O GRINDCORE EM 1989

In Bandas, Discos
Vinicius Castro

Ao pensar no papel a que se presta o grindcore, trazemos de volta um verso escrito por Mário Lago: “O grito explode o protesto se a boca não tem espaço que guarde o que há pra ser dito”.

É no grito que mora o grind. Entre os mínimos espaços do blast beat, há um contexto que cala o “ah, isso é só barulho”. Não é! Embora ali também more o barulho que expurga o que precisa voar para o mundo.

O ano de 1989 foi a incubadora da música extrema. Discos que definiram toda uma geração foram concebidos naquele final de década, e é sobre eles que a gente quer falar. Álbuns que são lembranças emocionais na nossa memória. Registros que, na época do lançamento, foram importantíssimos, mas que não tiveram o devido reconhecimento da imprensa brasileira. Talvez pela posição ocupada pelo Brasil em ser o eco do que acontece fora. Um eco espaçado, diga-se. E nessa mistura de demora entre um volume grande de novidades, o grindcore ficou restrito ao subterrâneo e seus frequentadores.

Mas, nunca é tarde para trazê-lo à superfície e ressaltar o valor que cabe a algumas obras. Pensando nisso, selecionamos aqui alguns discos que mudaram a nossa e a vida de muita gente que queria ir além da rapidez do thrash, da violência explícita do death metal e da audácia e lirismo do punk.

REPULSION

Foto: Sounds Like Us

Horrified é do tempo em que o barulho era um posicionamento que precisava ser tocado para ser de fato real. E se tem uma banda que assumiu esse barulho e influenciou grande parte de bandas que vieram depois foi o Repulsion.

Os quatro moleques vindos de Michigan lançaram em 86 a demo tape The Stench of Burning Death e, depois disso, o underground daqueles dias nunca mais foi o mesmo. Nascia ali um dos principais pilares da música extrema.

Em nossa lembrança mais distante, o Repulsion era a banda estampada na camiseta do Shane Embury, baixista do Napalm Death. Sem internet e com pouco acesso a revistas, era assim que a gente conhecia novas bandas. Nas camisetas, nos agradecimentos dos encartes de outros discos, nas dicas de amigos, nas trocas de fitas.

A história do Repulsion é curiosa. Depois de lançar a primeira demo eles investiram 300 dólares para gravar algumas músicas que viriam a ser o disco de estreia, que iria se chamar Slaughter of the Innocent. Mas as gravadoras não se interessaram e, no mesmo ano, depois de alguns shows, o Repulsion deu um tempo.

Foto: Divulgação

Scott Carlson (baixo e vocal) e Matt Olivo (bateria) juntaram-se ao Death, que ainda dava seus primeiros passos, em uma mini turnê pela Flórida, e isso deu um estalo nos caras. Ao final da tour, os dois voltaram para casa e decidiram reativar a banda. Usaram os nomes Tempter, Ultraviolence e Genocide, até que decidiram por Repulsion.

Em 89 lançaram Horrified, pelo selo Necrosis Records, onde o dono era ninguém menos que Jeff Walker e Bill Steer, ambos do Carcass. Duas figuras bem conhecidas no circuito e que já tinham pirado na demo Slaughter of the Innocent. 

Horrified tem pouco mais de 30 minutos. Pouco tempo e uma importância definitiva. Nomes como Napalm Death, Nasum e Terrorizer, entre outros, foram influenciados pelo disco. Ao LA Weekly, Olivo disse que eles queriam “pegar o que o Slayer estava fazendo e torná-lo mais rápido e extremo… queria escrever coisas tipo D.R.I., só que mais metal…manter punk, mas deixar ainda mais rápido e sinistro”. Eles conseguiram!

S.O.B / NAPALM DEATH

Neste split a presença de uma sonoridade densa e violenta é tão eminente que, do primeiro ao último ruído, você tem a clara sensação de estar sendo agredido(a) por tudo que contorna esse disco.

O S.O.B, abreviação de Sabotage Organized Barbarian, é uma banda japonesa, de Osaka, formada em 1983. Quando as fitas eram a nossa rede de compartilhamento, o S.O.B foi uma das descobertas mais barulhentas e exóticas, afinal, não era nada comum conhecermos uma banda japonesa, muito menos tocando grindcore.

Não à toa, o Napalm Death era uma espécie de banda irmã dos japoneses. Sempre que possível, mencionavam o S.O.B, gravavam covers, faziam shows juntos. No grindcore puro e brutal, essa era uma dupla infalível, e esse split é o resultado disso.

Foto: Divulgação

Para o Napalm Death, que responde pelo outro lado desses álbum, o ano de 1989 foi  tanto um tanto prolífico. Além das seis faixas insanas desse split, eles também lançaram o Peel Sessions e o maravilhoso EP Mentally Murdered, o registro final da era puramente grindcore da banda.

Foto: Divulgação

Passar ileso é impossível. Não é o barulho pelo barulho. É o registro de dois diamantes violentamente brutos, prontos para serem descobertos e eternizados.

DEFECATION

Foto: Sounds Like Us

Na década de 90, ir até a Galeria do Rock para comprar um disco era um acontecimento. E esse processo se repetiu por várias e várias vezes. Claro que a compra era algo por si só mágico, mas a volta pra casa era tão encantadora quanto. A ansiedade era incontrolável, e o namoro com o disco já começava no transporte público durante o caminho de volta, acompanhado de adivinhações sobre como seria a sonoridade daquele disco e outras coisas mais. Em algum dia do ano de 1991, compramos Purity Dilution, na Devil Discos, uma das lojas do complexo localizado no centro de São Paulo.

A única informação que a gente tinha era que o Defecation era um duo (esse formato ainda era algo exótico) formado por Mick e Mitch Harris, ambos do Napalm Death. Sem nunca ter ouvido nada da banda, chegar em casa, colocar o disco na vitrola e sentir o impacto da introdução “Megaton”, emendada com “Vestige Of Earthly Remains”, foi um misto de paixão e euforia. Até hoje, essas duas músicas têm o poder de nos transportar de volta para o momento inaugural do Defecation em nossas vidas.

Putiry Dilution, que foi produzido por Dan Lilker (Nuclear Assault / S.O.D / Brutal Truth), é um tesouro do grindcore. Na época em que foi lançado, o disco, que foi composto em poucas semanas, foi um dos mais vendidos pela Nuclear Blast.

Pouco depois de ganhar uma prensagem brasileira, a banda encerrou suas atividades. Dizem que por divergências contratuais, mas em 2003, ainda usando o nome Defecation, Mitch Harris gravou todos os instrumentos e lançou Intention Surpassed, um álbum cansativo, sem a identidade e força que transbordam por todos os contornos de Purity Dilution.

TERRORIZER

Foto: Sounds Like Us

O nome Terrorizer veio de uma música do Master, banda de death metal comandada por uma das figuras mais respeitadas do metal morte, Paul Speckmann.

A primeira formação da banda era composta pelo baterista Pete Sandoval, o guitarrista Jesse Pintado, o vocalista Oscar Garcia, e o baixista Alfred Estrada. Em 87 eles gravaram a demo Nightmare. Na verdade era uma gravação de ensaio que, no comecinho dos anos 90, circulou pelas casas de alguns dos nossos amigos mais sortudos que sabiam o valor do que tinham em mãos, e não emprestavam aquela fitinha pra ninguém por nada nesse mundo.

No ano seguinte, Sandoval foi convidado para entrar no Morbid Angel, e isso significou o fim (temporário), do Terrorizer. Como consequência, Garcia voltou com o Nausea, sua antiga banda. Enquanto isso, Pintado juntou-se ao Napalm Death, e Estrada foi preso por sua ligação com gangues.

Já em 89, e depois de uma dedicada encheção de saco de Shane Embury em cima da Earache, o Terrorizer voltou, dessa vez com David Vincent no baixo, e em apenas oito horas gravaram World Downfall, um dos maiores clássicos do metal extremo.

Foto: Divulgação

Quando foi lançado no Brasil, a gente achava que World Downfall era o disco de um projeto dos caras do Nausea, Morbid Angel e Napalm Death. Naquele tempo não sabíamos que a banda já existia, o que responde a questão que já debatemos entre amigos sobre quem criou o grindcore, o Napalm Death ou Terrorizer. E se tudo der certo, esse tipo de conversa ainda vai durar por mais alguns longos anos.

EXTREME NOISE TERROR

450 millions animal are murdered in Britain every year. To be shoved down your throat and shat out of your arse…Murdaaaargh.

A banda mais punk do grind. Ou, como anunciado no disco ao vivo do Ratos de Porão, “os mais punks do mundo”. O Extreme Noise Terror é punk até o osso.

Além da matança de animais para alimentar uma indústria preocupada apenas com seus lucros, os berros de Phil Vane e Dean Jones também vociferavam raivosamente contra a polícia em “Bullshit Propaganda” – Police protect the rich / Uphold their fucking law / Police uphold the system / As they smash you to the floor / Because our so called freedom/ Is nothing but a farce. 

Vale lembrar que, nas primeiras demos da banda, o baterista era ninguém menos que Mick Harris, que depois foi para o Napalm Death. Outra curiosidade é que, em 1996, Mark Andrew “Barney” Greenway deu um tempo do Napalm Death e gravou Damage 381, como um dos vocalistas do Extreme Noise Terror. Na mesma época, Phil Vane foi para o Napalm Death no intuito de gravar Inside the Thorn Appart. A junção não deu muito certo, e Barney voltou para fazer os vocais com o Napalm Death.

Foto: Divulgação

Entender o que pra gente era parte de todo barulho punk/crust/grind construído pelo Extreme Noise Terror alimentou ainda mais nossa ligação com a banda. Musicalmente, eles sempre foram lindamente desagradáveis, sujos, ruidosos, eufóricos. Liricamente, uma banda direta.

De certa forma, assim como o grindcore, o Extreme Noise Terror é a prova de que por trás de todo caos, há um barulho necessário. Há o barulho que a gente nem sempre se atenta, mas que está ali, pronto pra ser descoberto e proliferado. A Holocaust in Your Head: um disco essencial!