Meninos Em Fúria Livro de Marcelo Rubens Paiva e Clemente conta as origens do punk no Brasil

In Especiais, Livros
Vinicius Castro

O punk é um movimento de diferentes recortes sob a perspectiva de diferentes autores, personagens, estudiosos, observadores e de anônimos que, no decorrer dessa já longa história, tornaram-se imprescindíveis. Em comum, todos mantêm vivos os preceitos dessa comunhão chamada punk. Como? Incluindo. Trazendo o leitor pra perto. Inserindo o fã na história.

Meninos Em Fúria, o livro escrito por Marcelo Rubens Paiva e Clemente Tadeu (Inocentes), conta a história do punk embrulhada em lembranças, roubadas, aprendizados, superações, luta e vivência não só dentro do movimento que libertou toda uma juventude dos solos intermináveis do rock progressivo e da brilhantina da disco music, mas também no aspecto político da época. A nossa época. Tempos urgentes. Sem espera. Era o punk. Tempos de uma raiva que, no início do movimento, foi guiada por acordes cortantes, cativantes, gritada pelas vozes da periferia, da classe trabalhadora. Da insatisfação.

Meninos em Fúria
Foto: Sounds Like Us

A colisão de crenças, mudanças de hábitos, comportamentos e visão de mundo permeia o livro com a sensibilidade precisa dos três acordes chancelados pelo movimento. Em plano aberto, dá pra ver uma espécie de divisão em décadas dos acontecimentos. É quase como a forma em que Dante se depara com a divisão da sua caminhada em inferno, purgatório e paraíso, na Divina Comédia.

Começa pelos anos 70, fase debutante e genuína do punk 77, passando pelos conturbados anos 80. Fase da efervescência, da formação do que viríamos a conhecer como rock brasil, da cocaína servida em bandejas nas festas grã-finas e do firmamento do punk em São Paulo. Eram os anos 80. Anos de uma sociedade intolerante, do tal milagre econômico, Plano Bresser, Plano Cruzado, Plano Verão e nada saindo como planejado. O país estava afundado em uma inflação descontrolada. Tá tudo lá.

Chegando na década de 90 os dois autores descrevem com propriedade a necessária sobrevivência em um ano que, de certa forma, foi considerado como um depósito daquilo que ferveu nos 80, mas que não se via mais encaixado em lugar e tempo algum. A mídia queria o novo Nirvana e o Brasil queria o cara que ia combater os marajás (risos). Entra Fernando Collor de Mello. Vem 91, 92, e 93 chega batendo recorde de inflação. Mais de 2000%. E o Inocentes procurando seu espaço. A banda referência no pais do punk no Brasil não se encontrava depois de lançar o incrível Adeus Carne. Vieram os anos 2000 e Clemente e Rubens Paiva descrevem a necessidade se reinventarem dentro daquilo que fazem de melhor: arte. E conseguem.

Inocentes
Foto: Rui Mendes

Meninos Em Fúria costura tudo com dados históricos, políticos e sociais de cada época. Isso faz com que o livro possa transpassar o cunho musical e se desdobre para contextos mais abrangentes que caminhavam em paralelo com todo aquele turbilhão de tretas, contestação, gangues, casas noturnas, drogas e romantismo.

Tem boa carga de emoção, dramas, paixões, ressacas, desafios e transborda a veracidade de quem respirou aqueles ares de forma intensa, sem máscaras ou qualquer coisa que pudesse impedir Rubens Paiva e Clemente de absorver e pertencer àquilo que eles parecem ter nascidos para ser: punks.

Os autores rebuscam todas e tantas lembranças em um exercício suntuoso para a memória e o coração de quem escreve e de quem lê. A escrita prepara e te prende. Te joga sempre para a próxima linha, parágrafo, capítulo.

Meninos Em Fúria é um livro de história. Dos autores e também, por que não, parte da nossa história. É um livro que não escapa, não te dá espaço pra dispersar. E ainda que você tenha não tenha visto parte de todas essas histórias de perto, Meninos Em Fúria é também um livro sobre a sua história. O legal é que o subtítulo que diz “e o som que mudou a música pra sempre” fala, por relatos pessoais, que não só a música, como também a vida deles foi modificada.

Hoje, Clemente segue multi. Com o Inocentes, teve o Musikaos, produziu o festival punk o Fim do Mundo Enfim, no SESC Pompéia, apresenta os programas Showlivre, Heavy Lero e Filhos da Pátria (89FM), toca com a Plebe Rude e continua se reinventando sem alterar seus princípios. Junto com Casagrande, Zé Luís e Branco Mello, Rubens Paiva tem um programa na rádio 89FM, o Rock Bola. Em sua estreia, Rubens Paiva escolheu “Pânico em SP”, do Inocentes, pra tocar no programa. No livro ele diz “só eu entendi o significado daquela execução. Era a minha vitória, minha solitária comemoração”. Foi também a nossa. Uma vitória plural que nos aproximou e trouxe certo orgulho de termos dois sobreviventes do No Future para contar o que foram aqueles dias nascidos despretensiosamente, mas que acabaram por se transformarem em um importantíssimo capítulo da minha, da sua, da nossa história. Uma vitória sobrevivente. Uma vitória punk!

Meninos Em Fúria – E o som que mudou a música para sempre
Meninos em Fúria
Foto: Divulgação