Pós Punk 4

In Bandas, Especiais

Homenagem às Mercenárias (Sandra Coutinho). Foto: Sounds Like Us

Vinicius Castro

Integridade e permissividade. No ano entre o nosso último especial e esta edição que você lê neste momento, essas foram as duas palavras que acenderam por aqui e que nos pareceram adequadas para tentar classificar os nomes pós punk que mais nos chamaram a atenção nesse período.

É cada vez mais elástico o leque de bandas que se atiram em terrenos mais experimentais e, por conta disso, ajudam a renovar a identidade do pós punk sem alterar seus alicerces. O clima melancólico, cavernoso e depressivo nem sempre é a mais escancarada das características. Nem todas as referências descendem do Joy Division, Sisters of Mercy ou do The Cure. Há cada vez mais a presença da rispidez do punk, das texturas do shoegaze, da tortice no wave, da sujeira do noise rock e até, por vez ou outra, o peso do metal. E isso é encantador. É o que faz com que a gente admire e mergulhe cada vez mais na gramática sustentável de um estilo que segue constantemente se refrescando ou mesmo mantendo seu DNA por mãos e corações que simplesmente revisitam suas mais ortodoxas características.

Nesta quarta edição reunimos 10 bandas que nos chamaram mais a atenção e que mais gostamos de conhecer e ouvir. Há um leque bem variado de musicalidade, o que reforça em nós o pensamento de que o pós punk é fiel a seus limites, mas sem que isso signifique enrijecê-los.

Leia também:
Pós punk – Parte 1
Pós punk – Parte 2
Pós punk – Parte 3

KÆLAN MIKLA

Foto: Divulgação

Sem dúvida Joy Division, Sisters of Mercy, Siouxie, Christian Death, The Cure e Fields Of the Nephlim são nomes reverenciados frequentemente no pós punk. Mas é um bom exercício fugir das referências óbvias e reconhecer a importância de nomes como Cabaret Voltaire, por exemplo, na gênese de  algumas bandas que caíram para o lado mais eletro do pós punk.

O Kælan Mikla – em inglês, algo como Cool Mass – é um desses casos. Além da referência citada no parágrafo anterior, há também no trio islandês formado por Margrét Rósa (baixo), Laufey Soffia (vocal) e Sólveig Matthildur (teclados/synth) a frieza estética de grupos alemães como o Xmal Deutschland e Clan Of Xymox, por exemplo.

Em 2018 elas lançaram Nótt eftir nótt. Pós punk cold wave da melhor estirpe. Viciante, é um dos melhores discos de pós punk lançado no já passado 2018. Claro, há certo exagero aqui, mas a música tem esse poder de causar reações hiperbólicas. O fato é que foi difícil manter distância do disco. Ouvimos incansáveis vezes, muitas delas no mesmo dia. A envolvente “Skuggadans” (Shadowdance) é a nossa predileta até o momento. Já Næturblóm (Nightflowers) transita por um universo mais palatável da música dark enquanto “Andvaka” (Sleepless) traz vocais gritados em um eletro robótico e cativante.

No fundo, o que o Kælan Mikla oferece é uma justaposição sensorial elaborada por texturas já familiares entre os frequentadores do pós punk. Em Nótt eftir nótt não há nada que uma alma carregada de melancolia não mereça e agradeça: texturas e paisagens geladas que sacodem a máxima de que os meios, em um ponto de vista geográfico, justificam os fins.

ASTMA

Foto: Diego Cagnato

Flávio Bá (baixo), Camilla J. Martins (vocal), Cauê Xopô (guitarra) e Fernando Chero (bateria) são figuras conhecidas do nosso punk subterrâneo. Já passaram por bandas como Ordinária Hit, Futuro, Metade Melhor, Plague Rages, entre outras tantas. Juntos eles se encontram no Astma, banda surgida das cinzas do Animal Heart e que constrói seu pós punk sobre contornos semelhantes aos de contemporâneos como Spectres, Arctic Flowers, Terrible Feelings e Estranged.

É interessante como a banda produz uma sonoridade sem as texturas viciadas ou cacoetes de uma equação da qual já sabemos o resultado. Na maioria dos casos, esse resultado é positivo, produz o que os aficionados pelo terreno cinza do pós punk querem ouvir, mas no Astma os trejeitos do estilo foram usados para outros fins.

Talvez soe estranho dentro de uma mesma frase, mas pra gente o som do Astma é povoado de referências góticas, mas pra cima, dançante, com toques de new wave, percepção confirmada em entrevista recente da banda ao Raro Zine (leia aqui). Nos parece vir mais da objetividade de algumas coisas do Wipers ou Magazine do que do contorno melancólico do Sisters of Mercy, o que só reforça uma presença maior da bagagem punk do quarteto, que acerta em cheio ao oferecer as intenções do pós punk – o que, pra nós, cai muito bem.

NAUCHNYY SOTRUDNIK

Entre nossas descobertas recentes, o Nauchnyy Sotrudnik (por favor, não nos peçam pra soletrar… risos) é um dos nomes mais interessantes. Vindo de Rostov-on-Don, Rússia, a banda faz uso de uma atmosfera glacial para gerar seu pós punk melancólico, dark e dançante.

Em 2017 o The Blog That Celebrate Itself trocou uma ideia com o Nauchnyy Sotrudnik que, na ocasião, se descreveu como “um projeto irônico, com letras cheias de sarcasmo”. Eles ainda reforçam a presença de diferentes temas, como Gulag e dissidência, e comentam: “Em nossas letras há espaço para reflexão e discussão”. Quando a questão foi abordar suas influências, o responsável pelo Nauchnyy Sotrudnik disse que escutou black metal e death metal durante toda sua infância. Aos 13 anos tocou em uma banda punk, depois hardcore e só mais recentemente se interessou pela música eletrônica. É com essa bagagem que o Nauchnyy Sotrudnik constrói seu universo criativo e a gente agradece essa mistura. Grande banda!

DUPLO

Foto: Regis Bezerra

Skronk foi um termo criado no começo da década de 80 pelo jornalista musical Lester Bangs em referência ao punk-arte feito final dos anos 70. Já segundo o Urban Diccionary, skronk é um termo usado para definir uma música dissonante, discordante e barulhenta. Bandas interessantíssimas, como o Blurt, foram vestidas por essa alcunha. Por algum motivo, o Duplo nos levou pra esse lado ruidoso e hipnótico do pós punk.

A banda foi formada em 2017 por uma galera do Rakta, Gattopardo e Cãos, e no ano seguinte lançou sua primeira e homônima demo. A previsão é que um novo registro seja lançado no início de agosto, mas enquanto isso não acontece, dá pra ouvir a nova faixa, “Dance”, no Bandcamp. É pós punk concreto e com uma reminiscência de nomes nacionais, da década de 80, que edificaram o nosso pós punk para que ele chegasse rico aos dias de hoje. A sensação é que o Duplo conversa com a poesia e a musicalidade da geração de Fellini: “Não temos nada e não podemos parar. O mundo queima e nós queremos dançar…”. Então, dance!

DEATH INSTINCT

Vocais com uma pequena dose de distorção, batidas retas e tribais, baixo sempre carregado de melodia e guitarras altas, cheias de reverb e microfonias que trabalham a favor do clima que o Death Instinct constrói.

A demo tape do trio formado em Pittsburgh, lançada em 2016, já dava indícios de que os caras entenderam muito bem o recado de nomes que souberam usar o ruído a seu favor, como o Jesus and Mary Chain, por exemplo. Por conta dessas referências mais diretas, dá pra colocar o Death Instinct em um lugar entre o pós punk e o shoegaze, já que a utilização das texturas criadas a partir do uso dos pedais é protagonista na musicalidade da banda.

IORIGUN

Foto: Maíra Dórea

O Iorigun foi formado em Feira de Santana, na Bahia, e Skin, lançado no ano passado, é um disco pegajoso, no melhor sentido que isso possa significar. Em todas as seis faixas, incluindo a curta “Under My Skin”, o que Iuri Moldes (guitarra e voz), Moysés Martins (baixo), Fredson Henrique (guitarra) e Leonel Oliveira (bateria) trazem é aquele pós punk revival do início dos anos 2000 com uma relação bem próxima do indie daquele mesmo começo de década.

Entre as faixas de Skin, “In the Edge of Something Be” oferece uma lembrança de Bloc Party e The Pains of Being Pure at Heart em seu refrão. Não teve jeito: passamos um tempão com essa música na cabeça. O início de “Fight to Forget” nos levou de volta para a fase Antics, do Interpol, principalmente pelo detalhe no bend do riff que inicia a música.

As influências na musicalidade do Iorigun são explícitas e recorrentes de um tempo onde o revival(?) do pós punk era o ponto alto numa parábola criada para vender novas bandas. O bom é que algum tempo depois, ainda bem, o pós punk foi devolvido para o canto mais sombrio da música, ainda que com um rastro de mainstream aqui e ali. No Iorigun esse rastro é positivo, e Skin foi pra gente uma grata surpresa.

TEMPOS DE MORTE

Foto: Divulgação

Durante a primeira metade da década de 90, Iron Mask, do Christian Death, foi um dos nossos discos de cabeceira. A voz dramática de Rozz Williams combinada com a sonoridade orgânica daquele disco trouxeram um novo viés para o pós punk que a gente conhecia.

No Tempos de Morte, banda formada em Itapetininga por Alê (vocal), Bruno (guitarra), Fejones (baixo) e Zorel (bateria), as vocalizações são mais cavernosas, mas, musicalmente, fomos transportados de volta para o Christian Death, principalmente para “Figurative Theatre”, de Iron Mask, originalmente gravada em Only Theatre of Pain. Os longos e hipnóticos fraseados de guitarra, repletos de efeitos, desenham uma trilha sonora de tempos distópicos cantados pelos vocais graves de Alê, com a dose ideal de reverb, artifício do clássico gótico oitentista.

Depression é o nome do disco lançado pelo Tempos de Morte em 2019. Um leque que circula o punk e o pós punk com tudo aquilo que a gente, lá nos anos 80 e 90, chamava de música dark: melodias frias, claustrofóbicas e andamentos diretos. “Deathbird” e “Dark City” já estão entre as nossas prediletas, mas Depression é um registro bom por completo. Um reforço de que o Brasil vive um ótimo momento na produção de boas bandas geradas no universo esfumaçado do pós punk.

COLLATE

Minimalista, no wave e uma esquisitice sonora deliciosa. O Collate é um trio formado em Portland, terra que já há algum tempo tem nos oferecido bons nomes desse cenário. O trio formado por Jason (vocal e guitarra), Erika (baixa e vocal) e Travis (bateria) navega pelo lado abrasivo do pós punk do it yourself, literalmente, já que o último disco, Liminal Concerns, lançado em 2018, foi gravado no espaço de ensaio da banda, em uma mesa de som Tascam Portastudio 488 MKII.

As guitarras agudas e cortantes emulam um pouco os timbres usados pelo Joy Division, mas os resultados das músicas estão longe da veia mais triste e melancólica dos ingleses.

Identificar o lo-fi minimalista do Collate não é lá uma tarefa das mais simples, mas dá pra dizer que eles têm algo dos ruídos do Sonic Youth, da postura do The Fall de álbuns como Grotesque, e em menor escala dos primeiros discos do Devo. Se toda essa mistura fizer sentido na sua cabeça, o Collate é uma banda que você precisa conhecer.

CHAIN CULT

Foto: Divulgação

Há resquícios de T.S.O.L e Christian Death por aí e isso é bom demais! O Chain Cult, da Grécia, é um desses casos. Neles o pós punk é declaradamente parente próximo do punk. O lado gótico aqui não aparece tanto e, contrário aos vocais mais graves, a banda aposta em atos mais urgentes e, de certa forma, até convocatórios. Ou seja, punk!

O último lançamento da banda é um EP de 2018, Isolated. E se no mesmo ano eles já tinham soltado uma demo enérgica e cheia de boas composições, com Isolated a coisa melhorou. Tanto a faixa título como “Noise & Regret” se aproximam um pouco mais de arranjos de guitarra com mais melodias calcadas em frases características com os trejeitos do gótico oitentista. Pra quem já acompanha nossas séries sobre o pós punk, dá pra colocar o Chain Cult ao lado de uma outra banda que já passou por aqui e de que a gente gosta bastante, o The Wraith.

DEATH COMES CRAWLING

Dis Pater

Este é um dos projetos do australiano Dis Pater, também conhecido por sua outra banda, o Midnight Odyssey, onde ele explora as camadas do black metal atmosférico. O Death Comes Crawling é um mergulho nas pistas de dança do início da década de 80, tempo em que o synth era a bola da vez e o pop começava a flertar com alguns pontos da música gótica.

O Death Comes Crawling tem a vibe cinzenta do pós punk/ gótico mais dançante, então se você gosta de Depeche Mode, Pet Shop Boys e nomes mais atuais como Drab Majesty, vai se sentir em casa. É apertar o play e a viagem pelas pistas de casas como Retrô, Madame Satã, Contramão ou Rose Bom Bom começarão imediatamente. Ouça “The Changing Winds Of Fortune” e “Close Your Eyes” e aproveite cada segundo.