Puff Pieces Ironia, sarcasmo e minimalismo pós punk

In Bandas, Discos

Em um desses momentos que você não sabe ao certo se é sonho ou realidade e aquele famoso filminho passa na sua cabeça, contando toda uma história de relação íntima com a música, estávamos nós, ali, dentro da Dischord, olhando discos e conversando, em um papo leve, na sensação intimista de velhos conhecidos, sobre o que estava rolando de novo na cena de Washington, DC. Falamos sobre os shows que aconteceriam no período em que a gente estaria na cidade e tudo mais. Ian MacKaye, em certo momento da conversa disse que ia rolar um show do H2O naquele mesmo dia e que talvez fosse ver os caras ao vivo.

Mas antes disso, ele nos mostrou um 7” de uma banda, relativamente nova, e a pergunta foi: “Vocês conhecem o Puff Pieces?”. Acho que nunca ficamos tão felizes em não conhecer nada sobre uma banda. Até porque, para nós, é gratificante estar em uma situação em que é possível ter contato com o novo. Não conhecer algo te coloca numa posição de descoberta e isso é algo muito bom. Não conhecer uma banda nova te coloca numa posição de descoberta, um sentimento único. Gera troca de ideias, atenciosas conversas e ouvidos de prontidão, ansiosos sem saber o que nos espera.

Eis que Ian pega o compacto de uma estante lotada de discos da Dischord e nos mostra, com aquele sorriso meio de canto como quem pensa “isso é muito bom…eu sei que vocês vão gostar!”. Coisa de quem realmente gosta de apresentar novas bandas e conversar sobre música.

Foto: Sounds Like Us

Com o olhar inquieto de quem acompanha o deslizar da agulha logo que toca o vinil, nossa expectativa estava prestes a terminar. Linhas de guitarra econômicas, baixo alto, seco com um groove contagiante e bateria forte, marcada. Tudo de intenção minimalista.

É assim os primeiros acordes de “Psychological Test”. Em clima lo-fi, é uma música que apresenta bem a proposta da banda formada por Mike Andre (ex- Antelope), Justin Moyer (E.D. Sedgwick, Antelope, El Guapo) e Amanda Huron (Weed Tree, Vertebrates). Já durante os primeiros instantes da música nossos pés já ensaiavam os primeiros passos, acompanhando a batida.

O Puff Pieces nasceu em 2012, quando Mike Andre chamou Justin e Amanda Huron para gravar umas faixas. Musicalmente falando, o Puff Pieces é uma visita ao pós-punk do início dos anos 80. Enquanto a recessão de Reagan dava força artística a uma geração de inconformados cheios de vitalidade que criavam o movimento punk em Washington DC, outras cabeças eram atraídas pelos compassos sincopados de bandas como Gang of Four. É engraçado dizer isso, mas mesmo remetendo à uma época distante, e que já foi revisitada tantas e tantas vezes, o Puff Pieces emite um certo frescor em suas músicas.

Foto: Michael Andrade

A ironia também é um recorte bem interessante dentro do universo musical desses americanos. A segunda faixa do compacto, “New Nazis”, poderia facilmente causar algum tipo problema aos menos avisados ou aos fiscais do politicamente correto, mas é pura ironia e provocação. A letra indaga, em tom sarcástico: what are you gonna think when the new Nazis spill your drink?

“Competition” vem na sequência em uma toada mais acelerada e direta. Com um riff simples, ela mantém o mesmo clima e prepara o terreno para “Gimme Some” que encerra o EP de uma forma mais dançante.

O saldo é positivo e o Puff Pieces. Já naquele dia a banda assumiu um papel de destaque entre os nomes que conhecemos no decorrer do ano de 2015.

Alguns meses depois de sermos apresentados, ainda teimamos em tentar encontrar explicações para aquela cena improvável e maravilhosa onde nós e Ian MacKaye ficamos em silêncio, em pé, frente a uma vitrola, só mexendo a cabeça enquanto esse compacto tocava ali, dentro da Dischord. É, a música tem dessas coisas.

Foto: Divulgação