Entrevista: Fenriz (Darkthrone) 25 anos da gravação de Soulside Journey

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Estar entre os reis do black metal do início dos anos 90 não basta. É pouco para uma banda como o Darkthrone. Para saber mais de clássicos como Transilvanian Hunger ou Under a Funeral Moon, você com certeza vai encontrar várias entrevistas ou artigos espalhadas pela internet. Mas a gente queria falar de um disco rico, emblemático e peça única na carreira dos caras: o Soulside Journey.

Uma das resenhas da época dizia “don’t start here if you’re trying to get into Darkthrone, that is the message”. A gente discorda. É exatamente esse disco, e todo o contorno da história que ele carrega, que faz com que a gente possa entender o movimento da banda em direção ao black metal e, mais recentemente, ao estilo mais cru e tradicional com pitadas de metal punk.

Em 2015 faz 25 anos que a banda entrou em estúdio para gravar uma coleção de músicas intrincadas e que em quase nada se relacionam com o que eles vieram a fazer depois disso. A abordagem minimalista, primal, e os riffs sombrios e técnicos resultaram nesse primogênito de gênio forte, que até hoje divide opiniões.

Para nós, não teria jeito melhor de brindar esse feito do que trocar uma ideia com um dos caras responsáveis por essa obra-prima. A gente falou com o Fenriz, baterista, compositor e fundador de uma das melhores bandas do mundo. Sim, do mundo. Parece exagero, né? Deve ser. Mas é que uma banda como o Darkthrone é feita de exageros criativos, na atitude e convicção de criar obras que reflitam o respeito que eles têm pela sua música.

Fenriz_Darkthrone
Explicamos para o Fenriz que a gente gosta muito de vinil e perguntamos se ele poderia escolher um disco que ele gosta e enviar uma foto pra gente. Ele escolheu o Hotter Than Hell, do Kiss.

Sounds Like Us: Como era a Noruega e como andava sua vida quando você gravou o Soulside Journey?
Fenriz:
Na verdade, acho que era como hoje. Acabávamos de sair de uma monótona década de 80 aqui. Havia música, mas era um país muito jovem musicalmente falando. Não acontecia muita coisa ao vivo se compararmos com os dias atuais (Oslo é uma das cidades musicais mais movimentadas do mundo e a Noruega é um dos países mais movimentados com seus festivais). Como país, a gente precisava de muito incentivo e, levando em conta todo o espírito provocativo do black metal, o sucesso dele acabou ajudando a Noruega a se tornar uma nação musical. Mas a vida era liberal por aqui. A geração irônica estava prestes a sair de cena e também tínhamos acabado de sair da Guerra Fria. De 1988 até o comecinho de 1990, nosso lugar de ensaios era um abrigo antibomba que ficava sob uma fileira de estacionamentos. Por causa da Guerra Fria, tínhamos que levar todo o equipamento para baixo e transportá-lo para um alojamento a cada ensaio… hahaha. Um saco, mas esse é apenas um dos detalhes de como se preparar para a guerra.

E minha vida era ótima, uma vez que meu único objetivo era conseguir assinar com uma gravadora. Não estava muito interessado em tocar ao vivo e, quando criança, não cheguei a sonhar muito com os palcos, só em fazer discos. Sempre fui e serei uma pessoa de DISCOS, não uma pessoa de shows. Descobri o underground no comecinho de 1987 e, desde então, era o que eu fazia na época do Soulside Journey (eu meio que dei uma parada do underground de 1991 a 2004, mas não completamente), que era, naturalmente, trocar cartas e música com o underground mundial, que era a nossa internet antes da internet.

Sounds: Nessa época quais eram as bandas que você mais escutava? Consegue se lembrar do primeiro disco de metal que comprou na vida?
Fenriz:
A gente [ele e Nocturno] era fã de música desde muito cedo, e me sinto muito feliz em dizer que começou quando eu tinha 1 ano e meio, quando meu tio Stein colocou Pink Floyd para eu escutar. Ele viu minha reação e me deu um disco no meu aniversário de 2 anos, no final de 73. Ele gostava demais de Pink Floyd para se desfazer do disco, então ele me deu o Morrison Hotel, do The Doors, que tinha a pesadona “Waiting for the Sun”. No ano seguinte ganhei a trilha sonora do filme Easy Rider (com “Born to be Wild”, do Steppenwolf, a primeira música a mencionar a palavra HEAVY METAL), e ganhei o Sweet Freedom, do Uriah Heep, que foi meu disco favorito. Provavelmente ainda é. Aquele disco é minha VIDA, VIDA, VIDA! Mas depois disso não ganhei mais nada, não tinha grana. Daí entrei na escola e conheci o Kiss em 1980, e depois AC/DC, Black Sabbath, Iron Maiden, Dio, Accept e também o Hanoi Rocks, de quem eu tenho uma tatuagem grande; e finalmente, o Metallica e, em seguida, o Slayer, na época perfeita dos meus 13-14 anos.

Como tínhamos gravadores nos nossos quartos, a gente comprava fitas K7. As vitrolas ficavam na sala e nossos pais geralmente não queriam escutar hard rock/ heavy metal. Comprei o Hotter than Hell, do Kiss, em vinil e claro, ele continua sendo um dos meus LPs preferidos. Os discos do Iron Maiden eu ganhava nos meus aniversários, porque todo ano eles eram lançados por volta do mês de outubro. Highway to Hell, do AC/DC, também foi um que comprei bem precocemente. Mas não antes de 81/ 82. Acho que fui ter um toca-discos no meu quarto por volta de 82 ou, pera aí, isso deve ter rolado depois do Lick it Up, do Kiss, em 83. Acho que ganhei um toca-discos no fim de 83, ou melhor dizendo, depois de ter ido para uma LEIRSKOLE (esses passeios escolares para que as turmas se conheçam são comuns por aqui, e geralmente se vai mais às montanhas, para construir cavernas de neve, andar de ski e aprender a viver em uma cabana). Isso deve ter sido no começo de 84 e me lembro de voltar pra casa e encontrar um toca-discos que meus pais compraram pra mim. Muito amor por ele. Mas isso PODE ter acontecido no fim ou no início de 85. Desculpe, é bem difícil lembrar, em todo caso, tive discos de vinil desde que nasci, mas é uma grande diferença escutar na sala de estar em vez de no meu quarto, então era costume eu gravar tudo na sala e continuar a escutar no tocador de K7. Esse gravador de K7 acabou revolucionando a música, uma vez que cada pessoa podia gravar suas bandas (ensaio e demos de ensaio), e com o underground já reaparecendo no início dos anos 80, a revolução estava começando.

Darkthrone em 1990, no Sunlight Studio, Estocolmo

Em 90, quando gravamos Soulside Journey, a gente começou a escutar qualquer coisa. Passamos pela fase do thrash, death thrash, death metal e doom. Era hora de voltar e ouvir mais Black Sabbath, Last in Line, do Dio (pra mim, pessoalmente, um disco muito importante), Motörhead, Bathory e Celtic Frost. Todas essas coisas, que começaram em 89 para mim expandiram meus gostos e sentidos. Então, quando eu estava em Estocolmo para gravar o Soulside, em setembro de 90, eu também comprei alguns discos. Lucifuge, do Danzig, Ishtar, do Adrenalin O.D, Gloom, do Macabre, o homônimo do Trouble (um dos meus favoritos desde então) e também um LP do STRYPER, para o incrível aborrecimento de todos… hahaha. Em 90, eu comprei quase nada de death metal (embora tenha sido o estilo que a gente dominava na época). Começamos a ficar retrô com todas as coisas primitivas que estávamos escutando, com Black Sabbath, Bathory e Celtic Frost, e passou a ser lógico sair do death metal mais técnico e tocar de uma forma mais primitiva no início de 91.

Sounds: Como você achava que seria o futuro do Darkthrone na época do lançamento de Soulside Journey?
Fenriz:
A gente só esperava que as pessoas fossem gostar do nosso cosmic death metal. A gente estava feliz por ter um contrato de gravadora, mas era uma felicidade misturada com melancolia, e logo a escuridão ficou mais presente nas nossas vidas.

Ted Skjellum, Ivar Enger, Hank Amarillo e Dag Nilsen

Sounds: Aqui no Brasil era difícil conseguir discos novos. Sem internet, os discos lançados na época chegavam pra gente com meses, às vezes anos, de atraso. Escutamos o Soulside Journey por volta de 1991, em uma fita K7. Como era pra vocês na Noruega? O acesso era mais fácil ou tão difícil quanto?
Fenriz:
Olha, eu comprei os dois primeiros do Sepultura do próprio Max no fim de 86, por meio da DEATHVINE, uma coluna de meia página da revista Kerrang. Era como um mini fanzine. Os discos chegaram um ano depois, junto com uma carta de pedido de desculpas do Max. Ele também enviou o disco novo, em reparação ao meu tempo de espera. Era o Schizophrenia, um dos meus discos favoritos de thrash até hoje. Eu pude comprar os discos do Sarcófago por correio. Isso era tudo que eu tinha, porque aqui a distribuição era fraca na época e, na verdade, sempre foi assim, pelo menos para freaks do underground como eu. Vocês poderiam ter trocado fitas do Darkthrone. Nós trocamos fitas com coisas da América do Sul. Era comum ter demos de lugares exóticos (como a Noruega, para vocês) em 88, 89. De qualquer forma, depois de 87 eu quase não comprava discos de metal nas lojas mais. As coisas de que eu gostava eram muito underground. Mas eu podia comprar alguns discos, claro.

Sounds: O início da década de 90 também foi muito rica em descobertas. Você consegue se lembrar de alguma banda que você conheceu nas famosas trocas de fitas e que acompanha até hoje?
Fenriz:
Haha… de pelo menos uma centena! Eu não sou como os velhos caras do metal dos anos 80 que, logo depois do sucesso do primeiro disco, se esqueceram do lugar de onde vieram. Eu dedico pouquíssima parte do meu tempo promovendo a minha própria banda, e grande parte divulgando a música de OUTRAS PESSOAS.

Nocturno Culto, Dag Nilsen e Zephyrous, em 1990

Nas trocas de fitas ou apenas comprando demos mesmo, foram Sabbat, da Inglaterra; Poison, da Alemanha; Agony, da Suécia; Nihilist, Brainwarp, Entombed, Devastation, Revelation (doom), Regurgitation, O.L.D, Spazztoc BLurr, Sindrome Halls of Extermination, a segunda demo do Nocturnus, Autopsy, Death Strike, Vomit (Noruega), Mefisto (Suécia), Pentagram (Chile), Death Yell, Obscurity (Suécia), Paradox, Obliveon (Canadá), Cerebral Haemmorhage (projeto paralelo do Whiplash que era tipo um S.O.D), Soothsayer, Devastation (eu escrevi no encarte do relançamento), Fantom Warrior (escrevi no encarte do relançamento deles também), Morbid, Mayhem, Cadaver, Impostor, Insecticide, Sacred Reich, Merciless, Massacre, Death, Intense Mutilation, Multilator/Multilated, Necrovore, Slaughter Lord, Carcass, Immolaton, Macabre, Pestilence, Rotting Christ, Annihilator, Dr Shrinker, Kazjurol, Minotaur, Battalion, Crionic, Mental Decay, a demo de ensaio do Dismember (não gosto muito da fase recente), Grave, Xyster, Aggressor (Itália), Morbid Angel, Goatlord, Righteous Pigs, Groovy Aardvark. A lista poderia se estender com o que eu continuo gostando e escutando. Provavelmente devo ter esquecido um monte de bandas importantes. Em uns dois anos eu já tinha algumas centenas de demos.

Foto: SOUNDS LIKE US

Sounds: Comparando todas as gravações, Soulside Journey é um disco diferente dos que vieram depois, já que A Blaze in the Northern Sky inaugura uma fase mais crua e orgânica da banda…
Fenriz:
Bem, isso se comparando ao Soulside Journey e ao Goatlord, que a gente compôs e gravou demos de ensaios entre outubro de 90 e fevereiro de 91. Era porque nós experimentamos uma fase mais retrô durante o ano de 1990. Nós fomos uma das primeiras bandas de metal retrô, mesmo sem ter essa intenção. Na verdade, ninguém havia usado o termo RETRÔ até então.

Sounds: Talvez porque vocês não se identificavam mais com aqueles timbres registrados na gravação.
Fenriz:
A gente não queria ser associado com um gênero que vinha ficando polido demais. Eu tinha o som underground no meu sangue. Mas também pelo que a gente tinha escutado.

Darkthrone em 1990, no Sunlight Studio, Estocolmo

Sounds: O quanto a gravação desse disco foi importante para que vocês se encontrassem como banda?
Fenriz:
Não foi. A gente não tinha muito tempo e queríamos gravar no Creative Studio, um estúdio local, mas ele era muito caro naquela época. Nós não queríamos soar como as outras bandas polidas de death metal, mas sentimos que não tínhamos escolha. O Sunlight Studios era seguro e barato e nós pudemos contar com a ajuda dos nossos amigos do Entombed, então foi uma bela viagem e tudo mais. Mas nós aprendemos que não vamos mais abrir concessões, se não precisarmos. E sempre tentaremos atingir um som mais orgânico. Não plástico.

Sounds: Vocês já tinham tido alguma experiência em estúdio antes disso? Tiveram alguma ajuda ou conselhos de amigos ou de outras bandas da época?
Fenriz:
Sim, em um mini estúdio onde gravamos a demo Thulcandra, no nosso lugar de ensaio, a 200 metros de onde estou agora. Claro que eu tinha que voltar pra casa. E também nos convidaram para um projeto com a NRK (espécie de BBC norueguesa) para fazer um vídeo e uma gravação de estúdio para alguns estudantes de TV, então aquela versão da música entrou como bônus da nossa demo da “Cromlech” [acreditamos que ele se refira a “Iconoclasm Sweeps Cappadocia”] e no relançamento das nossas demos pela Peaceville. Pelo menos umas duas vezes. O Uffe, do Entombed, também ajudou a gente no Soulside Journey.

Fenriz e Nocturno em frente ao Sunlight Studio, em Estocolmo (1990)

Sounds: E depois de gravar vocês ficaram felizes com o resultado? Hoje é um disco que te agrada? Você já pensou na possibilidade de mudar alguma coisa nele?
Fenriz:
Provavelmente é o disco que eu mais escutei, porque ele é o primeiro. Mas eu continuo não gostando do som. Eu poderia sonhar e sonhar em como ele soaria se tivesse o som do Mob Rules, do Black Sabbath, ou da segunda demo do Nocturnus, que é o que a gente teria feito se tivesse 25.000 Kr [coroas – moeda da Noruega] para ir ao Creative Studio. A gente só tinha 10.000 kr, então tivemos que ir ao Sunlight.

Sounds: Já era intencional uma sonoridade mais death metal sueco mesmo antes de vocês decidirem gravar o disco na Suécia ou foi uma influência do ambiente mesmo?
Fenriz:
Depois que o Sunlight teve um upgrade, assim como o Morrisound teve também, os discos que eram gravados nesses estúdios começaram a soar todos muito parecidos. Por isso, não importava de onde você vinha, você iria soar como Morrisound ou Sunlight. Não tinha muito a ver com os países, mas sim, também havia algo do death metal sueco e americano. Se você analisar nossas músicas, elas têm muito mais a ver com Autopsy, Nocturnus e Morbid Angel do que com qualquer outra banda sueca. Eu vinha seguindo o Nihilist desde que o Nicke me escreveu, no verão de 87, querendo uma demo do Black Death, uma banda de merda que eu tinha na época. Ele não gostava da minha banda, claro, mas mantivemos a troca de fitas. Nicke se tornou meu mentor no underground porque ele tinha as demos mais fodas. Então, ele me enviou um ensaio do seu novo projeto, Nihilist, e eu gostei pra caralho daquilo. Mas eles sempre tiveram uma pegada diferente da nossa. A gente ia por um caminho mais técnico e espacial, mas ao mesmo tempo, dark.

Fenriz ainda nos tempos de Black Death (pré-Darkthrone)

Sounds: Quando vocês entraram no estúdio para gravar, já tinham as músicas compostas e finalizadas? Nessa época, você e Ted compuseram as músicas juntos, presencialmente?
Fenriz:
Nós escrevemos as músicas juntos desde o verão de 88. Isso rolou até depois do A Blaze in The Northern Sky. Todas as músicas eram sempre finalizadas antes de entrarmos no estúdio, eu odeio fazer parte desse processo. Eu só quero gravar rápido, e isso faz com que eu não me canse. As coisas do Soulside foram bem ensaiadas. As mais novas ficaram melhores, já as mais ensaiadas não ficaram tão boas, então eu aprendi a entrar em estúdio com as coisas ainda frescas. Mas não é uma regra, é só o jeito como a gente funciona. De qualquer forma, eu escrevi sobre isso no nosso box de 3LPs que saiu no ano passado.

Encarte de Soulside Journey. Foto: SOUNDS LIKE US

Sounds: A impressão que temos é que, na época, o Soulside Journey era um disco a ser descoberto e não algo que estava ali, fácil de digerir. Hoje, ele tem um status cult por conta dos novos fãs que cada vez mais o descobrem. Você concorda com isso ou acha que ele é apenas o primeiro passo de um processo evolutivo na carreira de vocês?
Fenriz:
Foi mais como um destaque a ser completado pelo ainda mais dinâmico Goatlord, que a gente compôs depois. Era um disco muito bom, mas infelizmente TAMBÉM não foi gravado no Creative Studio. Era uma maldição para o Darkthrone death metal. Acho que até vendeu bem, não havia muitos discos de death metal lançados na época. Se você é o primeiro, ou se você lança algo na moda, o que aconteceu alguns anos depois, você normalmente vende mais. Digamos que a gente estava no meio. De qualquer forma, o disco demorou tanto pra sair que a gente já tinha lançado o Goatlord e começado a tocar black metal, então virou coisa velha pra nós. Além disso, as músicas eram de 89/90. Não era exatamente um material recente quando saiu, em 91. Se mais pessoas o descobrem [o Soulside Journey], legal, mas elas precisam entender que nós não queríamos aquela produção. Ouça a segunda demo do Nocturnus para entender que tipo de som a gente precisaria ter. Acho que foi bastante normal escutá-lo aqui no “mundo ocidental”… hahaha.

Sounds: Quais bandas você citaria como influências, e quais foram referências pra vocês na época?
Fenriz:
Bem, a primeira coisa que você tem de vocal no álbum é “Lucifer!… Master…” que eu cantei como um tributo ao segundo disco do Possessed. O Mallevs Malleficarvm, do Pestilence, foi um disco importante pra gente, Celtic Frost…tinha um riff de Celtic Frost lá. Muitas e muitas referências, e agora eu tenho um leque eterno de referências que são boas para entender quais riffs são ruins em qualquer época, e quais seriam legais a qualquer momento. Quanto às influências, eu diria que o Soulside Journey soaria muito diferente se a gente não tivesse ouvido Autopsy, o primeiro do Death, a demo do Nocturnus, também o Sadus, mas mais como referência do que influência. Estávamos tentando fazer um death metal espacial e, como percebi, e ainda percebo, não teve muita gente fazendo isso na época. Só tinha o som da Sunlight Sound e aí soamos como um monte de outras bandas de death metal. O que foi uma pena, acho que se a gente pudesse ter um som orgânico na sorte, o lance do death metal espacial ficaria mais claro, eu acho. Mas aí, tem um synth mágico no Soulside que nunca poderia ser recriado em outro lugar. É o momento mais mágico do disco, na música “Neptune Towers”. Tive que olhar aqui minhas anotações pra saber isso porque não sou muito de lembrar as músicas e partes específicas. Foco mais nas músicas de outras pessoas.

Sounds: Mesmo sendo colocado como um disco de death metal, antes de tudo, estávamos diante de um disco de heavy metal. Enxergamos também muita coisa da era Hell Awaits (Slayer) e alguma coisa dos primeiros discos do Voivod. Você concorda que trazer esse tipo de influência na bagagem pode ter contribuído para o resultado rico das músicas, mesmo que essa influência não seja tão na cara?
Fenriz:
Os dois primeiros do Voivod… haha. Eu não tirava o RRROOOAAARRR [segundo disco do Voivod] da minha cabeça. Comprei em 86 e nunca vendi. É sujo e caótico, e isso é genial, mas eu prefiro o deaththrash do Necrodeath, Death Yell ou Sodom da fase Obsesses by Cruelty (versão Steamhammer), mas o disco do Voivod pra mim sempre foi o Killing Technology. Fui ter o War and Pain muito tempo depois. O Hell Awaits influenciou muito a gente e explodiu nossa cabeça quando foi lançado. A gente conta no nosso livro. Ted e eu descobrimos esse disco no Natal de 85, quando a gente se ligou que a música “Hell Awaits” SÓ tinha riff do mal. Tocávamos esse som pra aquecer (pelo menos até o primeiro refrão) muitas vezes em 88… hahaha. Bem, dizem que tudo acaba influenciando você. Eu não necessariamente concordo. Acho que tudo influencia você a saber o que NÃO fazer. Geralmente não sei o que quero com as músicas que eu crio, mas eu sei o que eu NÃO quero. A gente tinha uma grande bagagem por ter escutado coisas pesadas dos anos 60, 70 e 80, então não fomos direto pro thrash, pro death ou pro black, mas quando tocamos coisas de death e black, vimos que definitivamente queríamos fazer só aquilo. É que simplesmente a gente não consegue copiar muito bem, então apenas nos deixamos levar pelas coincidências. É o que parece.

Darkthrone
Foto tirada na época de Soulside Journey

Sounds: Você não acha preguiçoso por parte da mídia classificar o Soulside Journey como um disco de death metal, sendo que as temáticas black metal já estavam presentes nesse álbum? Você o considera um disco de black metal (pelas temáticas) ou death metal (pela sonoridade)?
Fenriz:
Não. Acho que ele foi promovido como death metal, então o que a imprensa poderia fazer? Ele tinha uma abordagem lírica mais obscura que era tão satânica quanto espacial e até poética. Mas quanto isso pode ditar como uma música deve ser classificada? É death metal dark. O Goatlord é ainda mais.

Sounds: Sobre tocar ao vivo, em uma das suas poucas entrevistas, o Quorton disse que, sem tocar ao vivo, cada um poderia criar sua ideia de um show do Bathory escutando os discos da banda, além de não querer arruinar suas músicas por nada. No caso de vocês, mesmo tendo feito algumas poucas apresentações no início da história do Darkthrone, qual o motivo para não se apresentar ao vivo?
Fenriz:
Eu poderia escrever uma série de livros sobre os motivos para não tocar ao vivo. Já respondi incontáveis entrevistas sobre esses motivos e estou bem cansado disso. Sinto quase que a mesma coisa que o Quorton e sempre me senti desse jeito, como expliquei no início da nossa conversa. Muitas vezes eu estou desinteressado em ver as bandas ao vivo, pelos mesmos motivos. Quando eu coloco um disco, quero escutá-lo SOZINHO e ter EXATAMENTE o mesmo som todas as vezes. Eu simplesmente não sou uma pessoa do ao vivo. Nós tocamos ao vivo umas 20 vezes porque “é o que você precisa fazer”. Não que aquilo fosse me matar. Era pra divulgar nossa música e o nome da banda. Pra mim, era ruim.

Darkthrone tocando “Soulside Journey” em uma das raras apresentações ao vivo da banda.

Sounds: Qual era a sua ambição como artista na época do lançamento do Soulside Journey? Você diria que o mesmo pensamento se aplica a você nos dias de hoje?
Fenriz:
Seria estranho se a minha mente estivesse no mesmo lugar que eu estava quando tinha 18 ou 19 anos. Quase retardado. Mas parece que eu não tenho o mesmo foco ou intenção. Agora que tenho escutado um monte de riffs insanos, será interessante ver qual será o meu próximo riff ou como eu vou ligá-lo ao riff que virá depois. É como se todos os estilos que eu escutei na vida pudessem se converter em grandes riffs. Parafraseando Beethoven, “você pode cometer erros, mas não tocar com coração é nojento e vergonhoso”. HEAVY METAL AMBITION (então, qual banda eu estou me referindo aqui?) [provavelmente ao Metalucifer]

Sounds: Nós temos uma relação bem próxima com aquele death metal mais ortodoxo de bandas como Immolation, Morbid Angel, Krisiun, Massacre e o próprio Death. Você tem acompanhado as novas bandas do estilo? Pode indicar algumas pra gente?
Fenriz:
Tem cinco anos de BAND OF THE WEEK pra fazer isso. Eu não posso voltar nas listas pra achar todas as bandas de death metal que eu recomendei nesses 6 ou 7 anos. Eu acho que foram umas 70 bandas. Do Death, eu só gosto do primeiro disco. Do Morbid Angel é mais o Abominations, Thy Kingdom Come e o Altars of Madness, mas não curto muito o som desse disco. Do Massacre só a primeira e a segunda demos e uma fita de ensaio que um dos caras mandou acidentalmente pra mim. Do Immolation eu só gosto da primeira demo, é foda demais! Krisiun é legal, mas nada que eu continuei escutando. Prefiro o Angel Corpse, do disco The Inexorable. Como o death metal veio do thrash e o black metal também se misturou na época, essa é a sopa de onde eu vim. Muitas vezes eu curto death metal misturado com black. Gosto do disco mais recente do Embrace of Thorns [Darkness Impenetrable], não é lá muito original, mas é bom e tem um vocal ótimo. Gosto mais de experimental como Morbus Chron e um estilo grooveado como o Under the Church. Eu odeio death metal com blastbeat de máquina de escrever ou death metal scream-técnico-espasmódico. Eu também gosto de death metal com conotações black, como o Hic Iacet ou Khtoniiks Cerviiks ou qualquer categoria que elas se enquadrem, haha.

Foto divulgação da Peaceville Records na época do lançamento de Soulside Journey
Foto divulgação da Peaceville Records na época do lançamento de “Soulside Journey”

Sounds: E te incomoda o fato de bandas como Cradle of Filth e Dimmu Borgir se intitularem black metal?
Fenriz:
Sim, isso incomodou. Acho que tem muito pouco a ver com o black metal que nós estávamos escutando. Mas eu continuo gostando muito dos ensaios do Dimmu de 93. Não tinha vocal, se me lembro bem, mas eu escutava muito e sempre me dei bem com o Shagrath [vocalista do Dimmu Borgir]. Costumava encontrá-lo na rua Elm. Na verdade, ele acabou de me mandar uma solicitação de amizade no Facebook.

Sounds: Pra terminar, o Soulside Journey foi um disco inaugural, mas também de despedida do death metal para o Darkthrone? Você acha que isso o torna especial?
Fenriz: Goatlord foi o disco de adeus. Nós fizemos todo o álbum depois de voltar da Suécia, mas nunca o gravamos corretamente. Era melhor, mais bem tocado e com material mais novo e dinâmico do que o Soulside Journey.

Sounds: O que é black metal pra você?
Fenriz:
Escutar The Return, do Bathory.