Entrevista: Jupiterian

In Entrevistas

Fotos: Patricia Montrase


Mantendo a bandeira do doom metal em alta visibilidade, o Jupiterian é uma dessas bandas que trazem o peso e a rispidez para perto. Nascido em 2013, o quarteto paulista segue dando forma a um mundo sustentado pelo peso e pela melancolia.

O Jupiterian tem a capacidade de te levar a diferentes dimensões, mas talvez nenhuma delas sirva de equação exata e classificatória porque eles vão além do doom. A boa nova é que vem disco novo por aí, e para saber um pouco mais sobre esse universo cinzento, falamos com dois dos responsáveis por criar esse ambiente opressor e rarefeito. Bem-vindos ao Jupiterian.

Sounds Like Us: Conta pra gente um pouco da história da banda. Quando foi formada? Tinham alguma pretensão definida sobre como soariam?
Rafael Riberti: Na metade de 2013 eu vi um post do Vakka, que estava procurando um baixista pra uma banda nova, e entrei em contato com ele. Poucos dias depois rolou nosso primeiro ensaio, à época com o Marcelo (O Cúmplice, xEscurox, Eden Below) nos vocais. Depois de alguns testes, vimos que a banda ia mesmo rolar e o Marcelo nos trouxe o Guga, que tocou com ele no Intifada e assumiu a bateria. Fizemos alguns shows com o nome Codex Ivpiter. Desde o início a gente já buscava inspiração em bandas de death-doom e sludge. A idéia era fazer um som lento, grave e pesado. Nessa época, foram compostas as músicas que se transformariam posteriormente no EP Archaic. Por volta de maio de 2014 rolaram algumas mudanças. O Vakka assumiu os vocais e a banda mudou o nome pra Jupiterian, tanto para simplificar a pronúncia, que era sempre incômoda, quanto para representar essa mudança de fase. Concluímos a gravação do EP e, mesmo na época de divulgação, a gente seguiu trabalhando nas músicas novas, que serão lançadas em breve.
Thiago Vakka: Eu já tava afim de fazer doom e sludge há anos, mas não tinha mais guitarra e, pra uma banda assim, eu queria muito poder compor, tocar e gravar. Uma das guitarras do Junera (B’urst!, ex-Black Coffins), estava comigo, encostada em casa da época em que tocávamos juntos. Resolvi puxar a afinação e começar a brincar com uns riffs e timbres em casa. Aí foi isso que o Riberti falou, postei perguntando quem tava afim de fazer o som e começamos a juntar o pessoal. Não dava pra falar que tinha uma ideia definida sobre o que seria o som, mas tinha a premissa de ser pesado, lento e o mais sujo que pudéssemos.

Sounds: No Archaic já deu para identificar que vocês não estavam pra brincadeira. Tem um cuidado com a captação de som ali e timbres bem acabados. Quais eram as referências de vocês para chegar a esse resultado? Vocês mesmos produziram o disco?
Riberti: Sem dúvidas é indispensável manter a boa qualidade do som e trabalhar os timbres para desenvolver bem este tipo de música. Tomamos cuidado com isso e nos inspiramos muito em bandas como Conan, Bongripper, YOB etc. Após a gravação das músicas, elas foram mixadas pelo Kexo (Infamous Glory, Abske Fides, Death By Starvation) e decidimos enviar o material para o James Plotkin (ex-Khanate, Khlyst) pra masterização. Ele trabalhou com diversas bandas que admiramos e com certeza saberia como obter um bom resultado do nosso material.
Vakka: Acho que a maior preocupação é poder trabalhar no limite da frequência, sem perder o espaço para as dobras melódicas que geralmente se perderiam no meio daquela sujeira toda se o equipamento não for o certo. Nossas referências de timbres são essas que o Riberti falou mesmo, tem o St. Vitus, Graves at Sea, Ufomammut e etc… Mas a gente se influencia bastante também pela primeira fase do death/doom metal, como o Winter, dISEMBOWELMENT, Katatonia e, pra mim, especialmente Paradise Lost e Anathema, que são minhas referências desde moleque, quando comecei a ouvir som.


Sounds: Lembro do doom ser uma coisa bem nichada no início dos anos 90. Mesmo dentro do estilo, existiam algumas vertentes que se diferenciavam. Umas bandas pendiam mais para o lado de discos como o Worship Him, por exemplo, enquanto uma outra leva seguiu um caminho mais Lost Paradise, ou mesmo do Into Darkness, do Winter. Hoje, o estilo está mais diluído em outras subdivisões. Como essa popularização do doom metal ajuda ou prejudica vocês?
Riberti: Algum tempo atrás, o termo doom metal remetia imediatamente a bandas como as que vocês citam, embora outras subdivisões já existissem. Essa popularização e a ascensão de outros subgêneros certamente ajudam as bandas atuais – nós, inclusive – a obter mais espaço e atenção, até mesmo por pessoas que não costumam ouvir doom metal com tanta frequência. No fim das contas, isso é algo positivo porque possibilita maiores oportunidades para as bandas divulgarem seus trabalhos, lançando seus discos e fazendo shows. O aspecto negativo é a tendência a jogarem no mesmo balaio bandas e subdivisões que, em termos sonoros, não têm nada a ver uma com a outra, surgindo daí alguns equívocos como nos apontarem, por exemplo, influências de stoner rock que não consegui identificar em nosso som até hoje (risos).
Vakka: Não acho que popularização seja bem o termo. Doom metal ainda é um estilo bem nichado. A diferença é que na época não tinha internet para a divulgação e o alcance disso era bem menor. Antes era tudo na base do zine de garagem e revistas. Eu acho que sempre que surge uma banda nova que se destaca em algum estilo, vamos ver alguém descendo a lenha dizendo que a coisa ficou pop, foi assim com o “revival thrash” no começo dos anos 2000, os death metal pós-2008. Quando na verdade nunca deixou de ter banda nova de thrash, nem de death e nem de doom. Só tem mais gente com internet, e mais gente com ímpeto de comentarista de portal de notícias. Nem ajuda, nem atrapalha, cara. A gente faz o que quer e se alguém der atenção, acho ótimo.

Sounds: Vocês não acham que, de um tempo pra cá, rolou uma superutilização do termo doom metal e algumas bandas e assessores de imprensa passaram a usar a tag na esperança de vender uma estética sendo que, muitas vezes, a música não passa nem perto da sonoridade do estilo?
Riberti: Sim. Com mais frequência do que gostaria, me deparo com alguma banda descrita como doom metal, sludge, stoner doom ou qualquer outra tag dessas e, quando vou ouvir, ela soa muito mais como groove metal ou como qualquer outra coisa que não tenha absolutamente nada a ver com a descrição divulgada pela própria banda. Acho que isso acontece, não só com o doom metal, porque algumas bandas fazem mais questão de pertencer a um nicho específico do que de efetivamente trabalhar suas músicas até que elas realmente se enquadrem em uma determinada proposta, ou ainda de construir algo próprio sem foco em qualquer gênero específico, posturas que considero muito mais louváveis.
Vakka: Exatamente o que o Riberti falou, especialmente com stoner, acho… A maioria do que eu vejo ser rotulado de stoner hoje em dia é mais um rock chumbrega com bordão em E. Ou os selos são mal-intencionados, ou as bandas ou os dois são inocentes a ponto de venderem uma coisa que não são. E por não saberem mesmo, talvez achem que aquilo é o que estão tocando.

Sounds: Em “Drag Me To My Grave”, vocês mantiveram as características, mas a gente consegue ver uma certa evolução nas dobras que deixam a soma de Winter com My Dying Bride ainda mais latente. É uma ideia de vocês explorar esse lado mais melódico dos riffs e, com isso, deixar o som ainda mais melancólico?
Riberti: Foi uma evolução natural, talvez decorrente do maior entrosamento entre nós com o passar do tempo. As músicas do Archaic foram compostas logo no início da banda, ainda com outra formação, e apresentam riffs mais simples e diretos. “Drag Me To My Grave” também foi criada nessa fase, mas com uma estrutura completamente diferente. Ela já tinha seu riff melódico principal, mas a base ainda era mais direta e repetitiva, o que inclusive tornava a música bem mais longa.
Durante o processo de composição do Aphotic, nosso próximo disco, decidimos retrabalhar essa música, e ela se transformou numa espécie de ponte intermediária entre as sonoridades do Archaic e de nossas músicas novas.
Vakka: Acho que foi essa transição dos dois períodos da banda mesmo. Essa música foi a primeira em que começamos a trabalhar depois da gravação do Archaic, e talvez uma das últimas que terminamos, porque a cada 3 ensaios rolava alguma coisa do tipo “pensei de tirarmos isso e botarmos isso aqui”, e assim foi até acho que os dois últimos ensaios antes da gravação. Tanto é que existe uma versão dela com violino em uma das transições e na hora de lançarmos, decidimos tirar porque estava MUITO My Dying Bride na cara larga. Acho que esse riff base dela vai numa praia bem do Gregor Mackintosh, tanto que no começo eu achava que o riff tava indo muito na vibe da “Colossal Rains”, e quase o mudei. Acho que esse lado melódico sempre vai existir no Jupiterian porque essa foi a escola que cresci ouvindo; por mais que eu ame tocar tudo podre, vamos achar espaço pra trabalhar nas choradeiras.


Sounds: Existe alguma ideia de lançar o material de vocês fora do Brasil? Já foram sondados?
Riberti: Com certeza. Há um interesse muito grande neste tipo de som fora do Brasil, e tivemos a prova disso com as ótimas avaliações do Archaic em resenhas publicadas em blogs do exterior, o que despertou essa vontade em nós. Recentemente apareceu um selo interessado em lançar nosso próximo disco lá fora e devemos divulgar novidades a respeito em breve.
Vakka: Claro cara. Queremos lançar lá, fazer tour e cumprir todo o ciclo. Mas demora, é um processo todo. Quando lançamos a “Drag Me…” um selo americano entrou em contato sobre lançar o disco em tape, edição deluxe lá. Terminamos a master do play essa semana e agora vamos avançar nisso. Assim que tivermos alguma novidade vamos anunciar. No Brasil, o Aphotic vai sair em cd pela Black Hole Productions.

Sounds: Qual estrutura vocês têm para gravar, marcar shows e divulgar a banda? É tudo por conta própria e do próprio bolso? Acham isso satisfatório?
Riberti: Fazemos muita coisa por conta própria. As gravações foram pagas por nós mesmos e a divulgação tem sido totalmente natural, sem grandes estratégias para e sem a participação de qualquer assessoria de imprensa ou coisa do tipo. Tanto que realmente ficamos muito surpresos com a ótima recepção do Archaic. Nós recebemos mais ajuda para marcar shows, que muitas vezes rolam a convite de uma galera que já costuma organizar eventos, como o pessoal da Abraxas, o Marcelo, nosso ex-vocalista que cuida da Black Embers Records, a Vanessa Joda do Projeto Subterrâneo, entre outros. Acho interessante termos conseguido uma aceitação tão boa, mesmo sem qualquer investimento externo ou estrutura complexa por trás da banda. Obviamente, toda ajuda e investimento seriam bem-vindos e nos possibilitariam o desenvolvimento de trabalhos com um alcance muito maior, mas não vamos apenas esperar por alguém que resolva investir em nós, pois isso pode nunca acontecer. Continuamos, independentemente disso, fazendo nossas músicas.
Vakka: Exato. Acho que nem tem como ser diferente. É satisfatório do ponto de vista que não tem muito espaço pra esse tipo de som aqui, então o que rolar pra gente já está ótimo. Hoje a gente só toma um pouco de cuidado pra não entrar em roubada como tocar em show que nos convidaram, veja bem, na banda são dois guitarristas, e a casa tinha um único ampli com de 20w (risos). Inacreditavelmente isso já aconteceu.


Sounds: Qual a relação de vocês com o metal nacional? Gostam desde que eram moleques? Quais shows puderam assistir? O que acham da cena atual?
Riberti: Cada um da banda tem um background musical diferente, com esse gosto comum por doom metal, sludge e afins.
No começo, conheci e presenciei mais shows de bandas nacionais de hardcore, como Ratos de Porão, Ação Direta, Agrotóxico, entre outras. Alguns anos depois comecei a me interessar por death metal e grindcore e a ir em alguns shows de bandas como Krisiun, Torture Squad, D.E.R., Hutt, Plague Rages etc. Desde quando comecei a ouvir coisas mais lentas, gosto muito de sludge e demorei para conhecer alguma banda nacional deste tipo, até que um dia eu soube de um evento chamado Play Slow Or Die, no Estúdio Noise Terror, no qual rolou o primeiro show do Kroni (banda do nosso guitarrista Ale), junto com Visão V, Qerbero e o finado O Mito Da Caverna. Lembro de ter saído desse evento com uma grande vontade de tocar esse tipo de som e, coincidência ou não, eu estava lá com dois camaradas que hoje tocam comigo no Crushing Darkness, além de também ter encontrado o Vakka por lá.

Hoje em dia há bandas de grande qualidade por aí, e volta e meia surgem eventos e festivais com estrutura à altura, que merecem maior atenção. Acho que o maior desafio atualmente é despertar o interesse das pessoas para que elas compareçam a esses eventos, pois assim como a internet facilita muito o acesso a novas bandas, ela também se torna uma substituta aos shows, já que o pessoal ouve as músicas em streaming, distribui seus likes e se satisfaz com isso sem fazer tanta questão de presenciar algo que, muitas vezes, se torna bem mais interessante ao vivo. Normalmente eu busco conhecer bandas novas sem me importar tanto se elas são nacionais ou não, ligando apenas pra qualidade da música, e dessa forma, o desenvolvimento do meu gosto musical sempre vai contar com bandas e discos nacionais. Dentre as bandas atualmente ativas, algumas com as quais mais me identifico são o Noala; Kroni; Reiketsu; God Demise; Deaf Kids; Saturndust; Abske Fides; para citar algumas.

Vakka: Eu vivia em show do Are You God? e acho que eles foram uma puta influência pra mim e no jeito que componho. Não que minhas bandas tivessem alguma coisa de AYG? no som, mas mais do jeito de não compor de um jeito quadrado e estilisticamente. Quando ouvi o Black Force Domain, do Krisiun, ainda na escola, foi um puta soco na alma. Um dos discos mais impressionantes que ouvi na vida e me remete à uma época animal de desenhar logo no caderno, trocar até VHS gravado do Fúria e tal. Eu não gosto do que virou o termo “metal nacional”, que é quase pejorativo e pode ser guarda-chuva/apoio, de muita tranqueira. Tem banda boa pra cacete daqui que nem quer estar sob esse “metal nacional”. DER, Hutt, Saturndust, Deaf Kids e o Hierofante, Infamous Glory, God Demise, Subterror… Brasil tem só o puro creme.

Sounds: Um lance interessante é que, como poucas bandas, vocês conseguem criar uma paisagem sonora e isso faz com que a música do Jupiterian se transforme em um ambiente e não seja só uma experiência auditiva. Acho que isso talvez venha do estímulo criado pelas artes visual, literária, ou até da própria cidade. Além da música, quais as influências da banda?
Riberti: Gostei bastante de saber isso! Já pude presenciar shows nos quais a atmosfera criada vai um tanto além da música, e são ótimas experiências. Não sei se isso influencia os shows de forma tão marcante, mas temos um grande interesse, um tanto evidente, em horror e ficção científica. Além disso, acho que a simples vontade de criar um ambiente opressor e alheio à realidade permeia bastante nosso trabalho. Não é algo calculado, mas experimentamos com os elementos dos quais dispomos, tocando em frequências bastante graves e em alto volume, sem sabermos necessariamente o que isso poderá provocar nas pessoas.
Vakka: Filmes e literatura fantástica, horror, sci-fi e etc. definitivamente são nossas influências temáticas. A banda é justamente nosso escape da “cidade” e do mundo, tentamos criar nosso próprio abismo, musical e visual.

Sounds: Se a música do Jupiterian pudesse trazer alguém de volta do reino dos mortos, quem seria?
Riberti: Melhor destruir tudo, e simplesmente jogar todo mundo no vazio.
Vakka: “The dead shall dead remain”.