Pós Punk Alguns nomes que vêm mantendo o estilo mais vivo do que nunca

In Bandas

Não é de hoje que se ensaia uma volta do pós punk, mas será que ele um dia se foi?

Como todo movimento musical, o pós punk talvez nunca tenha deixado de existir e sempre esteve entre o hype e o submundo, em uma coerente e solitária postura marginal. Nos anos 2000 ficou cool usar o termo e grandes veículos se apropriaram disso para vender a ideia de que cada nova banda descoberta nos inferninhos da Europa ou EUA seria a reencarnação do Joy Division. Mas mesmo assim, o pós punk, no íntimo da sua essência, andava meio tímido, em um relacionamento estreito com quem sempre o acompanhou de perto.

Aqui a gente gosta e tem até uma certa saudade do tempo em que alguns expoentes do estilo eram mais presentes nas ondas do rádio. Um ponto interessante é que o pós punk fincou suas raízes nos corações de diferentes gerações e hoje ecoa na música de bandas que vão do indie ao black metal. Quem diria que uma música feita por desajustados, por vezes triste, outras ruidosa, que dá pra dançar sozinho ou numa festona e de postura introvertida, serviria de pavimento e teria fortes ramificações por tudo quanto é canto?

Mas para entender um pouco da origem há de se lembrar que o termo nasceu Inglaterra após o auge do punk, em 77. Digamos que ele seja como aquele primo mais novo que sempre quer mostrar umas músicas para os mais velhos, mas foi sufocado pelo barulho e urgência do punk. O pós punk incorporou algo do synthpop, pouco do industrial e lançou bases para o que viria mais tarde a ser o rock mainstream dos anos 2000.

A Inglaterra tinha alguns nomes fortes como Gang of Four, Adam and the Ants, The Fall, The Mekons, Public Image Ltd, Psychedelic Furs e Echo & the Bunnymen. Da Europa vinha o Mecano, the Limp, the Ex e o nosso Brasil não ficou pra trás. Tínhamos o Cabine C, Finis Africae, As Mercenárias, Smack, Varsóvia e outras tantas que adaptaram muito bem a linguagem para essa parte dos trópicos.

Já nos últimos anos, uma geração que ainda era novinha no nascimento do pós punk parece ter entendido direitinho a lição e uma generosa quantidade de bandas surgiu, apontando para uma vontade de recriar aquele climão original e mais underground com um tempero mais fresco. Muitas delas lançaram bons discos e vêm ganhando um espaço especial no coração de uma galera que une forças e talento para manter de pé tudo o que o pós punk representa.

Hoje o pós punk é muito mais que o próprio pós punk e aquela máxima de que nada É de fato, cai muito bem. Mais que uma tag de prateleira em loja de discos, o pós punk é um universo que aponta para diversos verbetes dentro do que é soturno, cinza e cheio de fumaça. É uma linhagem que carrega um certo orgulho em sustentar nuances que continuam criando, e recriando, boa música.

Leia também as outras edições:
Pós Punk: parte 2
Pós Punk: parte 3
Pós Punk: parte 4

Traitrs

Traitrs


Que banda! O duo canadense, formado por Sean-Patrick Nolan e Shawn Tucker, aposta numa vibe puxada para o Bauhaus e a fase synth do The Cure e abusa do crescendo em suas dinâmicas. Prepare-se, porque lá vem cantos emotivos e com aquele verniz triste que a gente tanto adora.

Rites and Ritual, lançado em 2016, é o EP de estreia. Nele, “Youth Cults” é uma das nossas prediletas. Intensa, empolgante, é o tipo de música que incendiaria a pista do Retrô ou mesmo a do Milo Garage.

Eles contam que Tucker passou umas semanas de molho depois que escorregou no gelo e quebrou duas costelas. Nesse período, ele mergulhou em filmes de horror e ocultismo que acabaram ajudando na criação de boa parte das letras. O Tritrs vai conquistar tanto os fãs mais ortodoxos e como os que procuram novos nomes que seguem por aí mantendo o pós punk vivo nos diferentes cantos desse mundão. Vai na fé, o disco é lindo.

Motorama

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Melodias bem lineares e um direcionamento mirado no pós punk e jangle pop do fim dos anos 70 e início dos 80. Apesar da vibe inglesa, o Motorama vem de Rostov-on-Don, na Rússia. Um ponto curioso por aqui foi que, a cada ouvida, eles foram migrando para um canto mais ensolarado da nossa percepção, embora isso não combine muito com pós punk.

O Motorama é uma como uma trilha sonora de viagem looooonga por uma estrada sem curvas em um fim de tarde ensolarado. É possível que agrade quem já nutre alguma simpatia por bandas como The National ou Interpol, mesmo eles fugindo um pouco desse revival dos anos 2000. Até então, a banda formada em 2005 acumula 3 discos na bagagem. O último, Poverty, lançado em 2015, começa meio morno, mas já lá pela terceira música o disco engrena e revela uma banda que em um primeiro contato parece fria demais, mas com certeza vai agradar quem gosta de olhar o que há por trás da casca.

Partisan

Partisan


Nos anos 80 tudo era muito mais distante e, pra nós ainda crianças, a Bélgica era o país do chocolate de rico e do Front 242, onde o clássico “Headhunter” era presença garantidíssima nos bailinhos de quintal. Mas, de uns anos pra cá, a Bélgica despontou entre os grandes berços da música barulhenta. Oathbreaker, Rise and Fall (o Partisan tem em sua formação membros dessas duas bandas), Wicth Trail, Amenra, White Jazz são alguns nomes que já passaram por aqui, mas nada de novo tinha chegado até nós dentro do universo pós punk ou dos sons mais, vamos dizer, indies. Mas, no ano passado, ouvimos o Partisan e a surpresa foi grata.

A música dos caras soa pesada, áspera, explosiva e traz aquela aura do estilo sem soar necessariamente como algo ortodoxo. Tem ali suas referências a Killing Joke, A Place To Bury Strangers e um pouco do Wipers em uma mistura sadia, de jeitão próprio e antenas voltadas para texturas mais noise, sustentadas em microfonias, baixo alto, bateria pesadona e com aquela vibração orgânica (Ivo é o nome do responsável, e ele também toca bateria no Oathbreaker). A fidelidade às raízes pós punk ecoam nas melodias dark com aquele vocal etéreo, gravado meio “ao fundo”.

The Pessimists

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O imediatismo garage/ punk quase assume a dianteira, mas ainda assim as referências do pós punk emergem em cada uma das músicas do The Pessimists que, em 2016, lançou Mask and Uniform.

O punk fala alto na força, na entonação convocatória, nas melodias objetivas, empolgantes e na curta duração das músicas. Há ali o necessário. Sem excessos (apenas Podridão Invisível tem mais de dois minutos). “Lembra um pouco o jeito de cantar da Kathleen Hanna no Bikini Kill”, foi o que pensamos por aqui.

Mask and Uniform mistura letras em português e inglês, o que só mostra que o trio tá preocupado mesmo é com a maneira que a sua música soa melhor. Não dá pra localizar o som do The Pessimists no pós punk mais tradicional e isso é exatamente o que nos incentivou a criar esse especial. Essas linhas são sobre o novo jeito de consumir e distribuir o universo pós punk com identidade e criatividade. Pra quem ainda não conhece, corre atrás. O The Pessimists já é uma das nossas prediletas da casa.

Lunch

Lunch

O Lunch vem de Portland (EUA) e traz em suas entrelinhas aquele jeitão inglês de transmitir o pós punk.

Let Us Have Madness Openly, chegou pra gente no ano passado e veio recheado de composições fortes que trazem um pouco do início daquele som disseminado pela Factory Records e algumas generosas referências de Echo and the Bunnymen e The Cure (repare na semelhança de “Madnesse Openly” com a linha de guitarra de “Lovesong” só que um pouco mais acelerada).

Entre as bandas que gostamos e escolhemos para fazer parte desse especial, o Lunch é o mais próximo do pós punk como foi concebido, mas, de certa forma, eles conseguem renovar um pouco o ar compartilhado por quem estava com saudades do bom e velho (escolha sua tag) dark rock, gótico, coldwave ou pós punk.

RA

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Lá no meio da década de 90, quando as baladas começavam tarde e terminavam cedo, era corriqueiro colocar o relógio para despertar por volta das 23h e correr pra pegar o ônibus e seguir para alguma casa que tocasse boa música. Se o RA existisse naquela época, seria a trilha perfeita para walkmans em volume máximo.

Do possível e revisitado pós punk, é uma das bandas mais barulhentas. O RA vem da Suécia, mais precisamente de Malmö. O primeiro disco, Scandinavia, saiu em 2015 e tem aquele apetite contagiante, cheio de melodia e aquela ferocidade pré balada de quem ainda tem uma noite inteira pela frente.

Travelling Wave

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Noiserock, ambient, guitar band, shoegaze e o próprio pós punk. Ou como a banda usa no seu Bandcamp, darkgazepsychnoise. Cabe uma boa porção de referências na sonoridade construída pelo Travelling Wave.

O climão europeu, com muita guitarra e todos os ruídos que ela pode proporcionar, encanta rapidamente, assim como os vocais, digamos, aveludados que costura as faixas com uma delicadeza que não dispensa o peso que também pode oferecer.

Recentemente, o Travelling Wave gravou duas faixas pelo Converse Rubber Tracks, no estúdio Family Mob. O resultado reforça as paisagens por onde sempre passearam, mas com uma densidade um pouco mais aguda.

The Estranged

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O que esperar de uma banda que tem integrantes que também passaram por alguns nomes do hardcore como o From Ashes Rise e Hellshock?

A banda existe desde 2006 e o background punk/ hardcore explode em músicas enérgicas com certa proximidade a nomes como Wipers e Mission of Burma – principalmente no disco Static Thoughts. Vale também salpicar um pouco de Elvis Costello em alguns encaixes de voz como possíveis temperos no som da banda. No início, o The Estranged era realmente mais puxado para o punk orgânico, mas o “pós” foi ganhando força e nos dois últimos lançamentos se faz mais presente em grandes referências e reverências que deixam aquela sensação de que no palco, deve ser um show incrível.

Essas são algumas das bandas que a gente já vinha ouvindo com carinho por aqui. Claro que poderíamos citar outras tantas, mas preferimos manter somente as que realmente trouxeram, sob nossa visão, uma porção de algo revigorante dentro de um estilo tão revisitado nos últimos tempos. São bandas que foram além da releitura e conseguiram digerir a essência do estilo e criar algo a partir disso, mesmo que em detalhes que possam passar despercebidos. O que a gente espera é que tantas outras apareçam e assim a gente tenha muito assunto pra falar por aqui. Até a próxima edição.