Vinicius Castro
“Um Megadeth mais implacável do que o público havia visto até então.” Essa é a percepção que faz Dave Mustaine, fundador da banda, enxergar o momento vivido pelo Megadeth na época em que Rust in Peace foi composto, gravado e lançado, entre os anos de 1988 e 1990.
O livro dedicado ao disco, lançado recentemente no Brasil pela Editora Belas Letras, costura muitos dos detalhes e histórias contadas por quem presenciou e participou da concepção de Rust in Peace.
Rust in Peace, o disco, é tido como uma espécie de renascimento do Megadeth, já que a banda vinha de um disco não tão aclamado, So Far, So Good… So What, gravado por um grupo desfigurado interna e criativamente, muito por conta do vício em drogas e a troca de formação.
Voltando um pouco na história, na segunda metade da década de 80 o vídeo de “Peace Sells” foi sucesso na Europa, EUA e no Brasil, o que fez com que a banda atingisse um público muito maior. Ali Dave Mustaine deixou de ser identificado como o ex-guitarrista do Metallica e cravou sua assinatura por meio de sua voz e de incríveis composições.
“Peace Sells” era presença quase diária em programas como o Clip Trip, da TV Gazeta. Foi o nosso primeiro contato com a banda e a partir dali queríamos saber tudo o que envolvesse o Megadeth. No vídeo, enquanto um adolescente assiste à TV, o pai grita: “What is this garbage you’re watching? I want to watch the news!” e troca o canal, colocando em um programa de notícias. O adolescente então responde: “This is the news!”. O diálogo ficou eternizado na nossa memória e, pelo menos pra nós, o clipe de “Peace Sells” foi uma novidade e tanto, ainda que o thrash metal, um dos estilos a melhor retratar a tensão da guerra fria e outros conflitos, já houvesse nos proporcionado discos incríveis como Ride the Lightning, Endless Pain, Darkness Descends, e Hell Awaits, do Metallica, Kreator, Dark Angel e Slayer, respectivamente.
O fato é que a história de um grande disco nunca é somente sobre o disco em questão. Com o Megadeth não haveria de ser diferente, já que todas as experiências da banda até ali preparam o terreno para o lançamento de Rust in Peace, algo que o livro retrata com ricos detalhes.
Escrito por Dave Mustaine em parceria com Joel Selvin, a edição nacional de Rust In Peace é cuidadosa quanto ao design gráfico, a impressão, revisão, diagramação, escolha das fontes e gramatura do papel, tanto na parte de texto como das fotos.
A narrativa é bem pessoal e não esconde as tretas e os percalços. Proporciona uma leitura cativante por ter suas histórias contadas pelo próprio Mustaine, além de depoimentos de Maty Friedman (guitarra), David Ellefeson (baixo) e outros personagens próximos como Pam Mustaine (esposa de Mustaine), Mike Clink (produtor do disco) e outros que tiveram envolvimento direto na história de Rust in Peace.
Há diversos momentos em que a leitura nos aproxima da banda e oferece aquela sensação de finalmente descobrir uma porção de coisas que até então eram somente um “ouvi dizer que”. Por exemplo, a amizade com o Guns n’ Roses, principalmente com Slash, que assina o prefácio do livro; o teste que Marty Friedman fez para entrar na banda de Ozzy Osbourne; situação de quase sem-teto pela qual ele passou pouco antes de entrar para o Megadeth; e quando Ellefeson conta que quando eles gravaram “Holly Wars”, Mustaine havia saído há pouco tempo da reabilitação e sua voz estava meio fina e rasgada, mas, ao mesmo tempo, muito imponente. A princípio, Ellefeson queria que aquele fosse somente um take de aquecimento, mas a banda decidiu manter a primeira gravação de voz. “Olhando para trás vejo que ele captura toda a essência de onde estávamos naquele exato momento, aquela obra-prima que criamos na escuridão da heroína e estávamos ali, acompanhados da recente sobriedade”, conta Ellefeson.
Há também ótimas histórias sobre as músicas, como a relação entre “Hangar 18” e “The Call of Ktulu”, do Metallica, e de que forma Mustaine usou uma referência de George Orwell e da Segunda Guerra para traçar um paralelo entre a militância do heavy metal e escrever a letra da nossa predileta e uma das músicas mais complexas da banda, “Take No Prisioners”.
Considerando o contexto em que o álbum foi idealizado, o livro argumenta muito bem sobre a importância de Rust in Peace e as razões de ele ser um disco que, mesmo com o passar dos anos, não perde sua relevância.
No início de um dos capítulos finais, Marty Friedman se diz ainda espantado em pensar que eles ganhado disco de ouro e platina com um dos álbuns mais abrasivos e pesados da sua carreira. “Isso aconteceu, eu acho, por causa da honestidade. O disco era o que estávamos destinados a fazer. Era o que todos queríamos fazer”, conta o guitarrista.
É isso! Sucesso é realmente fazer da forma mais honesta possível aquilo que te deixa feliz. O resto é só o que vem depois para ajudar a contar toda a história.