Interpol: ‘Turn on the Bright Lights’

In Bandas, Discos
VINICIUS CASTRO

O intervalo de duas décadas em relação à presente funciona quase que como um voyeur artístico, talvez. De repente, o objeto do tempo presente passa a ser tão seu que você se enxerga vivendo o tempo passado, no presente.

Nos anos 90 eram latentes as referências ao fim dos anos 70. O ressurgimento do punk rock, por exemplo, foi a tônica. Bandas que se inspiravam no clássico punk 77 surgiam aos montes e arrebentaram de tocar. Assim como as bandas, fãs de música, também se reconhecem em alguma década anterior à sua. Por outro lado, para o bem e para o mal, a imprensa adora esse tipo de “revival”. Por exemplo, mesmo bandas que não soassem punk ou hardcore eram vendidas como tal nos anos 90.

Foto: Divulgação

Chegaram os anos 2000, século 21, nada de bug do milênio, o mundo não era um cenário dos Jetsons e adivinhem só? Duas décadas haviam passado e os anos 80 eram a bola da vez. Foi um tal de salvação do rock pra cá, pra lá, e de repente os Strokes eram os novos Velvet Underground. Franz Ferdinand os novos Talking Heads. O Killers ficava ali entre o The Cure e o New Order. Bravery, We Are Scientists, Rapture e o… Kaiser Chiefes. Para o público as classificações são, por vezes, até saudáveis. Ajudam na hora de indicar uma banda X ou Y ou mesmo na procura por novos nomes.

Nesse sentido o padrão é útil mesmo que uma parte das pessoas lute e relute para escapar dele. Faz parte da rebeldia do rock. Ela, aliás, é um padrão. O rock, nos anos 2000, virou um padrão. Todo mundo fazendo tatuagem e os globais, que antes usavam só camisetas do Ramones, adotaram o Joy Division, Smiths, Depeche Mode e The Cure. Lembram do início desse texto? Então, os 2000 eram os novos 80 (duas décadas de intervalo). Não tinha como evitar, o rock independente acabou se confirmando como um gênero.

Disco
Turn on the Bright Lights (Matador, 2002). Foto: Sounds Like Us

A mídia precisava tanto, mas tanto de um novo ícone, que isso acabou minando a possibilidade de enxergar a qualidade de algumas bandas. Caso do Interpol.

Ainda que pra nós eles estejam mais próximos ao The Chamaleons, o Interpol foi efusivamente vendido como filhotes de Joy Division graças a elegância soturna de Turn on the Bright Lights. Não que fosse mal negócio ser comparado ao Joy Division, e por vezes ao Psychedelic Furs. O que pesava aí era a forma massiva com que isso era repetidamente frisado nos veículos mundo afora. O Interpol era muito mais do que só o novo alguma coisa.

Turn on the Bright Lights foi lançado em 20 de agosto de 2002. Mesmo ano de lançamento do lindo Murray Street, do Sonic Youth. Um ano depois de Is This It?, a estreia bombástica do Strokes.

É um disco cheio de nuances. Melódico, mas denso. Obscuro, mas dançante. Um álbum elegante no seu recorte bem alinhado sob ternos bem cortados. Turn on the Bright Lights tem uma saudável arrogância criativa em suaves gotas, com uma paciência madura pouco encontrada na juventude.

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Paul Banks e Carlos Dengler

Carlos Dengler é o responsável por travar batalhas enfáticas entre o groove e o rock deixando clara sua relação de proximidade com a bateria de Samuel Fogarino. Os dois conversam por entre breques, peso, andamentos funk, quebras de tempo e outros assuntos que só se tem na cozinha. É conversa olho no olho. Enquanto isso, Daniel Kessler passeia livre. Cria ruídos, ambiências repletas de reverb e momentos delicadamente shoegaze e até post-rock. Nessa soma, tudo vira uma imensa tela em branco para que Paul Bakns dê vida a uma atmosfera serena e melancólica. Uma mistura de paixão e apatia de lirismo potente. Em “NYC” ele canta I had seven faces, thought I knew which one to wear / I’m sick of spending each lonely night, training myself not to care.

Já em “Obstacle 1”, com timbre quase sufocado, Banks escreve It’s in the way that she walks / Her heaven is never enough / She puts the weights in my heart / She puts, oh, she puts the weights into my little heart.

O Interpol ainda é daquelas bandas que se preocupam com o que cantam. Existe um cuidado com as palavras, no encaixe das letras. Talvez seja a tal referência de duas décadas anteriores à que eles surgiram. E para uma banda dos anos 2000, era isso. Os anos 80. Talvez o hip-hop, do qual Banks é fã, tenha ajudado em seu modo de escrever.

Turn on the Bright Lights ainda tem o hit “PDA”, uma das queridinhas frequentadoras da pista do Millo Garage (SP). “Obstacle 2”, “NYC” e “Say Hello to the Angels” compõem juntas boa parte da beleza do disco. “Hands Away” faz uma ponte precisa com “Obstacle 2”, onde Banks primeiro diz If you can fix me up we’ll go a long way  para logo em seguida contrabalancear com take my love in real small doses. É incrível!

Entra “Stella Was a Diver and She Was Always Down” que, apesar de um andamento totalmente diferente, tem a mesma pressão de “PDA”. São quase extensões, mesmo que independentes e distantes na ordem do disco.

Adiante você vai chegar em “Roland”, “The New” e “Leif Erikson”. Que desfecho! Nesta última a sonoridade do Interpol chega até a assumir certo conforto com as comparações ao Joy Division onde muito das boas maneiras com que criador e criatura desenvolvem seus temas estão lá, e isso é bom.

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Paul Banks

Completados dez anos de seu lançamento, Turn on the Bright Lights ganhou uma versão comemorativa. Um convite para que os fãs pudessem conhecer mais de perto uma banda ainda no preparo do que viria a ser a gravação de seu primeiro registro.

Depois de um interlúdio, os bônus realmente começam com “Specialist”, uma faixa com jeitão típico de lado B. A versão de “PDA” soa mais despretensiosa e traz um Paul Banks com uma voz aparentemente insegura e um Interpol ainda mais próximo ao pós-punk. Com algumas boas intenções aqui e ali, “Roland” também soa mais ingênua e lenta.

Entre as inéditas, “Get the Girls/Song 5” funciona muito bem e “Precipitate” é uma que poderia ter entrado no disco oficialmente se houvesse espaço para mais uma única faixa. “Song Seven” também é muito boa, assim como as introspectivas “A Time to be so Small” e “Gavilian/Cube”.

Mas não é só isso. Entre as famosas, tem versões demo de “Stella…”, “Obstacle 2”, “Hands Away” e “The New”, que brinca com o shoegaze em uma bela versão, diga-se, além de “NYC”.

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Daniel Kessler e Paul Banks

Dentro de todo o desejo por algo novo, o início do século 21 escancarou algumas portas. Nem todas levavam a lugares interessantes para o tanto de expectativas criadas. Talvez por isso a palavra revival venda tanto, mas se perde na busca por uma eficiência em significar uma sonoridade.

Fato é que, Turn on the Bright Lights é um disco ainda atual. Atemporal, talvez. Um legítimo representante da paixão antes dela se transformar em hábito. Um grande álbum de uma banda com reais traços de uma década onde se reconhece e se entrega a um tempo que passa a ser seu. Tempo de escuridão otimista onde é possível se sentir feliz por estar triste e dançar.

Foto: Divulgação