Vinicius Castro
Entre alguns dos lançamentos mais recentes, o lo-fi parece ter perdido um pouco sua literalidade. Ainda assim, há por aí pérolas que conseguiram ir além da despretensão que o estilo promete, e o primeiro disco de Willis Earl Beal é um exemplo disso.
Hoje, não raramente Willis Earl Beal é citado em veículos de grande alcance, mas em 2012 ele era uma novidade batizada por um nome de pronúncia enrolada e portador de um vozeirão forte e marcante, carregado de identidade.
Naquele mesmo ano, Willis Earl Beal era um jovem de 27 anos que poucas pessoas fora de Chicago tinham ouvido falar. Tudo bem, poderia ser só mais um cara talentoso com uma voz incrível, mas sabe quando você escuta algo que instala em você uma vontade de saber, ouvir e ter mais daquilo? Pois é, procurei, procurei, procurei e não encontrei a matéria onde havia lido sobre Willis Earl Beal.
A única memória um pouco confiável era a da imagem da capa do disco. Um lance desenhado em preto e branco, que retratava um quarto onde havia um desenho de Bob Dylan na parede. Apenas isso. Eram poucas as referências e grande a vontade de ouvir e saber mais sobre aquele disco.
Mas a vida é caprichosa e, em uma de nossas visitas a lojas de discos, lá estava o LP em meio a tantos outros em uma prateleira de álbuns usados. Protegido por um plástico gasto, talvez pelo toque apressado de quem mal sabia o que tinha em mãos, lá estava ele. “É nosso!”, dissemos depois de nos olharmos. O LP que passamos alguns anos procurando estava lá. “É ele, certeza que é!”. Trouxemos o Willis Earl Beal pra casa.
Aos 23 anos de idade e depois de cair em depressão por ter sido demitido do exército por razões médicas, Willis saiu de Chicago e foi para o deserto do Novo México. Escreveu muitas músicas, gravou algumas delas, e deixou essas gravações em CDs depositados em lugares aleatórios. Como dito no início, em uma divulgação também lo-fi, Willis imprimiu seu número de telefone em panfletos e convidava as pessoas a chamá-lo para cantar. Ele não tinha MySpace, Bandcamp ou algo do tipo. As plataformas eram as ruas e a linha de metrô da cidade.
Segundo artigo do Guardian, até 2011 Willis nunca havia se apresentado ao vivo e nem lançado nenhuma música. No entanto, apareceu na capa de várias revistas e despertou o interesse de Damon Albarn (Blur), que queria trabalhar com ele, e de Mos Def, que mostrou interesse em fazer um filme sobre a história de Willis.
A sonoridade leva as composições de Willis para um lado doído, melancólico. É magia da negritude, parente em primeiro grau do gospel, fala sobre sentimentos plantados em uma região fertilizada pelo blues, o spiritual jazz, e por nomes como Bob Dylan e Tom Waits. É música para ouvir com pés descalços em um gramado de dia, de noite, à tarde. Fazendo um jantar numa quinta-feira qualquer ou na preparação do almoço de domingo. É pra ouvir na volta para casa depois de um dia estressante ou simplesmente escutar enquanto observa a paisagem acontecer diante dos nossos olhos, por meio da janela do trem, carro, ônibus ou avião. A música de Willis é um potente vetor de sentimentos.
Talvez por ter sido registrada de forma tão genuína. Willis sussurra, sobe o tom, deixa a emoção falar quando usa sua voz como instrumento. Desafina sem medo, da mesma forma que contorce o que sente.
Acousmatic Sorcery é uma bela estreia, ao mesmo tempo em que é também um campo inseguro para quem se despe na música que compõe.
Em um artigo, o autor escreveu que, de olhos fechados, dá pra imaginar a cena de Willis em sua casa às 2h da manhã. E o clima é esse. Luz amarela, quente, paredes de madeira descascadas pelo tempo e um violão, que por vezes também soa gasto, reverberando as canções do disco lançado em 2012, pela XL Recordings.
“Take me Away” é um lamento ruidoso: In remission of a mind, watch and listen to find / The position behind this illusion of time / Got me counting my dimes so on the bus I can ride / I’m even doubting the rhyme, I’m in no rush I can hide.
“Sambo Joe From the Rainbow”, “Monotony” e “Evening’s Kiss” são todas cantadas mais quietamente, sob um looping de acordes. Parecem ser as primeiras versões de composições gravadas com a urgência de quem receia deixar a inspiração se desgarrar dos pensamentos.
“Ghost Robot” e “Swing On Low” anunciam uma tentativa de rimas que encantam ao fugir um pouco da lamúria, e trazerem um pouco mais de garganta e força.
Se Acoustmatic Sorcery trouxe o minimalismo da música registrada de forma caseira, o impacto, de mínimo, não teve nada.
A voz é negra, forte e de gigantes dimensões a flor da pele. E se hoje Willis Earl Beal já é um nome mais conhecido, para nós, sua gênese ainda será contada de forma entregue e despretensiosa, por quem ainda está lá, dentro de um quarto, compondo pela sua necessidade de se expressar. Como extensão do que se é, veiculado por emoções prontas para explodirem.