É impossível prever o quanto estaremos preparados para qualquer tipo de ruptura estética, de pensamento ou entendimento do novo, até que esse isso aconteça de fato. E a arte é por vezes ingrata. Além de não se deixar adivinhar, também reserva a seus desafiadores uma espécie de quarentena, onde o reconhecimento vem ao certo, mas a passos longos, lentos e cuidadosos.
No início da década de 90 o heavy metal vivia uma fase de mudança. Poucas bandas sobreviveram à explosão do grunge, outras se reinventaram e uma outra parcela, um pouco antes da febre vinda de Seattle, trouxe um frescor necessário para uma época em que a música precisava de renovação.
Entre os discos que fertilizaram uma nova leitura para esse cenário estavam o La Sexorcisto: Devil Music Vol. 1, do White Zombie; Vulgar Display Of Power, do Pantera; e Meantime, do Helmet. Todos eles lançados em 92. Mas, antes disso, em 1990, um outro registro já oferecia indicadores de que aquela seria uma década promissora. Era Beg to Differ, do Prong.
Sabe aqueles riffs brecados e cheios de groove que ficaram famosos nas mãos das três bandas citadas no parágrafo acima? Pois é, dois anos antes eles já existiam na mente criativa de Tommy Victor, o responsável pelas guitarras e vocais do Prong, e figura conhecida na cena hardcore de Nova York.
Certa vez, em entrevista, ele chegou a dizer que, para entender as origens da música produzida pelo Prong, você só precisaria pegar um pouco de Bad Brains, adicionar as dissonâncias do Voivod e somar tudo isso ao espírito hardcore da década de 80. Mas a gente acha que isso ainda não é o suficiente, e pedimos licença para acrescentar um pouco de Killing Joke para completar os contornos dados por Tommy Victor para definir o som da banda.
Beg To Differ é o segundo disco do Prong. É também o registro que conseguiu captar a vibe daquele início de década que já inspirava uma intimidade saudável entre o metal e o industrial. Um ano antes de Beg to Differ, o Ministry tinha lançado The Mind Is a Terrible Thing to Taste, e o Nine Inch Nails o incrível Pretty Hate Machine, e Tommy Victor também soube capturar a atmosfera que passeava pelas cabeças mais antenadas daquele período.
Músicas como “For Dear Life”, “Setady Decline”, “Just the Same” e “Right to Nothing” trazem a medida exata entre o crossover e o thrash metal.
Na faixa-título fica claro a generosa contribuição do Prong para o que vinha sendo construído de novo no metal, algo que seria efetivamente reconhecido uns dois ou três anos depois.
“Beg To Differ”, a música, era presença garantida no Fúria Metal, programa da MTV Brasil, apresentando por Gastão Moreira. Os riffs condizem com a declaração de Tommy Victor sobre o nascimento do som da banda, mas é “Lost and Found” a música que carimba de vez essa mistura de Bad Brains, Killing Joke e Voivod. Vale lembrar que o baterista Ted Parsons já tocou com Swans, Godflesh, além do já citado Killing Joke, o que sustenta ainda mais o gosto da banda pelos ruídos do industrial.
Tommy Victor sempre quis ser diferente e, de certa forma, conseguiu. Ainda hoje o Prong segue sem desviar de suas características e Beg To Differ foi um disco determinante pra isso. Um verdadeiro clássico. Um registro que apontou para algo novo, e que conseguiu injetar uma dose generosa de inventividade dentro de uma cena que precisava disso.