Incômodo, desconfortável e reflexo de alguma forma de angústia que não se nomeia facilmente. Angústia que mora em um campo minado por um amargor que você tem a impressão de poder tocar.
O Battle of Mice é uma dessas explosões maravilhosas que ocorrem no universo. Lindas de ver, instigantes e que logo desaparecem. Tem o vigor das grandes bandas que vivem o tempo necessário para registrar sentimentos que, se guardados, iriam fazer um estrago irreversível. O Battle of Mice já nasceu reconhecendo a sua finitude e aí mora a beleza. Como se para permanecer viva, a banda entendesse que precisava implodir.
A Day of Nights é à flor da pele e nos emociona até hoje. Traz dor, arrepio, e um veracidade escancarada. Permanece sendo um disco lindo. Em sua profundidade, idealização, composição e desfecho. Uma história com começo, meio e fim.
Josh Graham é um dos principais responsáveis por esse grande disco. Ele já passou pelo Neurosis, Red Sparowes, A Storm of Light e o IIVII. Josh é também um reconhecido artista visual e você com certeza já deve ter visto seu trabalho em algum pôster de filme e capas de discos. Junto com ele, Julie Christmas (Made Out Of Babies), Joe Tomino (Dub Trio/Peeping Tom), Joel Hamilton (Book of Knots) e Tony Maimone (Pere Ubu/Book of Knots) deram vida a um dos melhores discos lançados depois dos anos 2000.
A Day of Nights tem como drive a relação conturbada entre Josh e Julie. Nesse caso, liricamente, é forte, intenso e rancoroso. Em celebração aos seus dez anos, em 2017 o álbum ganhou uma edição em vinil lindona. A gente, claro, ficou muito feliz com a notícia. Por esse e outros motivos, fomos conversar com Josh, que se mostrou extremamente atencioso e reforçou a ideia de que, algumas vezes, é gratificante conhecer um pouco mais a fundo os artistas que gente admira.
Sounds Like Us: Oi Josh! Pra começar, que grande notícia esse relançamento do A Day of Nights em LP. Em uma conversa rápida com o Joe Tomino aqui no Brasil, perguntamos pra ele se havia sido lançada alguma cópia do A Day of Nights em vinil e ele disse que não. Então confessamos que a ideia de lançá-lo nesse formato deixou a gente bem feliz. Como é sua relação com discos de vinil e de onde veio a ideia de lança-lo nesse formato?
Josh Graham: Eu amo vinil e gostaria de ter muito mais, haha. Era para o A Day Night of Nights ter sido lançado em vinil, mas os discos test press [prensagem teste] foram destruídos no correio. Quando soubemos disso a banda tinha acabado de terminar, então a gente decidiu desistir do vinil. Ao longo dos anos as pessoas me perguntavam sobre um possível lançamento neste formato, então achei que o aniversário de dez anos do disco seria um bom momento para lançá-lo em vinil, além de juntá-lo às duas músicas do split com o Jesu. Assim os fãs podem ter todo o catálogo da banda em um só vinil.
Sounds: Você também emprestando seu talento ao design de capas de discos e vimos que a arte visual desse lançamento é diferente da original. As duas são criações suas? Pra quem também trabalha com esse tipo de arte deve ser uma alegria ver sua obra em um formato maior, né?
Josh: Muito obrigado! Eu fiz as duas capas e me senti importante ao criar algo novo para os fãs da banda neste relançamento. Considerando que o lançamento consiste em mais do que apenas o A Day of Nights, também percebemos que era uma coleção única, nunca lançada, o que fez a nova capa parecer ainda mais importante.
Sounds: Você consegue se lembrar do primeiro disco que você comprou em vinil?
Josh: Depois que um amigo dos meus pais me deu uma coleção dos discos do Black Flag, o primeiro LP que comprei foi o Pornography, do The Cure. Eu sempre fui um pouco esquizofrênico no meu gosto por música.
Sounds: O Battle of Mice foi formado em 2005, certo? Qual era a sua ideia e o que você queria alcançar com a banda?
Josh: Sim, em 2005 mesmo. Começou como um projeto paralelo enquanto eu estava namorando com a Julie e não havia muitas expectativas além de eu querer fazer algo pesado e mais influenciado pelo Joy Division. Ao longo de cerca de um ano escrevi duas ou três músicas e voei de Los Angeles para Nova York para gravá-las no estúdio de Joel, e o disco acabou que surgiu naturalmente naquela época.
Sounds: Buscando um pouco no seu passado, quanto da sua experiência com outras bandas você trouxe para o Battle of Mice?
Josh: Eu cresci tocando em bandas mais pesadas e o Red Sparowes era uma nova abordagem para mim. Originalmente, eu e Jeff Caxide começamos o projeto e ele queria fazer algo mais na linha do Mogwai, e especificamente menos pesado do que o ISIS. Então, depois de alguns anos de música instrumental, eu realmente queria voltar para um lance mais pesado. Depois que o Battle Of Mice se separou, comecei o A Storm of Light, e desde então retornei a alguns elementos do ambient com o IIVII. Sempre esquizofrênico, hahaha.
Sounds: A primeira vez que ouvimos o Battle of Mice, nos deu a impressão de ser um espécie de organismo denso que vivia em uma caverna tão profunda quanto a do Neurosis e com uma vocalista que soava como a Bjork só que com algumas histórias mais pesadas para contar. Mas isso ainda é pouco, porque vocês conseguiram criar uma assinatura. No início vocês tinham algumas referências de por qual caminho queriam ir ou a música foi surgindo de forma natural? Como era o processo de composição de vocês?
Josh: Que incrível, muito obrigado! Olha, o direcionamento definitivamente era ser mais pesado e com umas nuances de Joy Division. A gente queria muitos teclados e guitarras pesadas. O processo de composição foi bastante simples. Eu escrevia as músicas em Los Angeles, compondo todas as camadas de guitarra e teclado para as faixas. Depois disso eu viajava para Nova York, onde Joel importava todos os elementos básicos no Pro Tools. Ele então escrevia as partes de bateria e eu regravava as guitarras. Julie trazia letras e ideias vocais e Joel e eu guiávamos esse processo até que tudo estivesse bem sólido. Então Tony tocava baixo e estávamos terminado. As duas músicas do Split com o Jesu funcionaram da mesma forma, só que o Joe Tomino foi para a bateria e Joel para a guitarra, além de fazer a função de engenheiro de som.
Sounds: Na época do lançamento, como foi a repercussão desse disco por aí? Aqui ele não atingiu um grande número de pessoas, mas as que tiveram contato com ele caíram de amores. E qual a sua relação com esse disco?
Josh: A imprensa foi incrível. A gente conseguiu o segundo lugar entre os melhores discos daquele ano pela Decibel Magazine. Ficamos entre o Blood Mountain, do Mastodon, e o No Heroes, do Converge, o que é totalmente doido e ótimo. Só que infelizmente nós nos separamos e nunca fizemos nem sequer um show.
Sounds: Você consegue se lembrar de qual foi o seu sentimento depois de terminar as gravações de A Day of Night?
Josh: Foi estranho. Fiquei feliz com a música, mas não tão feliz com o drama do relacionamento pessoal ou com o fato de a gente nunca ter tocado ao vivo.
Sounds: E hoje, é um disco que você ainda ouve? Depois desses dez anos de lançamento, como você enxerga ele hoje em dia?
Josh: Eu realmente nunca escutei este disco. Tive que ouvi-lo para a remasterização em vinil e essa foi provavelmente a primeira vez que eu escutei o álbum em nove anos. Ele é cheio de memórias que eu prefiro esquecer, diferentemente da música em si.
Sounds: Existe algo conceitual nesse disco? Há uma relação entre a sequência pensada paras as músicas no disco e o conteúdo das letras? Elas parecem contar uma história em várias partes.
Josh: Essa é uma pergunta para a Julie. Eu realmente não tenho a menor ideia.
Sounds: Existe algo verídico em “At The Base Of The Giant’s Throat”? De onde veio a ideia de usar as gravações de telefone para o 911?
Josh: (RISOS) É realmente tudo falso. Um amigo do Joel entrou no estúdio quando estávamos falando sobre a ideia. Foi tipo: “hey, você quer ser um atendente do 911 ?!”. E ele: “sim.” Aí nós colocamos ele de frente para um microfone enquanto Joel bateu na porta na porta atrás dele e gritou. Foi só na hora de pensar a divulgação do disco (quando eu e Julie já não estávamos juntos) que tive a ideia de usar esta história para a imprensa.
Sounds: E por que a banda terminou? Você acha que Day of Night foi tão intenso que depois dele não haveria mais nada a fazer a não ser terminar a banda mesmo?
Josh: Terminou basicamente por antipatia mútua, ódio ou indiferença entre Julie e eu. Depois de dez anos eu achei que possivelmente essas coisas teriam passado, mas só levou cerca de duas trocas de e-mails para elas voltarem ao mesmo ponto. É comicamente estúpido (risos).
Sounds: A gente acredita que grandes discos sempre fazem com que de tempos em tempos você tenha uma música preferida. Pra gente, primeiro foi “Cave of Spleen”, depois “Bones in the Water”, mas “Sleep and Dream” ainda nos emociona muito. Você tem alguma música preferida do Battle e de outros grandes discos de outras bandas?
Josh: Tenho ficado sem ouvir muitas novidades ultimamente, voltando às músicas mais antigas que eu tinha esquecido ou ignorado. Algumas coisas mais novas que ouvi é o Blackstar, do David Bowie; Abyss, da Chelsea Wolf; o novo e estranho Burning Bright, do Nine Inch Nails. Do Battle of Mice eu realmente não tenho uma música favorita. Eu realmente não escuto o discos, infelizmente.
Sounds: Falando sobre os outros projetos, tem alguma novidade do Hvnter, IIVII e do Storm Of Light vindo por aí? Shows, álbuns novos…
Josh: O IIVII está prestes a lançar um novo disco nos próximos meses. Estou trabalhando em música nova agora. Só não sei se será para o A Storm of Light ou para o Hvnter. Estou tentando resolver isso!
Sounds: Pra terminar, você mudaria algo na sua história dentro do Battle of Mice? O que a banda te trouxe de realização e de coisas que você mudaria?
Josh: (Risos) Essa é uma pergunta difícil. Gostaria que fosse possível lidar com essa banda em algum tipo de bolha que pudesse manter as personalidades à distância. Teria sido bom ver como soaríamos ao vivo, mas infelizmente isso nunca vai acontecer.
Sounds: Josh, muito obrigado pela sua atenção. Nós admiramos seu trabalho com as artes visuais e na música. É muito bom ver que você continua produzindo música de qualidade com o IIVII. Muito obrigado por falar com a gente.
Josh: Muito obrigado pela entrevista. Eu realmente gostei muito!