Smashing Pumpkins Mellon Collie and the Infinite Sadness

In Bandas, Discos
Vinicius Castro

Um dos maiores desafios de uma obra de arte é vencer o tempo e sobreviver a ele. O desafio é grande e não há receita para tal. Capricho do acaso, talento, ousadia, ineditismo, criatividade, desprendimento, frescor… Seja ou não o seu predileto, fato é que Mellon Collie and the Infinite Sadness, do Smashing Pumpkins, carrega a importância que cabe a uma grande obra, seja por sua extensão ou alguns outros predicados citados há pouco.

No livro que acompanha a reedição do LP, David Wild escreve que Mellon Collie and the Infinite Sadness foi “o melhor momento que antecipou o pior dos tempos”. Considerando a grandiosidade, e toda tensão que precedeu, e se instalou, durante a gravação do disco, Mellon Collie… foi um registro repleto de complexidades, e uma bem-sucedida experiência para a banda. Wild ainda destaca uma mistura de orgulho e tristeza na voz de Billy Corgan (guitarra/ vocal), que reforça o coro de que “aqueles foram os melhores dias” para o Smashing Pumpkins até então.

Mellon Collie and the Infinite Sadness
Mellon Collie and the Infinite Sadness

Mellon Collie and the Infinite Sadness é um registro que de tempos em tempos revela novas nuances, diferentes emoções e instigantes descobertas e isso é um dos pilares que sustentam um grande clássico.

Corgan queria fazer um álbum duplo. A gravadora Virgin tentou convencer ele do contrário, mas quando perceberam que Corgan não podia ser influenciado, tentaram fazer com que a banda usasse a estratégia do Guns n’ Roses e lançar o disco dividido em dois CDs diferentes. “Me recusei e eles concordaram. É claro que eu estava pensando em álbuns duplos clássicos como The Wall (Pink Floyd) ou White Album (Beatles), mas só alguns anos depois eu contei o número de músicas e percebi que praticamente tínhamos feito um CD duplo, que estava mais para um disco triplo”, conta o vocalista.

Foto: Kevin Cummins
Foto: Kevin Cummins

Mesmo com toda essa ambição criativa, Mellon Collie… não soa como uma colcha de retalhos com algumas pinceladas geniais. Ele é realmente um álbum, no mais literal dos sentidos, com início, meio e fim. E, diferente de alguns boatos da época, não se trata de um disco conceitual. É uma obra complementar dividida em dois atos.

O primeiro deles, sob o nome de Dawn to Dusk, abre com uma bela introdução seguida pela já clássica “Tonight, Tonight” e seu vídeo com menções a Le Voyage Dans la Lune, de Georges Méliès. Referência que também pode ser vista no filme A Invenção de Hugo Cabret, do diretor Martin Scorsese, que nesse longa prima por um tom de sensibilidade tocante, mas isso já é outra história.

Dawn to Dusk ainda traz a poderosa “Jellybelly”, os hits “Zero” e “Bullet with Butterfly Wings”, a fortíssima “Fuck You (An Ode to No One)” e a comovente “Muzzle”, uma das minhas preferidas, que foi composta por Corgan primeiramente no piano, em uma vibe meio John Lennon, segundo ele.

Em um misto de diferentes texturas, aromas e sabores complementares, o Smashing Pumpkins produz uma narrativa que nos convida a mergulhar em diferentes descobertas sob variadas perspectivas. É um intenso, pesado, delicado e inspirado. Em comum, todos esses momentos primam por uma sensação comum: a sensibilidade.

Smashing Pumpkins

A arte visual é também muito especial. Cria uma unidade entre audição e visão de forma tão coesa que é quase possível acreditar que aquelas imagens estão ali, vivas.

O nome do responsável é John Craig, talentosíssimo ilustrador que trabalha com colagens e carrega no seu estilo uma boa variedade de referências fantasiosas. Mas o trabalho de Craig sempre teve os olhos atentos de Corgan, que direcionava alguma de suas ideias, como em uma das ilustrações abaixo.

Um dos rascunhos que Billy Corgan fazia, com desenhos e anotações para direcionar as artes do disco. Foto: SOUNDS LIKE US

Aqui o resultado provido do rascunho (acima) elaborado por Billy Corgan. Foto: SOUNDS LIKE US

Há rumores que no disco anterior, Siamese Dream, Corgan haveria gravado todas as partes de baixo e guitarra. Já em Mellon Collie…, o Smashing Pumpkins age como uma banda no ponto alto de sua parábola criativa. É um disco forjado, em sua maioria, sob longas jam sessions supervisionadas pelos produtores Flood e Alan Moulder, o que reforça o clima de vivacidade que alimenta a órbita em que o disco configura.

Twilight to Starlight, nome escolhido para dar vida ao segundo ato, é mais, digamos, pesado. Sabe-se que Corgan é um grande fã de algumas bandas de heavy metal e isso parece ter refletido de maneira positiva nas músicas.

Twilight…abre com “Where Boys Fear to Tread” e um riff que faria qualquer banda de sludge modernoso repensar o rótulo antes de vender isso no release. “Bodies”, não menos pesada, traz Corgan ferido aos gritos de love is suicide entre os versos. Em seguida, outra que ocupa um lugar especial, a apaixonante “Thirty-Three”. Delicada e de aura quase inocente, é uma das músicas mais belas de toda carreira do Smashing Pumpkins.

“Antes de tudo desmoronar, há um momento em que você se sente bem”. É o que Corgan diz no encarte do disco ao começar a descrever “Thirty-Three”.

No encarte da reedição de Mellon Collie…, ele ainda conta que passeava por seu antigo bairro, tentando se esconder e se salvar do “constrangimento” de ser reconhecido. “Eu queria privacidade e minha casa se tornou alvo para adolescentes bêbados de fim de noite que tinham a necessidade de gritar meu nome… Eu lidava bem com a ideia de nunca crescer, mas a morte parecia inevitável. A morte da juventude e da inocência”.

Dentro desse espectro, Twilight to Starlight ainda tem o mega hit “1979”, uma música que soa como trilha sonora para boas lembranças de colégio e que, talvez por isso, se mostre cada vez mais nostálgica.

“1979” é uma grande música. Foi a última faixa a ser registrada, no último dia de gravação do disco, e, segundo Corgan disse em algumas entrevistas, ela traz algumas influências de New Order e um riff com uma levada de Sonic Youth.

D’arcy , em 1993. Foto: Tony Mottram

Seria “XYU” um nome em homenagem à “XYZ” do Rush? Billy Corgan é fã declarado dos canadenses, não seria de se espantar se isso fosse verdade. É uma música poderosa, dona de um peso denso, cheio de fúria fuzz incontrolável. Ao final, para coroar, ainda somos agraciados com a psicotrópica “By Starlight”.

Um fator interessante é que, em todo universo criado em volta de Mellon Collie…, vale fazer o exercício de selecionar aleatoriamente cinco músicas. Você vai ver que, independentemente de quais escolher, terá sempre cinco ótimos singles.

Mellon Collie…, em toda sua grandeza e amarração, é um olhar telescópico em direção ao espaço que ainda nos traz de presente o sol e as estrelas. Afinal, é disso que se trata, e um não vive sem o outro.