Os discos mais legais de 2020

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Pablo Saborido

Foto: Régis Bezerra

Como todo começo de ano, em 2020 pensamos no quanto queríamos assistir a mais bandas pequenas tocando em lugares pequenos (nossos favoritos). Ficamos ansiosos por shows como o do Converge, que viria pra São Paulo, e experimentamos uma emoção sem igual ao ver o Kiko Dinucci tocando em um SESC Pompeia lotado. Mal sabíamos que aquela seria a última apresentação que veríamos, pois a pandemia do coronavírus impôs suas regras e ficar em casa se tornou um gesto de vida ou morte.

Em paralelo aos acontecimentos, escutávamos bandas novas e bandas que já conhecíamos. Imaginávamos como seria ver tudo aquilo ao vivo. Imaginávamos quantos desistiriam pelo caminho, quantos teriam ajuda para se reerguer, como ficariam vivos para produzir a arte de que tanto gostávamos.

Com o passar do tempo, mais e mais músicas nos ofereciam conforto. Ora trilhavam sonoramente nossa revolta com tudo o que estava acontecendo, ora nos levavam para lugares imunes à realidade. A saúde tava de pé; a sanidade, nem tanto. Foi quando fomos recuperando aquela sensação que já tínhamos experimentado em outros momentos das nossas vidas: a música estava nos salvando de novo. Estava nos colocando de pé e nos colocando para dormir.

Se atravessar 2020 foi uma verdadeira batalha, não faltaram pessoas e discos para nos ampararem. Estes foram os álbuns que nos deram respiro e continuidade. Mantendo a tradição, Amanda comenta os discos de que o Vina mais gostou e ele comenta os dela. Sem pretensão de resenha, e com muita liberdade para compartilhar impressões de primeira ouvida. Esperamos que vocês também encontrem refúgio nesses álbuns e que a arte permaneça viva em 2021.

UM DISCO EM COMUM:

KIKO DINUCCI – RASTILHO

Rastilho, este disco que tanto nos encantou, bem poderia ser uma dessas colagens sonoras que conseguem capturar o espírito de um tempo. Um agregador de vozes, bagagens musicais e de vida. Uma reunião do regionalismo primitivo ao digital contemporâneo. Tudo no álbum aponta para conexões ou junções, é fato. Mas podemos olhar para este disco também por seu recorte da realidade, ou seja, por aquilo que opta destacar e separar. Destacar é também diferenciar. Kiko Dinucci e os orquestradores de emoções que ele reúne no álbum fazem de Rastilho um diferenciador importante da brasilidade. Uma brasilidade que traz o passado como esteio e o futuro como meta; que rejeita a barbárie e confronta o apagamento de povos e culturas; que com delicadeza nos convida a conservar memórias, nossas e de quem está ao nosso lado. Uma brasilidade pra se cantar, batucar e aplaudir de pé. Rastilho é um registro generoso de tudo o que a arte faz renascer em nós.

OS DISCOS MAIS LEGAIS DE 2020 DA AMANDA DESCRITOS PELO VINA:

BARTEES STRANGE – LIVE FOREVER

As audições e vídeos do Bartees Strange que a Amanda me apresentou recentemente trouxeram de volta ao início dos anos 2000, tempo onde as discotecagens giravam em torno do que de fato estava acontecendo naquele momento no mundo e não pareciam tão preocupadas em repetir os passos das décadas anteriores. Com exceção dos nichos, em boa parte da década de 80 a música difundida por aqui era um pouco a sobra que brilhava nas rádios gringas. Isso começou a mudar na década de 90 e nos anos 2000 isso se fortaleceu e foi legal demais dançar e ouvir nas pistas brasileiras o que também tocava fora do país. O Bartees Strange me fez lembrar desse tempo, porém, com o peso do presente.

DECURSO DRAMA – DIAGONAL

Tá aí uma banda que a gente gostou desde o disco de estreia. No Bandcamp eles se definem como emo guitar e a sonoridade deles circula exatamente por esse universo noventeiro. Os acordes, andamentos e linha de voz nos levam de volta para a década de 90 onde tudo era nutrido por guitarras altas e muita melodia. Quando Diagonal foi lançado imaginei que ele estaria entre os prediletos da Amanda. É uma linha de som que ela adora e o Decurso Drama faz bonito nesse território.

GREG DULLI – RANDOM DESIRE

Durante a década de 90, em qualquer rodinha de conversa, Greg Dulli sempre me pareceu ser um nome muito respeitado. Havia peso quando mencionado vez ou outra. Um amigo era grande fã da banda e insistia para que eu mergulhasse em sua discografia. Nunca fiz isso com afinco, a não ser por apenas dois discos: 1965 e Gentleman. O que me fez ouvir com mais atenção e assimilar melhor a banda foram as audições aqui em casa e ver o quanto a Amanda admira o Afghan Whigs e Greg Dulli. É interessante como o brilho nas palavras de quem ama música ou determinada banda faz com que a gente ouça aquilo com mais carinho. No caso, foi interessante ouvir Random Desire. Me fez enxergar um Dulli ainda mais amplo, solto, confortável. E confirmou que todo respeito que o nome dele evoca, tanto na admiração da Amanda como também na minha memória, são correspondentes ao talento, criatividade e sensações que ele oferece. 

HAIM – WOMEN IN MUSIC PART III

Entre os discos escolhidos por ela, este talvez tenha sido um dos que eu mais ouvi por tabela. E em todos os momentos a Amanda se divertia demais ouvindo, comentava, me chamava atenção para os vídeos. Tudo isso me fez criar uma relação entre o Haim, a Amanda e a diversão contagiante de se ouvir um bom disco. Dessa forma, o Haim passou de uma banda fashion indie (na minha visão) a um grupo de irmãs conectadas com sua musicalidade e que se divertem fazendo a música que querem fazer. Com qualidade e, principalmente, diversão.

LAND OF TALK – INDISTINCT CONVERSATIONS

A Amanda me apresentou ao Land of Talk e, quando assistimos a banda ao vivo no ano passado, em um lugar pequeno em São Paulo, pirei! A receptividade do público foi linda, mas principalmente o carinho com que o Land of Talk tocava aquelas músicas. A forma como Elizabeth Powell distribuía simpatia e carisma foi cativante. Sem dúvida um dos melhores shows que assisti e isso me fez criar um carinho especial pela banda e aguardar o lançamento de Indistinct Conversations. Conforme os singles iam sendo lançados fui ouvindo e gostando do resultado. Quando o disco chegou, as expectativas foram atendidas. É mesmo um belo disco!

LIANNE LA HAVAS – S/T

O nome de Lianne La Havas já apareceu por aqui, em 2017, na nossa série Descobertas. Gosto da voz, da sonoridade, das composições. É música que faz bem. Que funciona em diversos momentos e com o disco autointitulado isso ficou ainda mais evidente. A Amanda gostou logo de início e entre algumas audições por aqui, fui convencido. Gosto de como La Havas equilibra em sua voz boas doses de emoção, força e delicadeza. Vale ressaltar que a versão dela para “Weird Fishes” ficou tão linda e poderosa quanto a registrada pelo Radiohead em In Rainbows.

PHOEBE BRIDGERS – PUNISHER

A música provoca um sentimento incontrolável que ultrapassa qualquer ponderação consciente. Aquela vontade de compartilhar com o mundo uma nova banda ou artista que adoramos conhecer. Foi o que aconteceu com a Amanda e a, carinhosamente por mim apelidada, menina da roupa de caveirinha: Phoebe Bridgers. Entre as músicas, a favorita da Amanda, “I Know the End”, é também com que mais simpatizei. Ainda que em um 2020 tão amargo e triste possa demonstrar tom catastrófico, de alguma forma, me transmite que tudo pode ficar bem. Se você também gosta de belas melodias, dramaticidade e um ótimo refrão, pode ouvir alto e sem receio. É uma bela música.

SAULT – (Untitled) RISE

Outro disco que a Amanda adorou! A primeira dica veio de um grande amigo nosso (Valeu, Marcão!). Eu, nas primeiras audições não fui fisgado, confesso. Mas, ouvindo com um pouco mais de atenção o disco, alguns momentos de “Fearless” me lembraram da trilha de abertura do programa Video Show, talvez pelos metais e o duplo toque de caixa antes das mudanças de andamento. Ok, nada dos teclados de “Don’t Stop to Get Enough”. No lugar, synths e uma sonoridade que revive o funk/soul primoroso dos tempos da Motown, do afrobeat e da disco music da década de 70. Para um ano sufocante como 2020, Untitled (Rise) me transmite uma mensagem urgente. De reconhecimento, poder e fortalecimento irrevogáveis. Um disco preciso que entre a arte da capa e o último acorde, parece ter muito a contar. Eu, se fosse você, ouviria. E alto!

THROE – ODIUM

Prefiro, e não posso, opinar.

TORRES – SILVER TONGUE

Gosto de discos “pulga atrás da orelha”. Neles residem um desafio teimoso de que um dia eles farão mais sentido do que hoje, embora neles possa haver todos os cacoetes e nuances que lhe agradam. Silver Tongue tem muito dos elementos que me atraem na sonoridade que Torres escolhe para se expressar, porém o disco não bateu. E aí entra um fator importante na música: o tempo. É preciso ouvir novamente, digerir, entender, mergulhar em um disco. Alguns precisam de mais tempo. Outros menos. Mas cada um deles tem o seu próprio marcador. Silver Tongue me pareceu precisar ser escutado como um álbum, com cada faixa contando sua história, porém todas elas conectadas. Não é um disco de audição complicada e, entre todas, “Records of Your Tenderness” foi a música que mais me chamou a atenção. E talvez seja por conta dela a minha constatação de que este é um disco que pede mais audições, entrega, e tempo.

WASTED SHIRT – FUNGUS II

Aeee… É o que eu chamo carinhosamente de rock doidinho. Gostei disso! Gostei mesmo! A Amanda me contou que o Wasted Shirt é a junção do Ty Segall com o um dos caras do Lightning Bolt, outra banda que ela adora. Deu certo! O som puxa um pouco mais para os andamentos frenéticos e malucos do Lightning Bolt, mas ainda assim, me parece uma junção de dois universos que, mesmo aparentemente distintos, mostram que é exatamente isso que deu um tempero especial a Fungus II.

WYE OAK – NO HORIZON

Nunca tinha ouvido falar do Wye Oak antes de a Amanda mencionar, portanto, não sei de onde vem, o que comem, bebem ou o que escutam, mas play! Afinal, essa brincadeira é sobre escrevermos um sobre os discos de outro e assim destacar a surpresa do novo. Sobre o Wye Oak, lembro também da Amanda comentar sobre o disco ser gravado com um coral bem famoso que já havia gravado com o National. E talvez seja exatamente pela presença do coral que as músicas de No Horizon me soaram interessantes. Aqui também talvez caiba o efeito pandemia que trouxe um grau de melancolia solitária mesmo com tantas vozes juntas. Gostei de “Spitting Image” e, não me pergunte por que, mas em uma primeira ouvida me lembrou Eurythmics.

YOUNG JESUS – WELCOME TO CONCEPTUAL BEACH

Outra banda que eu não conhecia e, escutando o disco por aqui, me parece complicado definir o que o som do Young Jesus me transmite. Ou em qual prateleira de discos eles estariam. Na verdade gosto disso, da indefinição proposta em arte. Acho democrático que isso fique a cargo das sensações de quem está disposto(a) a se conectar. “Meditations” é a faixa que mais me chamou atenção em todo disco. Gostei do canto meditativo e recortado que a música oferece e de como a segunda metade se transforma em algo diferente. Bem bonito.

YVES TUMOR – HEAVEN TO A TORTURED MIND

Soul music, muito groove, alguns experimentos e texturas. Alguma coisa na faixa de abertura, “Gospel For a New Century”, me lembrou os vocais do TV On the Radio. Já “Kerosene” poderia ser tranquilamente usada como trilha da série Hip Hop Evolution em uma cena filmada contra o sol, durante um belo amanhecer onde só aparecem as silhuetas de uma turma de amigos voltando pra casa depois de aproveitarem a noite dançando hip-hop no Brooklin. Fiquei interessado em descobrir quem divide os vocais com ele nessa faixa porque, lá pela metade da música, me lembrou o timbre da Alanis Morissette. Em pesquisa rápida por aqui, li se tratar de Diane Gordon, que também não conheço, mas vou procurar saber mais graças a chance que tive de ouvir esse disco escolhido pela Amanda. É sempre bom conhecer novas vozes.

OS DISCOS MAIS LEGAIS DE 2020 DO VINA DESCRITOS PELA AMANDA:

Jehnny Beth – To Love is to Live

Graças às inúmeras vezes que o Vina botou este disco pra tocar, outros sentimentos puderam riscar os dias de 2020, como o de uma urgência paradoxalmente contemplativa na faixa de abertura, “I Am”, ou o conforto emocional dado pela bela “French Countryside”, que é a favorita do Vina – e facilmente concordamos com esta preferência. Jehnny Beth, que o mundo conheceu por ser a vocalista do Savages, nos oferece um encontro despido com a humanidade e sua vulnerabilidade, ao mesmo tempo em que nos convida a apreciar os matizes que nos dão orgulho, como o amor e a música.

Jesu – Never

Este é um EP que parece descrever com precisão o 2020 em suas agruras: sufocante, incerto e inquieto. Se antes eu achava que o par Justin e Mark Kozelek (Sun Kill Moon) era o detentor da melancolia, Justin mostrou que sua solitude dá conta de abraçar este sentimento. Em vários momentos lembrei da desolação sonora do catálogo da Morr Music, o que contribuiu mais ainda para capturar minha atenção. Curiosamente, aqui em casa o EP foi trilha de muitos almoços e jantares. Destaque para a faixa “Never There For You” – um convite para dançar o mundo em dissolução, e também a canção favorita do Vina.

Napalm Death – Throes of Joy in The Jaws of Defeatism

Às vezes, na vida, tudo de que precisamos é de uma sacudida vigorosa para a realidade. Um dos antídotos a este 2020 tão inescrupuloso veio do Napalm Death e sua disposição em provocar movimento a partir da indignação, em vez de se acomodar a reclamações passivas. O Vina me contou que esta postura combativa é sistemática, de décadas, assim como é longevo o contato que a banda tem com outras sonoridades, para além do grind – não à toa é uma das bandas favoritas dele, lírica e musicalmente. Realmente acredito que quando a revolta começa a ser coberta pelo desânimo, a música pode dar o empuxo necessário. Que o diga a faixa-título, em que Barney incansavelmente convoca “Bursting lungs for the last gasp” (“pulmões estourando para o último suspiro”). E se tem algo que nos faltou neste ano, como sociedade, foram pulmões – curiosamente, este é um órgão bastante atingido pelo coronavírus. Tem banda que nos ensina sobre crítica social, e estamos diante de uma. Sinto que ainda vou recorrer mais a este disco ao longo dos anos. Por agora, digo que a faixa já citada, assim como “Amoral”,  “Invigorating Clutch” e o cover sensacional do Sonic Youth, “White Cross”, que entrou como bônus no álbum, fisgaram de primeira. 

The Flaming Lips – American Head

Sei que é redundante associar uma certa viagem lisérgica ao Flaming Lips, dado que quase 40 anos de carreira representam uma vasta documentação de universos expansivos e que transcendem a realidade. Sem conseguir me desviar dessas referências, diria que American Head me trouxe uma sensação bastante onírica em todas as músicas, com camadas mais acessíveis e cancioneiras (às quais associei a consciência), e algumas poucas abstrações (que acabei associando ao inconsciente). Especialmente na dobradinha “Dinosaurs on the Mountain” / “At the Movies on Quaaludes”, imaginei o Pink Floyd encontrando os filmes do Terence Malick, mas sem paciência para delongas. A atmosfera é setentista, mas não ensolarada; aponta para melodias contidas e um vocal melancólico, o que nem é novidade em se tratando de Wayne Coyne. Mas, desta vez, a melancolia parece vestir os efeitos de 2020.

Thurston Moore – By the Fire

Da carreira solo do Thurston Moore eu só conhecia o Demolished Thoughts, de 2011, de sonoridade mais folk e apoiada no violão. Então, é capaz de todo um histórico sonoro acabar passando batido por mim. Considerando essas minhas limitações no julgamento, parece-me que By the Fire vai mais para o lado da distorção, ainda que não dispense os dedilhados, e recupera diversos momentos do Sonic Youth, o que é bem agradável. É curioso que o disco parece se sustentar sobre algumas repetições explícitas de notas e acordes, e imagino que isso tenha agradado em cheio ao Vina, que extrai bastante valor sonoro dessas reincidências. Gostei muito das faixas “Calligraphy” e “Cantaloupe”.

Doves – The Universal Want

Lembro do programa Alto Falante, da Rede Minas, trazendo um trecho de “There Goes the Fear” pra falar da sensação que vinha se tornando o Doves. Não era difícil ver bandas britânicas tomando a TV e as rádios no começo dos anos 2000, e no caso do Doves, o fato de vir de Manchester trazia um certo selo prévio de qualidade. Nunca me empolguei com a banda, mas seria leviana se não ressaltasse o quanto eles têm talento e parecem viver com honestidade o som que praticam. O vocal por vezes me lembra o de David Bazan, do Pedro The Lion, o que já me gera sentimentos de simpatia. No caso de The Universal Want, percebo que não consigo ficar indiferente à beleza de músicas como “Carousels” e “Prisoners”. É um disco que transparece um certo otimismo, talvez pelas levadas mais gingadas de músicas como “Cycle of Hurt” e “I Will Not Hide”, que trazem ritmos mais latinos.

Willis Earl Beal – Morningstar

Eis um disco impressionante desde a primeira ouvida. O impacto imediato vem das vocalizações texturizadas de Willis Earl Beal, que conjura um tom fantasmagórico do começo ao fim, sobretudo a partir da simplicidade dos arranjos. “Morning Star”, a faixa que remete ao título do EP, traz sobreposições e dobras de voz que remetem diretamente ao sentimento estranho e familiar diante de algo desconhecido. Não há sustos, mas, sim, desconforto e inquietação. O que Beal parece querer marcar aqui é que certos fantasmas se acomodam a determinadas biografias, sem intenção de serem expurgados. O que resta, então, é a construção de um convívio com estas marcas inextinguíveis do passado.

Troops of Doom – The Rise of Heresy

Numa primeira ouvida, o Rise of Heresy me pareceu a intenção bem-sucedida de um EP urgente, sujo e agressivo, que parece querer resgatar um som mais primitivo dentro do metal extremo. Pelo que entendi, todo mundo da banda é bastante experiente na produção de uma estética sonora bueirística e revigorante. Jairo, que era da formação original do Sepultura, tem décadas desta bagagem. A sangria sonora desatada e crua que atravessa as faixas não impediu, porém, que houvesse bastante espaço para elaborações na cozinha e nos riffs, assim como o encaixe de um vocal que reúne clareza e rispidez. As quebras rítmicas também chamam bastante atenção, como a que vemos já na primeira faixa, “Whispering Dead Words”. Se eu pudesse resumir este EP em uma palavra, seria incansável. 

Paradise Lost – Obsidian

Com o Vina aprendi a respeitar imensamente o Paradise Lost, ainda que não seja o tipo de som que eu curta muito. Percebo que a banda tem um jeito bem criativo e elegante de produzir camadas e mais camadas soturnas, investindo em arranjos sinfônicos e dobras vocais potentes que parecem ter saído de um teatro secular. “Darker Thoughts” é uma abertura grandiosa de um disco, e sua emenda com “Fall From Grace” é bem eficaz na transmissão de sentimentos angustiantes e viscerais. Gosto também do baixo mais proeminente em “Ending Days”. Enquanto escrevo isso, percebo o quanto o imaginário de fim do mundo ficou diversificado na música feita em 2020. 

Jupiterian – Protosapien

Uma impressão sobre o Jupiterian que tem se consolidado com o passar do tempo é o quanto a banda é empenhada em diversificar os registros sonoros dos porões humanos. Batidas, acordes e vocais arrastados e cercados de peso já compunham uma expressão tradicional da obscuridade retratada pela banda, mas neste disco parece que elas abraçam mais melodias e alcançam expressões mais contraditórias e, portanto, humanas. Algo como intencionalmente reunir o sublime e o caos. Se a gente pensar no psiquismo humano, a disposição ao agradável é tão presente quanto a busca pelo desprazer, o que coloca a humanidade em uma inevitável familiaridade com o horror e desconcertantemente propensa aos desgostos que tanto busca evitar. Talvez o Jupiterian tenha musicado esta ambivalência.

Wendy Eisenberg – Auto

A moça tem uma voz delicada e bem bonita, e parece buscar contraste com o tempo e a tensão dos arranjos. O instrumental parece passear pelo experimentalismo do jazz e por um quase-math core, sem a intenção de se preocupar com uma sustentação para a voz. A impressão que tenho é de que a voz flutua sobre uma rede bastante fragmentada, ora tocando pontos, ora usando a rede como referencial de afastamento e se permitindo seguir caminhos completamente diferentes. Confesso que fiquei um pouco agoniada quando pensei que ela fosse chegar à nota XPTO, mas tomou um rumo completamente imprevisível. Que bom que os artistas não estão aqui pra atender nossas expectativas!

Chaosfear – Be the Light in Dark Days

A julgar pelo título, a proposta é otimista. A ideia, no entanto, precisa ser comunicada sem maquiagem da realidade, como se os dias ostentassem algum tipo de leveza. Estamos diante de um disco nervoso em um instrumental estruturado pela impermanência e pelo acúmulo de urgência. É um disco bastante tocado por aqui, o Vina gostou bastante e foi inserindo em nossa rotina. As músicas são dramáticas mas sem se perder no desespero. A banda parece ter sua sonoridade demarcada pela rapidez e rispidez que levam a pensar no thrash e no death metal. Curiosamente, alguns momentos (ali pelos 40 segundos) da “The Hand That Wrecks the World” me levaram a pensar em características mais noventistas do metal, o que inclui o fartamente criativo nu metal da época.

Dropdead – Dropdead 2020 

Que disco necessário pra este ano! Pé na porta, insistente, pesado, distorcido, impaciente, recrutador, verbo musical de um grande “basta” pro nosso nível de aceitação de baixarias, de migalhas e de maus tratos. Dropdead 2020 me parece ser um álbum de reação, forjado para sublimar ressentimentos e outros prejuízos. Achei legal saber que eles são de Providence, Rhode Island, terra do grande Daughters. Ambas as bandas compartilham deste espírito ranzizamente cronicista de sua época, ao mesmo tempo em que nos lembram que precisamos rejeitar os abusos. “The Black Mask” é uma baita faixa.

Benediction – Scriptures

Na entrevista que fizemos com o Peter Rew e o David Ingram, era visível a empolgação deles com o novo disco. Fico feliz que o Vina tenha gostado bastante deste novo trabalho. Álbuns novos e cheios de vigor de bandas veteranas tendem a reafirmar a relevância da sonoridade, e pelo que entendi, a tradição do Benediction mais uma vez trouxe frescor ao death metal. Muito sugestionada pelo 2020 tumultuado que estamos tendo, escutei o disco como 12 atos de uma campanha de vacinação contra o coronavírus. “Iterations of I” dá a largada na expectativa pela formulação, enquanto que “Scriptures in Scarlet” e “The Crooked Man” mostram a vacina a caminho dos laboratórios e hospitais, numa corrida contra o tempo e contra a desinformação. “Rabid Carnality” talvez seja a que melhor expresse minha crescente inveja dos países que já têm a vacina e que têm um presidente de verdade. “Embrace the Kill” me lembra os absurdos de um Brasil que todo dia tenta normalizar o fato de que quase 200 mil pessoas morreram por um único evento em um único ano. Já “The Blight at the End” é o retrato do Zé Gotinha vestido de máscara e despido de esperança, olhando pro nada e vendo pragas bíblicas ao seu redor. “We are Legion” é o acúmulo de indignação compartilhada por milhões, resultando naquele pé na porta pedagógico pra todas aquelas situações em que a gente pensa “não dá mais”.