Como toda mente inquieta, Justin K Broadrick (ex-Napalm Death/ Godflesh) não sossega. Quando algo soa novo aos nossos ouvidos, ele parece já estar à procura da sonoridade seguinte.
Com o Napalm Death, em partes, foi assim. Depois de gravar o lado A do que viria a ser o Scum, Justin decidiu deixar a banda após ser convidado para tocar bateria no Head of David, nome que inspirou esse capítulo do nosso A Banda Antes da Banda.
Mick Harris (Scorn/ Lull/ Painkiller/ ex-Napalm Death, etc) usa da ponderação inglesa ao falar sobre seu ex-companheiro de banda. “Não sei se sucesso é a palavra ideal, mas quando saiu do Napalm Death, Justin não queria tocar somente no Mermaid… Ele queria chegar lá, tinha apetite por outras coisas.”
Os dois se conheceram em 1985, no já citado Mermaid, inferninho tradicional localizado em Birmingham, Inglaterra. A história é contada no livro Choosing Death:.The Improbable History of Death Metal & Grindcore, escrito por Albert Mudrian. Mick era um frequentador constante, sempre conferindo de perto alguns shows de bandas punk da região. Justin conta que Mick chegou ao pub usando um corte de cabelo psychobilly, os braços cobertos de tatuagem, e disse: ‘Cara, eu adoro essa coisa que o Napalm Death faz’. E nós ficamos tipo ‘pô, valeu!’”
É um pequeno e interessante recorte da visão de Mick porque Justin realmente nos parece alguém faminto por novos sons, texturas, barulhos e possibilidades em diferentes escalas. Carrega uma forma primitiva de dar vida às suas criações. Nenhum dos inúmeros projetos assinados por ele parece descolado de suas escolhas ou refém das concessões estéticas de uma determinada época. Há, sim, desafios e uma dose generosa de obscuridade e peso.
Toda amplitude abordada por Justin vem de um tempo hoje já distante, quando o padrasto tocou Music For Airports, de Brian Eno, para um Justin ainda muito novo. Ele achou aquilo tão solitário, belo e refrescante que o disco se tornou uma espécie de marco zero referencial para o que ele viria a fazer tempos depois. Isso, a honestidade e o do it yourself capturado do punk são alguns dos pilares que conduzem os caminhos de Justin.
A história de vida de uma das mentes seminais da música extrema passa por horríveis histórias sobre o nazismo vivenciadas por sua avó; o estudo e prática do ocultismo; e a vida na cinzenta e industrial Birmingham, como ele contou em entrevista para a Vice.
Antes de entrar no Napalm Death, mais precisamente por volta de 1984, Justin teve uma banda junto com seu amigo Andy Swan chamada Final, com quem fez seus primeiros shows, aos 14 anos. O Final ainda hoje lança algum material. Depois disso, já durante sua estada no Napalm Death, também fez parte do Fall of Because (pré-Godflesh), que antes disso tinha um outro nome, OPD (Officially Pronounced Dead).
Em meio a dezenas de projetos, entre eles o Jesu, God, Zonal, e tantos outros, destacamos o mais conhecido deles: o Godflesh, que Justin montou em 1988, no mesmo período de transição entre a sua saída do Napalm Death e a rápida passagem pelo Head of David.
Naquele período a velocidade já não era atrativa e Justin resolveu procurar outras formas de explorar a música extrema.
O Head of David fazia certo sucesso e já tinha feito parte de algumas listas ao lado de artistas independentes conhecidos do Reino Unido.
Justin conheceu a banda antes mesmo de se chamar Head of David. Era um grupo local influenciado pelo Suicide e um híbrido de Cabaret Voltaire com 23 Skidoo, banda bem maluca da cena independente inglesa. “Eu os achava mágicos… Pouco depois eles mudaram o nome para Head of David e os convidamos para ver um show do Napalm Death…”, conta Justin.
O clima no Napalm Death já não era dos melhores. No livro Choosing Death, Justin também conta que “a banda [Napalm Death] ficou uma merda e vinha rolando muita discussão. Tipo, mesmo nos ensaios, tiveram muitas vezes que eu literalmente ficava lá e assistia Nik Bullen e Mick Harris rolando no chão e tretando. Era muito louco, para ser sincero. Éramos personalidades muito voláteis e esse tipo de coisa, inevitavelmente, iria acontecer.”
Justin queria mais, e o Head of David parecia oferecer o que ele buscava naquele momento, porque, além de um contrato com uma gravadora, eles tinham uma turnê em vista e essa era a chance de Justin experimentar tocar em alguns lugares fora de Birmingham.
Antes de fazer parte da banda, o Head of David já havia lançado três registros pelo selo Blast First, que tinha em seu cast nomes como The Mekons, Sun Ra, Butthole Surfers e Afghan Whigs, entre outros. Como integrante, Justin participou de três registros: Dustbowl (1988), The Saveana Mixes (1988) White Elephant (1989), que na verdade são músicas tiradas de duas apresentações no programa de John Peel, em 1986 e 1987, lançado no mesmo ano do primeiro disco do Godflesh, o clássico Streetcleaner.
Entre os três registros, Dustbowl é o mais conhecido, talvez por “Dog Day Sunrise” ter tocado mais nas rádios e ganhado um cover gravado pelo Fear Factory, registado em Demanufacture (1995).
Há quem ouça na música extrema o simples barulho pelo barulho. Mas em suas entrelinhas há harmonia, equilíbrio e uma sensação curativa em mergulhar em um universo de polos distantes, porém vitais e interdependentes. Como se o amor não funcionasse sem o ódio ou a tristeza que não se basta sem a aspiração por um momento feliz e vice-versa.
Para a Fact magazine, Justin contou que muitas pessoas que passam a conhecer sua trajetória pensam: “como esse cara sobreviveu”? Em resposta, ele diz que a música fez isso por ele. “Embora seja uma música obcecada pelo negativo, é uma coisa terapêutica e eu estava buscando transcendência e algum tipo de saída espiritual… encontrei uma voz para isso e é definitivamente uma voz para minha ansiedade.”
O fato é que a música extrema é mesmo combustível para uma mente inquieta que está sempre em busca do passo seguinte. Mas é também sobre cura e o Head of David é parte disso.