Walter Schreifels é uma espécie de centro agregador da Nova York roqueira. A primeira convergência para este centro foi com o Gorilla Biscuits, no fim da desiludida década de 80; na mesma época, o Youth of Today mantinha a turma do hardcore atraída. Nos anos 90, a despeito das expectativas nirvanescas depositadas sobre todas as bandas de garagem, o Quicksand entortava as noções de peso e de melodia à sua maneira. E ali pelo começo de 2000, pós-bug do milênio que não existiu, foi a vez de o Rival Schools angariar fãs com uma solução ainda mais melódica. Onde estava Walter nesses anos? Construindo este legado diversificado que acabamos de mencionar – e cujas autoimpressões você pode conferir nesta primeira entrevista nossa com ele, em 2015.
O mais notável nele é sua capacidade de usar o passado como mola propulsora para o novo, fazendo emergir a criatividade onde poderia simplesmente existir nostalgia. O Quicksand, capitaneado por ele, Sergio Vega (baixo) e Alan Cage (bateria), retornou em 2017, após mais de 10 anos de término, e a saudade não bastou como inspiração. Foi preciso criar o novo, o inexistente. Tanto que Interiors, o disco da volta, não se parece com os álbuns anteriores. Tem uma marca própria.
O que faz com que uma banda tão experiente, tão posicionada em sua própria cena, consiga desdobrar suas influências em algo com sua cara? Esta e outras dúvidas nos faziam pensar nos discos que eles deveriam ouvir, nas influências processadas. Então, convidamos Walter para nossa seção Disco a Disco, onde investigamos os álbuns que as bandas estavam ouvindo durante a gravação de cada um de seus registros. As respostas são inusitadas e trazem também uma linha evolutiva da carreira de Walter, onde o amadurecimento ressignifica o passado com muita generosidade, e também projeta um futuro cheio de potência e frescor.
Sounds Like Us: Oi, Walter! Como estão as expectativas da banda para essa primeira vinda ao Brasil?
Walter Schreifels: Estou muito ansioso pra tocar no Brasil. O fato de os shows serem em São Paulo [dia 2 de junho] e no Rio de Janeiro [3 de junho] já é uma conquista. Não vejo a hora de conhecer nossos fãs brasileiros.
Sounds: Como foi o processo de volta do Quicksand? Era algo de que você vinha sentindo falta?
Walter: Nós tocamos em uma festa de aniversário da Revelation Records, a gravadora que soltou nosso primeiro EP [Quicksand, de 1990]. Aquela breve performance foi tão legal que quisemos tocar mais. Depois de uma turnê tocando as músicas antigas, queríamos compor coisas novas, que é o que nos leva ao Brasil. Então, mesmo necessariamente que eu não estivesse sentindo falta da banda, estou muito feliz de termos voltado e de o Quicksand estar produzindo novamente.
Sounds: Nesta nossa série Disco a Disco, a gente gostaria de falar sobre o que vocês estavam ouvindo durante o tempo de composição e gravação de cada disco. Você consegue lembrar quais eram os discos que você estava ouvindo na época do primeiro EP do Quicksand?
Walter: Lembro de gostarmos muito de Jane’s Addiction, Fugazi, Slayer, Public Enemy e das bandas da Sub Pop. O hardcore ainda era uma grande influência também, com o Bl’ast, por exemplo.
Sounds: O termo post-hardcore já foi colocado em vocês desde o início. Pra gente o Quicksand sempre foi mais amplo que isso. Você se sente confortável com esse termo?
Walter: Era uma maneira de os jornalistas descreverem as bandas que vinham do hardcore, mas com um som novo. Quando post-hardcore quer dizer bandas como o Fugazi, por exemplo, não me importo. Caso contrário, é um nome reducionistas para um gênero que é muito diversificado. Mas pelo menos é melhor que emo.
Sounds: E quando vocês foram gravar o Slip, o que você lembra de estar ouvindo naquele momento?
Walter: Estávamos ouvindo mais shoegaze, como My Bloody Valentine, Lush, Ride e qualquer coisa da 4AD ou da Creation Records. O Fugazi ainda era uma influência e o Helmet ainda estava na nossa cabeça.
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Sounds: Em 1993, havia um certo espírito de caça ao próximo Nirvana, com as gravadoras olhando para as bandas de garagem e a música independente passando a ter mais visibilidade. Isso chegou a afetar vocês de alguma maneira?
Walter: Sim, fomos afetados por isso. Toda banda com guitarra tinha essa pressão de ser o próximo Nirvana – algumas mais do que outras. Eu não tinha problemas com isso, pois éramos um tipo diferente de banda. Nunca atingimos o status de “o próximo Nirvana“, mas possivelmente estávamos perto de ser “o próximo Helmet”, o que era um objetivo mais modesto.
Sounds: Muitas bandas do metal alternativo citam o Quicksand como uma referência muito importante. O que você acha que liga vocês ao metal?
Walter: O fato de ter vindo da cena hardcore nos deu um certo nível de agressividade que de certa forma foi abraçada pelos metaleiros. Nossas músicas eram tocadas em rádios voltadas para o metal. E no começo dos shows, quem apareciam eram os fãs de metal. Fico feliz com este legado.
Sounds: Naquela época, que bandas você acha que estavam traçando um caminho sonoro similar ao de vocês?
Walter: Talvez o Helmet, o Rage Against the Machine, o Jawbox, o Girls Against Boys, o Fugazi e o Sunny Day Real Estate.
Sounds: Qual a sua relação com o Manic Compression? O que você consegue se lembrar sobre a gravação e a composição desse disco?
Walter: Foi um disco difícil, mas composto rapidamente, até. Tínhamos feito tantas turnês com o Slip que me lembro de estarmos meio desgastados uns com os outros. Mas ainda acho que este disco tem algumas das nossas melhores músicas.
Sounds: Consegue lembrar o que você mais ouvia nessa fase?
Walter: As bandas que curtíamos eram meio que unanimidade entre a gente. Daisy Chainsaw foi uma grande influência. Eu era um fã do Pantera, mas acho que era o único.
Sounds: Vimos vocês no Teragram Ballroom, em Los Angeles, no ano passado, e foi um set list bem equilibrado. A gente tinha muita expectativa de ouvir “Landmine Spring” e “Freezing Process”. Confessamos que nesses momentos não conseguimos conter a emoção. Qual sua relação com estas músicas?
Walter: Elas são mais lentas, praticamente baladas pra gente. As letras e as levadas têm um sentimento de desespero misturado com alegria, o que condiz com o Quicksand. Eu amo estas duas músicas. Ambas têm valor similar pra mim.
Sounds: O show de reunião da Revelation Records despertou em vocês a vontade de produzir coisas novas?
Walter: Não no começo. Compor músicas novas é complicado porque os fãs em geral não gostam que baguncem o legados das bandas deles. Tivemos que nos reapropriar da banda fazendo shows e reinterpretando as músicas velhas antes que pudéssemos fazer músicas novas. Queríamos fazer algo excelente e isso requer tempo e paixão.
Sounds: E o que estavam ouvindo na época da gravação do Interiors?
Walter: Nossa maior influência foi o próprio Quicksand. Tínhamos tocado nossas músicas na turnê e redescobrimos o que amávamos em cada uma delas. Depois disso, simplesmente confiamos no nosso próprio caminho, sem tentar seguir uma influência ou outra.
Sounds: Da outra vez que conversamos, você disse algo muito interessante: no Quicksand você queria confessar. Este sentimento ainda permanece com a volta da banda? É uma continuação desse sentimento ou algo mudou em você quando compôs as músicas desse disco?
Walter: Sinto que sou velho e maduro o suficiente para valorizar o presente que é o Quicksand. É um privilégio ter a chance de tocar músicas nossas e viajar pelo mundo com amigos que também são músicos que admiro e respeito. Acho que o Quicksand, pra mim, é gratidão.
Sounds: Entre o Manic Compression e o Interiors passou algum tempo. Nesse período, que tipo de música ou bandas que vocês passaram a ouvir e que de alguma maneira foram refletidas nesse disco?
Walter: É uma lista tão longa, de bandas e experiências que resultaram no Interiors. Acho que simplesmente nos encontramos e demos tudo de nós. Como disse antes, acho que fomos nossa maior influência.
Sounds: As músicas de Interiors foram compostas ao longo do tempo recentes ou foram acumuladas ao longo do tempo, como no caso do Found, do Rival Schools?
Walter: Todas foram compostas no mesmo ano de gravação do disco [2017]. Muitas delas eram jams gravadas em passagens de som. Era importante pra gente sermos contemporâneos. Não queríamos voltar com demos de 20 anos atrás.
Sounds: É engraçado porque Interiors é um disco que ganhou muita força com o passar do tempo. O que você diria que mais te influenciou, musical e pessoalmente, na composição desse disco?
Walter: A experiência de nos reconectar como músicos e nos aproximar como amigos foi nosso guia nesta gravação. É minha parte favorita. Gosto de quem nos tornamos.
Sounds: Nos dois primeiros discos seu vocal era mais expurgado e direto. Já no Interiors é um vocal que soa mais limpo, cantado e nos lembra as métricas das músicas do Rival Schools. De fato houve essa mudança ou foi uma impressão nossa, porque a gente imagina que ao longo do tempo você foi agregando elementos com sua experiência.
Walter: Nos primeiros discos do Quicksand eu estava no máximo de força e energia em cada música. Mas este é um ritmo exaustivo e limitador de manter. Ao longo do tempo, aprendi que é possível fazer mais com menos. Desta forma, quando recorro a este vocal expurgado, sinto que é mais autêntico, afetivo e captura mais de perto meus sentimentos.
Sounds: Quando você fez aquele show solo no estúdio Rock Together, percebemos o quanto você parece feliz homenageando músicas e bandas de que você gosta. A gente pode esperar algum cover surpresa pro set list do Brasil?
Walter: Hmm, temos muitas músicas nossas para tocar, mas quem sabe?
Sounds: Ainda sobre o show de Los Angeles, pudemos vê-los como um quarteto. Como tem sido sem o Tom Capone? Que tipo de mudança você tem sentido como banda?
Walter: Tem aspectos que o Tom trouxe para a banda que são únicos. Mas, como um trio, sinto que cruzamos muitos territórios novos que não seriam possíveis se não fosse esta situação, especialmente quanto à nossa habilidade em improvisar e mudar dinâmicas. Nós três somos muito apegados uns aos outros (fomos nós três que gravamos o Interiors) e nunca me diverti tanto com a banda como agora. Não vejo a hora de tocar no Brasil.