Revisitando Um Clássico: McLusky – ‘The Difference Between Me And You Is That I’m Not On Fire’

In Discos
Vinicius Castro

Entre uma dose e tanto de revivals, talvez o que a gente precisasse mesmo, depois de tanta saturação em meio a batidas dançantes previsíveis que revistaram parte da sonoridade da década de 80, era de um reencontro com o barulho.

Precisávamos de um baixo em volume alto, guitarras saturadas e daquela bateria que nos atinge direto no estômago. Claro, há muita coisa boa produzida naquele início dos anos 2000, mas o ponto é que, já perto da metade daquela mesma década, o pulso era por uma volta de um rock inconsequente e alto, muito alto.

O rumo do nosso encontro com o McLusky começou quando entramos em uma loja de discos da zona oeste de São Paulo, acompanhados de um casal de amigos, e começamos a olhar alguns discos. Entre uns conhecidos e outros não, um dos atendentes nos indicou a banda, formada na Inglaterra, mais precisamente de Cardiff, por Andy “Falco” Falkous (vocal/ guitarra), Jack Egglestone (bateria) e John Chapple (baixo e vocal).

Foto: Divulgação

Havia dois CDs na loja e, direcionado por nossas conversas ali no balcão, o atendente tocou um dos discos do McLusky: The Difference Between Me And You Is That I’m Not On Fire. O nome, de tirar o fôlego, condiz com a sensação diante daquela sonoridade. Um barulho que paralisa!

O disco chamou muito a nossa atenção e bastaram alguns instantes do início esquisito de “Without Msg I Am Nothing” para que a gente pudesse conectar aquela sonoridade ruidosa com algo da peculiaridade do Pixies, incluindo um tom irônico presente em Black Francis, mas com um tempero especial à la Killdozer, Feedtime, entre outras pérolas do noise rock. No vídeo abaixo dá pra sentir um pouco da potência dessa música e da banda no palco.

Gravação alta, suja, livre. Era rock sem revival. Conectado sim com o que as referências há pouco citadas já haviam feito, mas com uma identidade, boa parte por conta do timbre de voz de Falco, que até hoje soa de forma particular.

The Difference Between Me And You Is That I’m Not On Fire foi produzido por Steve Albini, que já havia trabalhado com a banda em Do Dallas. O renomado produtor do rock alternativo foi chamado novamente para The Difference Between Me And You Is That I’m Not On Fire, onde assina a produção de todas as faixas, com exceção de “That Man Will Not Hang” e “Lucky Jim”, gravadas por Greg Norman.

The Difference Between Me And You Is That I’m Not On Fire. Foto: Sounds Like Us

A essa altura, dentro da loja, já estávamos convencidos. É como se aquelas músicas escancarassem do que a gente precisava naquele período.

Já em um primeiro momento, a terceira faixa, “She Will Only Bring You Hapiness”, nos lembrou algo de Pavement, enquanto a ruidosa “Kkkitchens, What Were You Thinking” flerta de leve com “March Of The Pigs”, do Nine Inch Nails. Duas músicas incríveis!

A ferocidade do disco não reserva muito tempo para um respiro de alívio. Mesmo em momentos mais, digamos, arrastados, existe uma tensão e uma ironia inteligente que configuram um ambiente muito acessado por Falco, como em “Your Children Are Waiting for You to Die”, “Forget About Him I’m Mint”, e nas barulhentas “Icarus Smicarus” e “Slay!” — esta última uma das nossas prediletas, que traz uma interessante dinâmica e uma construção de riffs que dialogam com o que o Fugazi fez na época de Argument. Vale mencionar uma curiosidade bem legal, as linhas de trompete em “Forget About Him I’m Mint” foram gravadas por Bob Weston, conhecido por tocar no Mission of Burma, Shellac, Volcano Suns e também por produzir discos como Four Minute Mile, do Get Up Kids; e ser o engenheiro assistente de Steve Albini durante as gravações de In Utero, do Nirvana.

Em algumas entrevistas, Falco sempre nos parece pouco amigável às comparações que o McLusky sofreu em relação ao Shellac. Talvez por conta da banda de Albini ser um dos nomes mais lembrados quando o assunto é o noise rock, mas Falco tem certa razão. A convivência das duas em um mesmo universo não necessariamente favorece uma comparação pertinente. Ao Quietus, Falco chegou a contar que se há uma música que pode ser comparada ao Shellac, talvez seja “You Should Be Ashamed, Seamus” e, ainda assim, somente na última parte e com um breve tempero de Melvins, diga-se.

Foto: Jonathan Pirro

“Lucky Jim” e a nirvanesca “Falco Vs. The Young Canoeist” têm andamentos mais palatáveis, até que o encerramento aconteça com “Support Systems”, outra grande amostra de dinâmica ruidosa proposta por eles incansavelmente.

The Difference Between Me and You Is That I’m Not on Fire é nosso disco predileto. A banda encerrou suas atividades ainda em 2005. Depois disso, Falco chamou o segundo baterista de Mclusky, Jack Egglestone, e juntos montaram o Future Of The Left, menos impiedoso e barulhento que o Mclusky, mas ainda assim, uma grande banda.

Voltando para a metade dos anos 2000, para dentro daquela loja onde ouvimos o disco pela primeira vez, ao final veio o inevitável: “Vamos levar!”. E assim garantimos o nosso CD de The Difference Between Me and You Is That I’m Not on Fire . O atendente, atencioso, disse que havia um outro CD da banda na loja, era o registro de estreia, o também ótimo My Pain and Sadness Is More Sad and Painful Than Yours, de 2000. Este ficou com o casal de amigos que estava junto com a gente. A título de curiosidade, vale mencionar aqui que a NME chegou a colocar esse disco como um equivalente a Bleach, do Nirvana. Talvez não seja pra tanto, mas vale você ouvir e tirar suas próprias conclusões.

Por fim, a volta pra casa foi acompanhada por aquele disco e a deliciosa sensação de descobrir uma nova banda, conversar sobre ela ali, no ato da audição, trocar impressões e criar memórias carregadas de um tanto bom de significados que podem ser revistados até hoje e acompanhados por cada bom momento de The Difference Between Me and You Is That I’m Not on Fire.

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Foto: Divulgação