pelo sucesso que esse disco fez.
Matt: Acho que esse disco define um tipo de som da banda, mas há outros tipos.
Sounds: E quando vocês estavam gravando o Something to Write Home About, tinha alguma coisa que vocês estavam ouvindo ou lendo que estabeleceu uma diferença entre o que vocês tinham feito no Four Minute Mile e o que queriam atingir no STWHA?
Matt: Não acho que tenha havido algo realmente drástico. Acho que ficamos melhores nas composições e nos permitimos mais tempo no estúdio para fazer o disco soar da maneira como queríamos. Por exemplo, o Four Minute Mile é ótimo por ser bem cru, justamente por ter sido todo gravado em apenas dois dias. Mas pudemos gravar o STWHA em seis semanas, então pudemos ser bem exigentes e garantir que iria soar como queríamos. Acho que essa é a grande diferença.
Sounds: Tem alguma coisa que você mudaria na gravação do Four Minute Mile?
Matt: Ah, eu cantaria melhor.
Sounds: Sério? Nem precisa [risos].
Matt: É. Mas parece que sou a única pessoa que não gosta dos meus vocais daquele disco, então, nem vou mexer nisso.
Sounds: A gente leu que a Mojo [gravadora] queria que vocês regravassem a “Don’t Hate Me”, o que é meio absurdo, pois a música é crua e angustiada. Não ficaria legal [risos].
Matt: [respondendo rindo] Bem, eu concordo e discordo disso. Acho que os vocais são terríveis.
Sounds: E por que vocês escolheram o Bob Weston [Shellac/Mission of Burma] para produzir o Four Minute Mile?
Matt: Somos fãs do Shellac e ele tinha gravado um disco da Boy’s Life chamado Departures and Landfalls, do qual gostamos bastante. A banda disse que ele foi ótimo durante a produção. Ele também tinha trabalhado com outros amigos nossos daqui do Kansas, da banda The Regrets, e eles também tinham coisas muito positivas para falar dele.
“Sempre digo que não precisamos mais ensaiar a ‘Action & Action’. Podemos ficar 20 anos sem ensaiá-la e simplesmente voltar a tocar um dia porque a tocamos tantas vezes! Mas sempre vamos apresentá-la nos shows porque quem está no público não está de saco cheio dela como nós estamos.”
Sounds: A gente gosta muito de uma das primeiras bandas dele, o Volcano Suns, em que ele tocava com o Petter Prescott, do Mission of Burma.
Matt: Nunca ouvi essa banda, mas aposto que é ótima.
Sounds: O Eudora viria na sequência da nossa entrevista, mas é uma compilação de covers, B-sides e raridades. Mas de certa forma os covers nos dão uma pista do que vocês curtem, certo? Como David Bowie, Pixies, Replacements…
Matt: Sim, a gente fazia covers sempre que alguém nos pedia para alguma compilação. Mas talvez o cover do Mötley Crüe seja meio besta.
Sounds: Por quê?
Matt: Ah, eu gosto mas, você sabe, é meio “entorpecente”.
Sounds: É engraçado [risos].
Matt: Bem, isso não é exatamente o que procuramos com nossa música [risos]. É meio engraçado. O primeiro disco do Mötley Crüe [Too Fast for Love] é um dos meus álbuns favoritos de todos os tempos. É tão bom. E foi gravado de um jeito bem precário também.
Sounds: Eles vieram pra cá uns 2 anos atrás, talvez, pra tocar no Rock in Rio. O Vince mal conseguiu cantar. Foi bem ruim.
Matt: É, ele manda bem mal [gargalha].
Sounds: E quanto ao que vocês estavam ouvindo durante o On a Wire? Foi nessa época que os críticos destacaram a mudança de som de vocês. A gente imagina que vocês estavam ouvindo e sendo afetados por outras coisas, além de querer mudar um pouco. Foi isso?
Matt: Sim, a gente está sempre ouvindo bastante coisa, mas essa mudança foi muito menos pelo que a gente estava escutando e mais pelo fato de que estávamos começando a achar que o que fazíamos estava chato. Tipo, toda música tinha uma explosão emo e guitarras oitavadas, com letras sobre amor, e a gente começou a pensar “tá, fizemos isso com todo nosso potencial, mas vamos ver do que mais somos capazes”. Então a gente quis tentar algo diferente.
Sounds: A gente adora a “Campfire Kansas”. Vocês soam mais bucólicos nesse disco.
Matt: Bem, é um pouco por conta da nossa origem.
Sounds: Ficaram satisfeitos com o On a Wire? Você tem boas memórias deste disco?
Matt: Na época todos nós ficamos muito orgulhosos do disco. Hoje fica claro pra gente, mas na época era difícil prever que, comercialmente, podíamos ter feito uma transição menos dramática. Mas, sabe, era pra ser assim. Só que olhando pra trás, não acho que todo o álbum seja incrível, mas músicas como “Overdue”, “Campfire Kansas” e “Walking on a Wire” são algumas das melhores. Acho elas realmente ótimas.
Sounds: A gente concorda, são ótimas mesmo.
Matt: Não posso dizer que amo esse álbum inteiro, mas acaba que eu não digo isso de nenhum disco mesmo [risos].
Sounds: Mas você tem um favorito?
Matt: Hm, até você ouvir as músicas que estamos compondo para o próximo disco, o meu favorito do Get Up Kids é o Guilt Show.
Sounds: E o que vocês estavam ouvindo na época dele?
Matt: Bom, no Guilt Show a gente não estava se falando muito…
“Se tem algo que podemos dizer que nos influencia é, provavelmente, a banda de rock que éramos nos dois primeiros discos, mas tentando ser uma versão adulta desta banda, entende?”
Sounds: Foi logo antes de a banda acabar, não foi?
Matt: Isso. A gente queria fazer um disco de rock mais barulhento depois de o On a Wire ser tão calmo. Mas não queríamos algo emo punk rock. Acho que é uma boa mistura dos dois, sendo na verdade um disco de rock que também é punk rock ao mesmo tempo. Faz sentido? Nem sei. Tem algumas partes dele que soam bem rock’n roll, e outras mais punk rock, além de umas coisas estranhas que acabaram ficando mais pro fim do disco. Mas eu fiquei muito orgulhoso desse álbum, meio que pensando “tá, se a gente vai acabar como banda, essa é uma boa despedida”.
Sounds: Então foi um disco que você já considerava como despedida?
Matt: Não necessariamente, mas quando chegou naquele ponto de saber que a banda ia acabar, fiquei ok com isso. Mas não foi algo planejado.
Sounds: Quando vocês estavam separados e pensando em reunir a banda, teve algum momento ou música que serviu para você como “isso que fizemos juntos foi tão bom, quero estar com eles de novo”? Aconteceu algo ou estamos romantizando o retorno do Get Up Kids?
Matt: Não foi um disco, mas sim o fato de que a banda nem deveria ter acabado, pra começo de conversa. Estávamos viajando e gravando sem parar por 10 anos, então deveríamos ter tirado uma folga de 2 anos uns dos outros. Mas éramos jovens e não sabíamos como fazer isso. Então, não foi um motivo musical que nos levou a pensar “deveríamos tentar isso de novo”. Foi mais o fato de nos vermos e nos darmos bem, enquanto que antes estávamos brigando o tempo todo. Tivemos o espaço necessário entre nós e chegamos à conclusão de que estávamos preparados para nos reunir.
Sounds: Ao mesmo tempo, as pessoas sempre perguntavam quando o Get Up Kids ia voltar. Elas (a gente também) sentiram falta de todas aquelas músicas. E quanto a você? Sentiu falta de tocá-las?
Matt: Certamente. Mas não acho que sinta falta delas do mesmo jeito que você mencionou. Senti falta de tocar com meus amigos. Não precisei ouvir de novo várias das canções que tocamos juntos, mas gostei de tocá-las para as pessoas e ver como elas reagiam. É como se eu fosse excluído dessa relação, sabe? Sempre digo que não precisamos mais ensaiar a “Action & Action”. Podemos ficar 20 anos sem ensaiá-la e simplesmente voltar a tocar um dia porque a tocamos tantas vezes! Mas sempre vamos apresentá-la nos shows porque quem está no público não está de saco cheio dela como nós estamos. Ela tem significado para essas pessoas e elas reagem a esse sentimento, a ponto de você não fazer isso por você, mas sim por causa dessa conexão com o público. E esse é um sentimento completamente diferente de quando você compõe, grava uma música e ela é completamente nova para você, que tem uma conexão com ela. Não sei, espero que isso que eu esteja falando faça sentido.
Sounds: Sim, faz muito sentido. Você vai tocar essas músicas para uma plateia completamente inédita que está esperando por esse momento há 20 anos. Vai ser uma baita experiência para todos os envolvidos.
Matt: É essa minha expectativa. Nós daremos o melhor de nós, tocaremos com tudo.
Sounds: E quanto ao que estavam ouvindo no There Are Rules?
Matt: Todos nós estávamos ouvindo coisas diferentes, mas assim como no On a Wire, era uma época em que não queríamos fazer os mesmos discos de novo. Não vamos reunir a banda para fazer algo previsível; a ideia é fazer algo interessante. De novo, pensando no que agora é óbvio, mas na época não, talvez a gente tenha ido um pouco longe com essa ideia de fazer algo diferente, mas tem algumas músicas boas no There Are Rules. Acho que o fato de soar diferente não é tanto pelo que estávamos ouvindo, mas sim por querermos experimentar coisas como “ah, vamos ver como esses teclados vão soar aqui”.
Sounds: Às vezes parece que as pessoas ficam muito apegadas ao passado e esperam que suas bandas favoritas sejam os mesmos adolescentes, sendo que agora vocês têm filhos, outras responsabilidades.
Matt: É, penso nisso como uma evolução. Acho triste uma pessoa fingir ser a mesma de quando tinha 21 anos. Se você tenta fazer isso na vida real, fica simplesmente patético, sabe?
Sounds: E o que vocês andam ouvindo enquanto compõem as novas músicas?
Matt: Agora, em vez de estarmos em uma mesma van ouvindo as mesmas coisas, cada um está ouvindo uma coisa diferente. Se tem algo que podemos dizer que nos influencia é, provavelmente, a banda de rock que éramos nos dois primeiros discos, mas tentando ser uma versão adulta desta banda, entende? Tipo, não estou tentando escrever letras sobre como sinto saudade da minha namorada porque agora somos casados por 17 anos! [risos] Nós estamos um pouco diferentes.
Sounds: Você está feliz agora.
Matt: Sim, completamente. O que estou tentando dizer é que estou tentando fazer um disco de como o cara que escreveu o Something to Write Home About soaria hoje. Isso parece simples, mas na verdade é muito mais complicado que isso [risos].
Sounds: É como se os problemas de antes não fossem nada comparados com os de hoje?
Matt: Bem, na verdade, só são diferentes. É como ter filhos: não é que a vida fica mais fácil ou mais difícil; simplesmente são problemas diferentes.
Sounds: Valeu demais, Matt! Quer falar mais alguma coisa?
Matt: Estou bastante empolgado para os shows aí, mas nervoso também. Vai ser nossa primeira vez e acho que vai ser excelente!