Helmet: os 25 anos de ‘Betty’

In Bandas, Discos
Vinicius Castro

Entre amigos, num domingo de final de verão, nossas memórias corriam para a primeira metade da década de 90, mais precisamente para 1994, ano de lançamento do Betty, terceiro disco do Helmet.

Recuperamos histórias, rimos, lembramos de alguns fatos, mas o mais importante, estávamos ali construindo novas memórias musicadas por uma trilha que durante muitos e muitos anos fez parte do nosso dia a dia.

O Helmet é uma banda especialmente importante pra nós. “Unsung” era uma constante presença em nossa adolescência e foi uma das músicas-símbolo da década de 90.

Foto: Divulgação

Em uma análise, o jornal New York Times descreveu o Helmet como a banda que construiu a mais importante conexão existente entre o indie rock e o heavy metal, e isso é algo muito próximo da nossa realidade. Quando conhecemos o Helmet, amigos que estavam mergulhados em Metallica, Sepultura e até no death metal europeu passaram a olhar com aprovação para aqueles moleques que estavam fazendo um novo tipo de música pesada, usavam bermudas e tinham cabelos curtos. Por outro lado, os adeptos do rock alternativo, entre longas conversas na porta de algumas casas de shows da época, colocavam o Helmet em um campo de relacionamento possível.

Nomes como Nine Inch Nails, Botch, Norma Jean, Pantera, Silverchair, entre outros, já se declararam influenciados pelo Helmet. Mike Patton, o inquieto vocalista do Faith no More, citou a banda como uma de suas influências em sua carreira solo. Vale lembrar que o Tomahawk, um de seus inúmeros projetos, conta com John Stanier, baterista do Helmet. Já Chi Chang, o saudoso baixista do Deftones, chegou a dizer que “toda banda deveria aspirar a originalidade e a genialidade do Helmet”.

Mas o sucesso é também traiçoeiro, e o peso da sombra produzida pelo disco anterior, Meantime, caiu sobre Betty. Toda fama e reconhecimento, com direito até a uma indicação ao Grammy, criaram uma pressão amplificada sobre o disco. O vocalista, guitarrista e alma do Helmet, Page Hamilton, nunca ligou muito pra essa tal cobrança. A ideia dele sempre foi fazer um disco diferente do outro e dar um passo adiante, mantendo a identidade do Helmet. Com Betty isso ocorreu, mesmo que alguns fãs, e parte da imprensa, esperassem um Meantime parte 2.

Com Betty, Hamilton, ao lado de Henry Bogdan (baixo), Rob Echeverria (guitarra) e John Stanier (bateria), confirmou suas intenções em contornos menos rígidos que revelaram uma equação particular de tempo, espaço, peso e andamento.

Sobre a cama de ruídos e harmônicos do início de “Wilma’s Rainbow”, música que abre o disco, Hamilton disse em entrevista para a Rolling Stone que a inspiração veio de uma faixa do Gang of Four, da qual ele não se lembrava o nome. Provavelmente ele estava se referindo a “Love Like Anthrax”, de Entertainment!, lançada em 1979. Elas não soam iguais, mas dá pra entender a inspiração do Helmet, ainda que o noise do Gang of Four seja mais barulhento e a intro de “Wilma’s Rainbow” mais, digamos, linear, até que a instrumentação exploda em um dos momentos mais legais de Betty.

Betty tem um timbre de bateria gordo, poroso, vivo. Chega a lembrar a sonoridade de In Utero, do Nirvana. Produzida por Butch Vig, “Milquetoast”, uma das favoritas de Hamilton, serviu de single para divulgação do disco. Ela também fez parte da trilha do filme The Crow, mas ali recebeu outra grafia, “Milktoast”. O clipe traz algumas imagens da produção cinematográfica, que ficou conhecida por ter sido o último de Brandon Lee, filho de Bruce Lee, que morreu atuando em uma cena de tiroteio. Uma das balas era de verdade.

Hamilton queria ter Vig no disco todo, mas como o produtor estava muito envolvido com o Nirvana na época, não foi possível. Ainda assim, ele deixou sua marca quando sugeriu que os primeiros versos dos vocais não tivessem as guitarras como base e que Hamilton usasse um efeito de rádio na voz, com um pouco de reverb, tendo o Pink Floyd como referência. Portanto, se você você pira na levada de baixo, bateria e nos vocais de Hamilton, agradeça ao Butch Vig.

“Clean” é uma música que já dava indícios do que viria a ser o próximo disco, Aftertaste. Foi escrita, segundo Hamilton, depois do sucesso de Meantime. Não eram dias bons. Hamilton vivia o fim de relacionamento, levava uma vida social sem muitas regras, e aí, segundo o vocalista, a gota d’água foi quando ele foi assaltado no East Village (NYC). A batida que Stanier colocou na música dá um charme especial à faixa.

John Stanier

Então, se Betty é tão especial, por que a mídia da época não exaltou suas qualidades? Também não foi assim. Falou-se bem do disco, mas talvez não tanto o quanto a gente acha que ele merecia. Quem torceu o nariz, provavelmente esperava um disco obediente. Perdeu. Este é um álbum compromissado apenas com a própria banda. Ao Indy Week, Hamilton contou que a gravadora, depois de escutar Betty, chegou a comentar que nele não havia nenhuma música soasse como “Unsung”. A resposta, elegante, foi “eu já escrevi essa música”.

Faça uma experiência. Ouça os quatro primeiros discos do Helmet na sequência. Ouça cada um deles como um álbum de fato, respeitando suas sequências, e vai ficar claro o quanto Betty é mais profundo. Pode não ser o seu preferido, mas ele está um passo à frente e em músicas como a cancioneira “Speechless”, por exemplo. Já “Biscuits for Smut” tem uma pegada funk cheia de groove, enquanto “Sam Hell” é um blues distorcido, algo até então inimaginável na carreira dos nova iorquinos.

Ainda ao Indy Week, Hamilton disse que “as pessoas ficam muito preocupadas com a imagem de uma banda e classificam onde ela vai estar em uma loja de discos. Eu não escuto música desse jeito”. Uma fala que faz a gente gostar ainda mais de Mr. Hamilton, do Helmet, e claro, de Betty.

Foto: Divulgação