Vinicius Castro
A gente desconhece, se é que há essa possibilidade, quem resista a arriscar alguns passos de dança ou fique incólume ao que o Mighty Mighty Bosstones pode causar. Os pés começam a se agitar, surge um olhar tímido para um lado, para outro, e de repente você está lá, na pista, entregue ao groove da mistura do ska com o punk rock.
Na década de 90, o Mighty Mighty Bosstones ganhou notoriedade com “Someday I Supposed”, do disco Don’t Know How to Party (1993). Um ano depois eles seguiram na mesma crescente e conquistaram o público com a versão de Detroit Rock City (1994), clássico do Kiss, registrado na coletânea Kiss My Ass. Mas, foi com a chegada de Let’s Face It (1997) que a banda explodiu no Brasil e no mundo.
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“The Rascal King” e “The Impression That I Get” caíram nas graças do público, das rádios e das baladas. Vale lembrar que, se hoje a mistura de sonoridades é bem comum, quando o Mighty Mighty Bosstones começou sua trajetória, mais especificamente em 1983, isso não era muito bem visto. Punk ouvia somente punk, headbanger ouvia metal, gótico escutava o que a gente chamava de música dark, e assim por diante.
Mas a década de 90 trouxe um pouco mais dessa vontade e aceitação da mescla de sonoridades e ajudou a quebrar a rigidez do rock. Dentro deste contexto, podemos dizer que o Mighty Mighty Bosstones foi um dos nomes que ajudaram a trazer o ska para a superfície e misturá-lo ao punk hardcore, no que ficou conhecido como ska-punk, e pouco depois, o ska-core.
Antes de ocupar o dia a dia da MTV Brasil com os singles citados há pouco, e de cravar uma memória cinematográfica com uma aparição no filme As Patricinhas de Beverly Hills com a já mencionada “Someday I Suppose” e “Where’d You Go”, Dicky Barrett, vocal do Mighty Mighty Bosstones, passou por outras bandas – dentre elas, o Impact Unit.
Assim como o Mighty Mighty Bosstones, o Impact Unit nasceu em Boston, cidade berço de uma safra incrível de bandas que ajudaram a construir e pavimentar o cenário punk/ hardcore. A coletânea This Is Boston, Not L.A, lançada originalmente em 1982, é uma boa amostra da sonoridade dura e violenta daquele recorte. O disco conta com nomes como Jerry’s Kids, Gang Green, The Freeze, Decadence, The Proletariat, The F.U.’s, e Groinoids. Mas claro, isso não é tudo. Boston ainda abrigava outros decisivos nomes como SS Decontrol, Negative FX, Cancerous Growth e o Impact Unit com o seu My Friend the Pit, que na verdade é a demo tape gravada em 1983, mas que foi lançada somente em 1989, pela Crucial Response Records, selo alemão que antes se chamava Anti-Schelski Records.
My Friend the Pit é o único registro do Impact Unit. Hardcore bruto, sem enfeites, onde, em meio a sonoridade turbulenta da banda, o timbre de voz peculiar de Dicky Barrett soma perfeitamente com a rispidez da sonoridade executada durante todo o registro. É curioso pensar no sentido contrário do processo. O timbre vocal de Barret faz muito sentido no Impact Unit, mas será que se não conhecêssemos o Mighty Mighty Bosstones, apostaríamos na voz de Barret também como veículo da sonoridade da banda?
Entre “Nightstalker”, que abre o EP, e “Regular Boys Haircut” o que se ouve é um hardcore rude, pesado e costurado por andamentos rápidos que chegam a lembrar coisas do Verbal Abuse e os primeiros anos do Agnostic Front, porém sem a mesma desenvoltura de ambos.
É sempre muito interessante descobrir os caminhos anteriores aos discos que levam as bandas a serem reconhecida pelo grande público. No caso do Mighty Mighty Bosstones, não espanta que parte de seus integrantes tenha origem no punk/ hardcore, já que o movimento tem uma certa relação com ska, surgido na Jamaica, que ganhou popularidade e novas misturas, como o 2 Tone na década de 70, que aproximou os dois universos em uma sonoridade que gerou bandas seminais como Bad Manners, The Specials, The Beat, Madness, The Selecter, entre outras.
Dentro desse contexto, entender de que forma essas mesmas origens do passado despontam na sonoridade do presente é sempre enriquecedor. Hoje, ao ouvir o Impact Unit, dá pra enxergar um pouco desse tempero em alguns momentos da musicalidade enérgica e divertida do Mighty Mighty Bosstones.