A década de 90 foi encantadora. Criamos memórias, demos significados a elas, e hoje lembramos com carinho daqueles dias. Era um tempo de solo fértil para a música e dali surgiram ótimas bandas. Algumas tiveram vida longa, outras, caso o Handsome, duraram apenas um disco, ou o tempo necessário para deixar saudades.
Em São Paulo, o que hoje é classificado como post-alguma-coisa, nos anos 90 a gente costumava chamar de rock alternativo. Nesse pacote cabiam Fugazi, Pixies, Burning Airlines, Shudder To Think e algumas outras. No literal, essas bandas eram de fato a nossa alternativa para algo novo, que se descolava do metal, do rock radiofônico ou do rastro da new wave oitentista. Eram bandas que nasciam para pavimentar uma nova rota para um rock que corria por uma estrada independente.
Na segunda metade daquela década, as rádios, que por aqui nunca foram lá essas coisas, estavam empanturradas de one hit wonders da segunda ou terceira leva do grunge. Dishwalla, Gin Blossoms e os habituées Men At Work e Dire Straits eram diariamente empurrados em cima de quem estivesse sintonizado. Não podemos esquecer que o pós-grunge do G.R.A.U.Y (Grêmio Recreativo Acadêmicos Unidos do Yarrrrrrrrrrling) que também vinha dando as caras em larga escala.
No meio desse furacão, o Handsome. Por volta de 98 (o disco foi lançado em 97) o simples argumento de que aquela então nova banda tinha em sua formação um dos caras do Quicksand, já era o suficiente. Um amigo emprestou o CD, já que o disco vinil já era ultrapassado por aqui. Uma das motivações para ouvir novas bandas era a sessão de agradecimentos nos encartes dos discos. No do Handsome, um dos agradecimentos era direcionado ao Deftones, o que nos despertou curiosidade.
O Handsome tinha na sua formação os guitarristas Pete Mengede (Helmet) e Tom Capone (Quicksand), o baterista Pete Hines (Cro-Mags/ Murphy’s Law), além do baixista Eddie Nappi e o vocalista Jeremy Chatelain (Jets To Brazil/ Iceburn). A música dos caras flutuava por ambientes também frequentado por alguns nomes bem queridos como os já citados Helmet e Quicksand, além de coisas como Unsane, Into Another e Seaweed.
É um disco repleto de riffs simples, melódicos e com uma leve pitada ou outra da vibe hardcore. Veja bem, só a vibe. Não espere algo rápido porque não é o caso. O ponto alto do Handosme é o mergulho despreocupado no risco das melodias dramáticas e do canto sobre sentimentos cotidianos.
“Needles” e “Ride Down” abrem o disco com capricho e são bem cativantes. A primeira arrisca algumas dissonâncias enquanto “Ride Down” puxa o andamento do refrão para as progressões de cordes emo daquele mesmo período. A helmetiniana “Going to Panic” é a terceira e, talvez ainda seja a nossa predileta já que essa condição costuma variar quando se trata de um disco com tanta música boa.
Na sequência, “Left Of Heaven” traz aqueles ruídos coadjuvantes patenteados por Page Hamilton, a alma criativa do Helmet. Daí pra frente o disco te prende cada vez mais em um passeio bem estruturado pelos pilares do rock alternativo ou do post-hardcore.
Seja nos timbres das guitarras ou mesmo na forma de capturar os vocais, que aparecem mais ao fundo, e claro, talvez pela proximidade das datas em que foram lançados, o disco do Handsome se aproxima bastante de Adrenaline, do Deftones. Em músicas como “Lead Belliad” e “Dim the Lights” isso salta um pouco mais. Esta última é também a que tem uma estrutura, digamos, mais radiofônica. Poderia facilmente tocar nas rádios rock(?) brasileiras.
“Wating” e “Quiet Liar” são mais diretas, remetem bastante ao Seaweed, principalmente da fase do Four e Spanaway, com notas oitavadas, andamentos mais enérgicos e emocionais.
O legal de Handsome, o disco, é que ele se mantém atual. Por conta do revival noventa ou atemporalidade das composições, são músicas que funcionariam, na verdade funcionam, perfeitamente hoje em dia. Nada parece ter se perdido na névoa preguiçosa da nostalgia. Dá pra olhar para o presente ouvindo cada uma dessas músicas. “Swimming” é a que soa mais datada. Sem ela tudo ainda sobreviveria muito bem.
O álbum foi produzido pelo Terry Date (Pantera, White Zombie, Incubus, Soundgarden), o que tirava um pouco aquela “aura” dos 90 dos timbres. Na época do lançamento do disco, o Handsome abriu shows para o Descendents, fizeram uma turnê com Silverchair e dividiu palco com o Wu Tang Clan. Com certeza é um dos shows que a gente gostaria muito de ter visto.
Desde o inicio o Handsome já parecia fadado a um vida meteórica. Em entrevista ao Punk Rock Theory, o vocalista Jeremy Chatelain que foi Peter Mengede quem se empenhou em juntar todos para montar a banda, mas que eles não se conheciam muito bem e isso pode ter atrapalhado a convivência entre eles. “Quando estávamos compondo, também estávamos nos conhecendo. Acho que foi uma transição difícil, já que todo mundo tinha personalidades e origens radicalmente diferentes para tentar colaborar nesse disco intenso. Não poderíamos ter durado com todos as químicas, atitudes e más decisões tomadas para por fatores externas”, conta Chatelain. Ele ainda completa: “Foi uma experiência brilhante pela qual nunca mais chegarei perto”.
Em 98 Tom Capone saiu da banda e, ainda no mesmo ano, o Handsome encerrou suas atividades deixando apenas dois compactos e esse incrível registro homônimo.
Já em 2013, a 6131 Records relançou essa beleza em vinil. No formato digital, talvez ainda seja possível encontrar alguma cópia usada por aí, e, se vale o conselho, vá atrás e garanta a sua.