Uma, duas, váaaaarias vezes já ouvimos que “os anos 90 foram a morte do metal”. Na teoria dos interessados em grandes manchetes para vender revistas ou ganhar mais likes, a década de 90 foi cruel com o metal. Mesmo contando com a fidelidade de seus seguidores, primeiro o estilo foi engolido pela onda das bandas vindas de Seattle. Pouco tempo depois, na segunda metade da década, pelo crescimento do nü metal.
Mas o metal tem algo muito especial que não se encontra facilmente por aí. Algo que não se monta, mascara e muito menos se mercantiliza: amor, integridade e lealdade. Tanto dos fãs, novos ou mais antigos, como das bandas.
Pensando nisso, a gente começou a pensar em cada grande disco que foi lançado de 1990 até 1999. Em todos aqueles anos tivemos grandes lançamentos – não necessariamente os melhores da época e de cada banda – e, mesmo assim, o grunge vendia milhões e o nü metal começava a se mostrar tão potente quanto. Ainda assim, o metal produziu discos incríveis. Alguns deles marcaram a história e estão aí pra provar que quem acreditou que aquela foi a década da queda do metal, se enganou, e muito.
Claro que em cada um dos anos tiveram outros grandes discos que não estão nessa lista, mas a nossa ideia foi realmente escolher apenas um de cada ano para quem sabe em breve trazer novas edições dessa lista com outros grandes registros do estilo.
Megadeth
Rust in Peace (1990)
Aqui o metal ainda não tinha sido sofrido tanto com a aumento do apelo do chamado rock alternativo. Hit Parader, Circus, Kerrang, Metal Mania, Raw, Rock Brigade, Top Rock e outras grandes revistas especializadas no Brasil e no mundo ainda tinham seu espaço e traziam grandes nomes em seu conteúdo. No ano em que o Nirvana já preparava o disco que ia virar o mundo de ponta-cabeça, o Megadeth lançou sua grande pérola: Rust in Peace. É seguro e justo afirmar que esse foi um dos discos divisores de águas no thrash metal. Ainda é referência pra muita gente que naquela época ainda eram jovens adolescentes que anos mais tarde montariam suas próprias bandas. Rust in Peace viu a luz do dia depois de três discos que já apontavam para uma evolução considerável, lírica e musical do Megadeth. “Holly Wars”, “Take No Prisioners”, “Tornado Of Souls” e a própria faixa título, ajudaram a mostrar que, nos anos 90, o metal estava mais vivo do que nunca – embora muita gente não quisesse enxergar.
Metallica
Black Album (1991)
O ano de 1991 foi muito doido. Doido mesmo, no sentido de que um monte de novos sons começarem a surgir e o rock já não se enxergava dentro de limites antes definidos. O que antes era somente hard rock, death, thrash e speed metal, ganhou subdivisões como o grindcore, o black metal, o rock alternativo, o grunge, o noise e até o funk metal, que em 86 já havia dado seus primeiros passos com o Aerosmith e o Run DMC em “Walk This Way”, e depois ganhado discípulos como o Mordred, o Mindfunk, Red Hot Chilli Peppers e o Faith No More. Um mundo que andava sedento por novidade e que recebeu um cometa que atendia pelo nome de Nirvana. Mas o metal não parou. Sem resiliência, viu centenas de pessoas passarem a madrugada numa fila imensa pra depois invadirem a Best Buy nos EUA. O motivo? Era lançamento oficial do novo disco do Guns n’ Roses, Use Your Illusion I e II. Foi coisa de louco. Um fanatismo que foi até televisionado como um evento mesmo.
O mesmo aconteceu com o disco do Metallica que chegava no mesmo ano. Pouco antes do lançamento oficial a banda soltou o clipe de “Enter Sandman”, com estreia de hora em hora nas MTVs do mundo todo. Antes disso, o Metallica só havia feito um clipe para “One”, do disco anterior …And Justice For All. “Enter Sandman” angariou novos fãs. Os mais antigos torceram o nariz, mas depois se renderam. Era uma grande música. Um riff memorável, cativante, daqueles que você consegue cantar. Metallica, ou Black Album, chegou às lojas no dia 12 de agosto. Produzido por Bob Rock (Mötley Crüe, Bon Jovi, Bush), é um disco cheio de músicas incríveis. Ali o Metallica se transformava de vez nesse gigante da música que conhecemos hoje em dia. Lotaram o primeiro Monsters of Rock em Moscou, fizeram shows enormes e, em 92, uma turnê com o Guns n’ Roses. Era o auge e mais uma prova de que, mesmo com a força do pop e do rock alternativo, o metal seguia muito bem representado.
Danzig
How the Gods Kill (1992)
Pra quem estava de braços abertos a grandes novidades, 92 também foi um ano generoso. Meantime, do Helmet; Pslam 69, do Ministry; La Sexorcisto, do White Zombie, e o primeiro disco do Rage Against the Machine chutaram a porta e deixaram um recado: é possível fazer música pesada de outra forma. Mas a pauta aqui é o heavy metal, aquele ser que, mesmo quando parece morto, está na verdade mais vivo do que nunca e produzindo coisas boas. Dentre todas elas, o excelente How the Gods Kill, do Danzig, foi um dos grandes daquele ano. É um disco alto, com som de bateria sobrando e músicas incríveis. Desde a faixa título faixa título, passando por “Godless”, “Bodies” e “Dirty Black Summer”, com seu jeitão de “Twits of Cain”, são matadoras. Sem falar em “Sistinas”, que foi feita ainda durante as sessões de gravação de bateria ali no estúdio mesmo. A história conta que Glenn Danzig queria uma vibe meio Roy Orbinson para essa faixa e conseguiu. How the Gods Kill traz na capa a arte do suíço Hans Rudolf Giger, mais conhecido como H.R Giger, que já havia criado a emblemática capa de To Mega Therion, do Celtic Frost. Uma grande banda e, definitivamente, um grande disco!
Sepultura
Chaos AD (1993)
“And Iiiiiii will always looooove youuuuu”. É, era assim que o ano de 93 soava na música pop. Pelo menos nas paradas da Bilboard. Não só lá, né? No mesmo ano a música alternativa via o Superchunk lançar seu grade On the Mouth, o rap se misturava ainda mais com o rock na trilha de Judgment Night e, ainda assim, o metal revelou discos como o incrívelWolverine Blues, do Entombed. Mas um dos grandes responsáveis por trazer algo realmente fresco para a música pesada e manter o metal no topo do mundo foi o Sepultura e o seu Chaos AD. Aí a coisa ficou séria. Muito groove, muito peso e uma unidade entre a banda que era impressionante.
Quem na época viu o famoso especial do Fúria Metal da MTV pode sentir que a banda estava concisa, forte e feliz. Eram amigos fazendo música com o coração e isso respingou em cada faixa de Chaos AD. Eram nossos heróis. Quatro caras dentro de um estilo onde há poucos anos os fãs eram chamados de marginais e tratados como tal. Era o mundo olhando para o Brasil, país de terceiro mundo, mas que na música estava conquistando algo só atingido por nomes como Tom Jobim. Era o Sepultura do BRASIL. E eles soavam imbatíveis. Se mostravam imbatíveis não só em estúdio, mas em shows que nos emocionaram como o feito no saudoso Olympia (SP), ou na praça em frente ao Estádio do Pacaembu
Pra nós, brasileiros, ver uma banda como o Sepultura crescer e angariar fãs como Ozzy é de dar um orgulho danado. Em 94 vimos eles no Hollywood Rock, festival que rolava em SP e RJ. Outra constatação de que o Sepultura estava gigante não só no mundo, mas por aqui também. A banda não estava escalada para o festival, mas um abaixo-assinado organizado pelo fã-clube da banda colocou o Sepultura no festival. E eles agradeceram com um show matador. Dias que ainda vivem frescos em nossas melhores memórias.
Machine Head
Burn my Eyes (1994)
Uma das bandas que cooperaram, e muito para esse respiro de atividade criativa dentro do metal durante a dita década decadente do mesmo foi o Machine Head, com seu primeiro disco, o Burn My Eyes. Claro, se analisarmos pelo que veio depois, dá até pra dizer que o Machine Head é o Overdose dos americanos, mas quem ouviu esse disco no seu lançamento e viu o clipe de “Davidian” passar muitas e muitas vezes na MTV foi atingido. Visual e riffs que misturavam bem o metal e o hardcore, músicas fortes, grandes refrãos e o background de Robb Flynn, que já havia passado pelo Vio-lence, nome forte da cena thrash metal da Bay Area dos anos 80. Não há como negar a força de “Old”, “A Thousand Lies” e “Blood for Blood”. É um thrashão daqueles, com riffs rápidos do jeito que a gente gosta e que o metal precisava.
No recorte da época, onde a segunda leva do nü metal vinha tentando dominar tanto quanto a primeira, o Machine Head caminhava com facilidade ao lado de bandas como Biohazard, por exemplo, e sempre reverenciava bandas como Cro-Mags, Discharge, Iron Maiden e Venom em versões bem interessantes. Um grande clássico do metal moderno.
Paradise Lost
Draconian Times (1995)
Este é não só um dos melhores discos do ano, como também um dos melhores e mais impactantes discos da banda. Em Gothic, lançado em 1990, o Paradise Lost deu origem à mistura do gótico com doom metal e depois disso ganhou a chancela de pais do estilo. É um disco acessível, mas vale lembrar que, antes disso, em Icon, eles já vinham fazendo músicas mais objetivas, e Nick Holmes já emulava os timbres de voz de James Hetfield. Aliás, no lançamento de Icon, de 1993, esse era o comentário geral em revistas, programas de rádio e entre os fãs nas praças onde se falava, ouvia e respirava metal.
Mesmo com todos esses enquadramentos, Draconian Times fez bonito e não sucumbiu ao grunge ou aos pós yarling que invadiam as rádios. Pelo contrário, o disco teve “Last Time” de single e ganhou um clipe que rodava em programação normal da MTV americana. No mesmo ano eles fizeram uma turnê grande que inclusive passou pelo Brasil, no festival Monsters of Rock. A gente teve o prazer de assistir e foi um baita show. Depois de Draconian Times, o Paradise Lost trouxe para o primeiro plano seu lado mais Depeche Mode e Sisters Of Mercy. Talvez por isso, dá pra dizer que, dentro da discografia do Paradise Lost até ali, Draconian Times era um disco ousado e um divisor na linha do tempo do heavy metal como um todo.
Amorphis
Elegy (1996)
O nü metal foi algo tão poderoso que levou até algumas bandas mais “tradicionais” a flertarem com essa nova roupagem da música pesada. Mas, para sobreviver, o metal também teve que se ressignificar. Dentro desse espectro, a gente escolheu o Amorphis para representar parte do novo caminho que o estilo vinha tomando.
Em seus dois primeiros lançamentos, The Karelian Isthmus (1992) e Tales from the Thousand Lakes (1994), eles já deixavam claro o gosto por grandes melodias, mas ainda dividiam o terreno com Tiamat, Anathema e outras que convivam no ambiente calcado no doo metal. Mas, em Elegy, o Amorphis pôde garantir de vez seu lugar no campo das grandes obras que o heavy metal já viu nascer. É um disco com muita identidade. Músicas lindas com temáticas sobre a cultura do país de origem da banda, a Finlândia, e um cuidado especial nas construções das linhas vocais.
É verdade que, deixando de lado um pouco a riqueza dos flertes do metal com o hardcore, os anos de 96 e 97 foram bem esquisitos, mas alguns ótimos álbuns mantiveram as coisas nos trilhos. Entre eles, Elegy, do Amorphis.
The Gathering
Nightime Birds (1997)
Aterrissamos em uma época em que o nü metal começou a dominar de vez. Chegava ao mercado o S.C.I.E.N.C.E, do Incubus, e o Around the Fur, do Deftones. Dois grandes discos. Junto disso, bandas como Kreator lançavam álbuns mais, digamos, arriscados. Pelo lado mais rock pop, o mundo recebia o The Verve, o The Colour and The Shape, do Foo Fighters, e ainda o maravilhoso Ok Computer, do Radiohead. Isso é só um rápido apanhado do cenário aparentemente desolador para o metal. Mas lá da Holanda vinha uma banda que chegou de devagarinho e nos encantou de vez com o lançamento do seu quarto disco. Nightime Birds é apaixonante. Sem dúvida um dos melhores discos de uma banda que, a partir daí, decolou na busca de sua própria sonoridade. Eles passaram pelo doom, pelo som mais influenciado por nomes como Mogwai, pelo trip hop, pelo rock mais direto, e sempre pareceu ser uma banda que orgulha de não se prender a um só estilo.
Músicas lindas, de instrumental delicado em equilíbrio com o peso quando necessário e a beleza da voz de Anneke van Giersbergen. Pacote completo para mostrar que, em 1997, o metal não deixou de procurar novos caminhos para se manter relevante e Nightime Birds, e também os discos que vieram depois, é parte importante nesse contexto.
Krisiun
Apocalyptic Revelation (1998)
Se a gente perguntasse para todos os que estavam ali, naquele show no ginásio da Portuguesa, que aquela banda, um Krisiun ainda quarteto, tocando no mesmo palco do Kreator, The Mist e Korzus, seria em alguns anos o maior nome do metal nacional, poucos assinariam embaixo, muitos apostariam, mas nenhum ali presente duvidaria.
O Krisiun é, e sempre foi, uma potência alimentada pela crença que cada integrante tem no heavy metal e por isso, “o Krisiun está aquiiii!!!”. E é mais que merecido. Com as demos The Plague e Evil Age eles já assustaram, no bom sentido. O Krisiun dava claros sinais de não ser somente mais uma banda de death metal. Com Unmerciful Order foi outro atropelo. O underground começava a reconhecê-los como uma promessa. E aí Black Force Domain e Apocalyptic Revelation conquistaram de vez o coração de todo e qualquer headbanguer órfão de uma banda que pudesse representá-lo genuinamente. O Krisiun passou a ser essa banda. “Kings of Killing” é, até hoje, um dos pontos altos no set list de todos os shows da banda. Mas Apocalyptic Revelation ainda traz outros grandes momentos que transformaram o Krisiun em um dos melhores e maiores nomes do metal mundial. Uma banda pela qual o fã se sente representado. Uma verdadeira entidade do metal onde o conceito de família é vivido ao extremo, assim como a música que continua servindo de trilha na caminhada dessa grande banda. Sim, veio do Brasil um dos discos que, no ano de 1998, ajudaram a manter o metal vivo e forte. E a gente tem um baita orgulho disso!
Testament
The Gathering (1999)
A sempre determinada indústria musical passou, na segunda metade dos anos 90, por um lance esquisito e ao mesmo tempo enriquecedor. Teve espaço pra todo mundo, ou quase. Aqui não dá mesmo pra falar que o metal não lançou coisas boas por causa desse ou aquele outro estilo que estava mais em evidência. O que vimos foi um batalhão de misturas e ótimos álbuns chegando ao mercado e o metal estava muito bem representado, obrigado.
The Gathering, do Testament, foi uma das melhores surpresas daquele ano. Trazendo em sua formação Steve DiGiorgio (Sadus), James Murphy (Obituary) e Dave Lombardo (Slayer) junto com Chuck Billy e Eric Peterson, esse disco foi uma grata surpresa. A banda vinha de um disco morno, o Demonic, e nesse cenário, The Gathering veio tão seguro que nem deu tempo de construir uma opinião sobre ele. Foi um verdadeiro atropelo. E quando isso aconteceu não restou dúvidas, o Testament viajou no tempo e tomou emprestada a famosa frase “E teve boatos de que eu ainda estava na pior, se isso é tá na pior, POHAN, quê que quer dizer tá bem, né?”