O fim do ano geralmente aponta para os projetos no ano posterior – e devemos dizer que todos os nossos planos aqui giram em torno da palavra “vacina” –, mas invariavelmente chegamos a dezembro com um sentimento de recapitulação.
De certa forma, olhar para trás e documentar as bandas que descobrimos entre janeiro e dezembro fazem com que a gente possa estabelecer novas companhias para os anos seguintes. Foi assim quando conhecemos Lianne La Havas, ACruz Sesper, Car Seat Headrest, Ghost Work, Meat Wave e Decurso Drama, só para citar alguns exemplos. Em anos anteriores, eles apareceram como novidades empolgantes, e ao longo do tempo foram nos fazendo companhia, movimentando nossos anseios por discos novos, se presentificando com sua arte.
Leia também as edições anteriores:
– Descobertas 2015
– Descobertas 2016
– Descobertas 2017
– Descobertas 2018
– Descobertas 2019
É esta nossa ideia com o Descobertas: registrar para acompanhar. Claro que sempre em uma perspectiva limitada, tendo em vista a incrível (e bem-vinda!) quantidade de bandas que têm vindo ao mundo. Limitações reconhecidas, fica a alegria de ter a certeza que música boa não se restringe ao passado, àquela velha e empoeirada frase de “no meu tempo era muito melhor”. Se envelhecemos, levamos o tempo junto conosco. Nosso tempo, então, pode ser continuadamente melhor.
E nada melhor do que compartilhar boas experiências musicais. Estas foram nossas descobertas deste ano. Esperamos que vocês gostem e que possam também compartilhar as de vocês:
No Home
Para quem gosta de PJ Harvey, TV on the Radio e Radiohead
Como nos velhos tempos, o No Home, capitaneado pela voz da inglesa Charlie Valentine, foi uma descoberta surgida pelas ondas do rádio. Porém, localizando esse velho costume em dias atuais, a surpresa veio pelas ondas do rádio web, mais precisamente pelo programa Love Streams, da rádio Vírus Comunitária.
Fucking Hell, obra causadora de um impacto e tanto, é tão tenso, grave e dramático quanto esse 2020. É também um refresco em voz potente, cheia de identidade e entrecortada por experimentos ruidosos que dão todo charme às canções minimalistas e poderosas de Valentine.
E se você é do tipo que adora curiosidades e referências, em “I Couldn’t Cry Before I Wrote EPs” Valentine cita um trecho de “I’m Think I’m Paranoid”, do Garbage. Sem dúvidas um das melhores surpresas do ano.
LAMP OF MURMUUR
Para quem gosta de Immortal, Emperor e Gorgoroth
Além da ótima demo The Burning Spear of Crimson Agony, o Lamp of Murmuur lançou também em 2020 Heir of Ecliptical Romanticism, registro carregado de todos os pilares do black metal edificado no início da década de 90.
Alguns veículos empurraram Heir Of Ecliptical Romanticism para uma sonoridade comparável ao Darkthrone, mas, por conta de riffs clássicos do heavy metal, nesse último lançamento o Lamp Of Murmuur se aproxima mais de nomes como Immortal, principalmente da fase Pure Holocaust, do que dos acentos de Celtict Forst e Hellhammer, algo assumido pelo Darkthrone em seus primeiros anos.
Curiosidade: a faixa que encerra Heir Of Ecliptical Romanticism é uma versão inusitada, porém não surpreendente, de “In the Wake of Adversity”, do Dead Can Dance, nome muito cultuado por boa parte das bandas de metal extremo da década de 90.
Willy Mason
Para quem gosta de M. Ward, Sondre Lerche e Jens Lekman
A gente aqui gosta bastante de folk, então eram grandes as chances de gostarmos do norte-americano Willy Mason. Mas nosso encontro com ele foi em outras fronteiras sonoras, com flertes com o rock alternativo e até com o noise – vide o casamento bem-sucedido do baixo crocante com a guitarra distorcida que acrescentam camadas expansivas à faixa “Take it Off”, lançada este ano.
É possível que a granulação do folk de Mason tenha sido encorajada por Noel Heroux, do Mass Gothic, que toca e produz a faixa. É facilmente uma das músicas mais incríveis do ano.
KOSMOVOID
Para quem gosta de Mogwai, Dead Can Dance e Tangerine Dream
O espectro criado pelo Kosmovoid oferece diversas leituras sob uma mesma trilha introspectiva e repleta de camadas sensíveis. É sensorial, mas também visual.
Formada em Santos pelo duo Eduardo Pereira (synth, guitarra e vocal) e Enrico Bagnato (bateria e percussão), a banda lançou dois discos em 2020. Juntos, Crisálida e Escapismo trazem 22 músicas gravadas no Dissenso Studio com produção e mixagem de Muriel Curi (Labirinto/ Dissenso Records). Cada uma delas repleta de cores, paisagens, sensações e contornos que trafegam pelo pós rock, o progressivo e o bom gosto com toques de trilha sonora de filmes de ficção científica.
THE WHITE SWAN
Para quem gosta de Windhand, Sword e Pallbearer
Se você já tem seus 25, 30 anos ou mais, e gostava de heavy metal, vai lembrar que, na virada de 1999 para 2000, quatro garotas explodiram com um single chamado “Brackish”. Era o Kittie, banda da segunda geração do new metal e que trazia em sua formação a baterista Mercedes Sherida Lander. Em 2016 ela montou o The White Swan e desde então vem lançando alguns EPs, sendo o ótimo Nocturnal Transmission, gravado no ano passado, o mais recente deles.
O curioso é que, no segundo disco de sua antiga banda, Oracle, o Kittie já trazia uns toques mais pesados e menos “pula-pula” em seus riffs e andamentos, o que ajuda a não causar tanto estranhamento ou distância da proposta de Mercedes com o The White Swan, que abraça uma sonoridade mais lenta e contemporânea de bandas como Pallbearer, por exemplo, mas com uma dose um pouco maior de melancolia – do que gostamos bastante!
PG.LOST
Para quem gosta de Mogwai, If These Trees Could Talk e Labirinto
A Pelagic Records sabe escolher seu cast. Muitas das bandas ali presentes nem sempre chegam ao conhecimento do grande público por aqui, o que é uma pena; mas pode apostar, se você olhar o catálogo da gravadora com atenção, algo ali vai te pegar de jeito. No caso, por aqui, isso aconteceu quando escutamos Oscillate, do Pg.Lost, da Suécia.
Que disco lindo! O legal é o que o Pg.Lost aposta nas paisagens características do pós rock, mas traz também, em certas partes, explosões de peso que, ao invés de contrastarem com o que foi anunciado até certo ponto, vire uma soma e aí você tem beleza sem peso e beleza com peso. Bom, né?
EVULSE
Para quem gosta de Grotesque, Immolation e Vastum
Death metal é, antes de todos os temas (fantasiosos ou não) que envolvem tal sonoridade, um estado de espírito. E quando se “está” death metal, os riffs e toda podridão envolvida simplesmente acontecem e são transmitidos da melhor forma possível. Caso do Evulse e seu Pustulant Spawn.
Diferente de Call of the Void, aqui o Evulse parece se encontrar melhor e, talvez por conta da produção, também se distancia de bandas contemporâneas do gênero. Em Pustulant Spawn as quatro músicas soam como o mais desagradável e lindo death metal. Não há melodia, não há sossego, não há um minuto sem qualquer tipo de imundice e tormento. É death metal, afinal. Em seus pouco mais de 10 minutos, traz para superfície um dos melhores discos de metal extremo do ano.
BLACK CURSE
Para quem gosta de Carbonized, Extermínio e Incantation
No metal extremo, Endless Wound, do Black Curse, é uma das melhores descobertas, sem dúvida. Death black metal traduzido de forma ríspida, crua e com uma coesão mais convincente do que alguns nomes que ganharam destaque nos últimos tempos.
O Black Curse é acontecimento paralelo de integrantes que também tocam no Khemmis, Blood Incantation e nos ótimos Spectral Voice e Primitive Man. Vale conferir e reservar um canto de destaque para o disco que, ao que nos parece, resistirá bem ao teste do tempo.
KIDBUG
Para quem gosta de My Bloody Valentine, Beach House e Wry
O Kidbug vem da grande fábrica de coisas boas que é a gravadora Joyful Noise, que acalenta o mundo com as músicas de Dumb Numbers, Serengeti, David Yow (Jesus Lizard) e que, pra nossa admiração, passou a representar o Tropical Fuck Storm nos EUA. Adam Harding, do Dumb Numbers, conheceu Marina Tadic, do Eerie Wanda, e logo o casal passou a compor junto. A eles se somaram Thor Harris, do Swans, e Bobb Bruno, do Best Coast – eis o Kidbug. Sonoramente, é um dream pop um pouco mais experimental, mas sem qualquer pudor em ser altamente melódico.
O disco homônimo, de 2020, tem um humor ditado pelas guitarras, que ora coincidem ora divergem frontalmente da doçura da voz de Marina Tadic. Algo como a linda barulheira do Yo La Tengo enaltecida pela candura do vocal da Georgia Hubley.
MNTH
Para quem gosta de Hurtmold, Tortoise e Auto
A dinâmica que se constrói ao redor do looping que acontece em “Tamanduateí” é tão brasileira quanto universal. Algo nela nos levou até “Esotérico”, de Gilberto Gil, enquanto que, em outra ponta, a faixa atravessa o experimentalismo e mexe com o corpo. Quando assunto é música experimental, no sentido de ocupar o lugar de quem fornece o experimento e de quem o absorve, isso é algo primordial.
MNTH é sustentado pelas viagens sonoras de Luciano Valério, que nesse disco gravou ao lado de convidados de peso, como M.Takara (bateria, synth e percussão), seu irmão Valério (kalimba e guitarra), Marco Nalesso (guitarra), Rodrigo Hara (baixo), Fernando Sanches (guitarra) e Rogério Martins (clarinete). Depois do EP homônimo, Luciano ainda soltou mais dois registros em 2020: Facão e Response Pirituba. Experimente!
DROWSE
Para quem gosta de Converge, Terror e Code Orange
Punk/ hardcore alto, barulhento, gritado e com aquela vitalidade ainda cheia de espinhas de que a gente tanto gosta. O Drowse vem da Filadélfia, terra de muitas bandas boas da recente (nem tanto) safra do deathrock e do punk rock.
Dance in the Decay, lançado no segundo semestre desse ano, é o primeiro registro full da banda. O disco não inventa a roda. O que você vai ouvir aqui são músicas curtas, diretas, ruidosas e cheias de raiva, mas vale o destaque para “Tanzler”.
COSMO ROOM
Para quem gosta de Uncle Acid and the Deadbeats, Monster Magnet e King Gizzard and the Lizard Wizard
Entre nomes atuais, o Uncle Acid and His Deadbeats é um que a gente gosta por aqui e que, em pequenas doses, encontra a sonoridade do Cosmo Room. A banda é nova; porém, a contar pelo tempo de estrada, as figuras por trás do Cosmo Room são conhecidas no rock subterrâneo paulista. Enrico (Riders Of Death Valley) e Guilherme Gale (The Tropical Raiders) juntaram forças durante a pandemia para produzir músicas que gravitam entre o stoner, o space rock e o rock, digamos, mais lisérgico.
“Esquire”, o primeiro single, lançado no segundo semestre de 2020, traz muita espontaneidade e cativa pelas sonoridade um tanto etérea. Agora é ficar de olho nos próximos passos do duo e aguardar porque, ao que tudo indica, deve vir coisa boa por aí.
FACS
Para quem gosta de Wailin Storms, Hey Colossus e Jesus Lizard
A teia estética que envolve o Facs é cheia de acentos que passam por diversos ambientes. Há um apelo ao rock industrial, ao noise rock, aos experimentos minimalistas e ao pós punk. O mais interessante é a maneira como a banda consegue captar as nuances de cada um desses universos e trazer para uma sonoridade, digamos, paranoica e sufocante.
Void Moments, disco lançado nesse 2020 catastrófico, serve como ilustração possível de um ano tão perturbador quanto as camadas e recortes que o Facs propõe.
APNEA
Para quem gosta de: ASG, Pulley e Nebula
Boka e Marcus Vinicius sempre transitaram em meio à velocidade do crossover e do hardcore. O primeiro é baterista do Ratos de Porão, mas também passou pelo Psyschic Possessor e I Shot Cyrus. O segundo tocou guitarra no Safari Hamburguers, um dos nomes mais importantes do nosso hardcore. Já o guitarrista Nando Zambelli, que fez parte do Garage Fuzz, e o baixista Gabriel Imakawa, do Jerseys, trazem a linguagem melódica costurada pelo punk rock.
Em 2019 os quatro montaram o Apnea na intenção de compor músicas referenciadas pela sonoridade das décadas de 70 e 90 e o resultado, até o momento, são os singles “In Search of Peace” e “Star King”. Neles, a banda, formada em Santos, traz peso, melodia e a energia de nomes como ASG e Fu Manchu.
ETERNAL DUST
Para quem gosta de The Cure, Cocteau Twins e Slowdive
Toda melancolia e romantismo do dream pop e suas camadas aparecem como ponto focal no Eternal Dust, banda formada na em Sidney, Austrália, pelos colegas de escola Ebonny Munro, Oscar Sulich e Finn Parker.
Com dois singles já lançados, o Eternal Dust soltou recentemente uma nova faixa: “Salomé”, nome inspirado na tragédia de Oscar Wilde, que traz um baixo bem linear em meio a andamentos delicados, traço característico das bandas antigamente chamadas de dark. A faixa fará parte do novo EP da banda, lançado no dia 17 de dezembro.
NEFASTUZ
Para quem gosta de: Mouse on Mars, Black Snake 808 e Cadu Tenório
A pandemia deu vazão a projetos solitários e também a bandas formadas à distância, respondendo a essa nova configuração de como as coisas podem vir a acontecer. Entre alguns dos projetos, Felipe Freitas, que já passou pelo Letall, e Michele Maia lançaram o ruidoso Nefastuz.
Tanto o Split com o D.O.M como também o EP consequência abraçam o que o ambient noise pode oferecer: texturas, ruídos e colagens sonoras que compõe o universo desejado pela dupla.
SHEENJECK
Para quem gosta de: Blacklisters, Shellac e TAD
Em entrevista ao The Obelisk, o vocalista e baixista Dave Becker disse que ao compor Unclever estava ouvindo muito Prong e isso já chamou nossa atenção, além de garantir a sensação de que, após apertar o play, coisas boas viriam a seguir.
De fato, o Sheenjeck consegue sublinhar algumas referências interessantes em sua sonoridade, mas a gente confessa que não achou nada muito próximo ao Prong nas entrelinhas. Em meio ao noise rock proposto pela banda, há todos os pilares que compõem tal sonoridade: guitarras altas, gritos, peso andamentos carregados e o baixo distorcido. Se é isso que você procura, vai sem medo.
THE ALMIGHTY DEVILDOGS
Para quem gosta de: Reverend Horton Heat, Stray Cats e Rocket From The Crypt
No EP lançado em esse ano, The Hound Dogs Uprising, a faixa de abertura, intitulada “Rockabilly Kilmister” é exatamente o que o nome sugere: rockabilly com aquele andamento e notas inconfundíveis do baixo do saudoso Lemmy Kilmister, do Motorhead, além de uma dose extra de surf music.
O mais recente lançamento da banda surgida em Bauru, São Paulo, traz outras cinco faixas que passeiam pelo universo de nomes como Rocket From The Crypt, Dick Dale a afins. The Hound Dogs Uprising é um EP boa vibe!
INSIDIOUS DISEASE
Para quem gosta de Massacre, Gorefest e Benediction
2020 foi um ano bom para o death metal old school. O Autopsy lançou um disco ao vivo, o Benediction gravou um de seus melhores álbuns, o Incantation também soltou um novo disco, entre outros. Em meio a tudo isso, o Insidious Disease surgiu com um disco esperado por nós aqui. Na banda, dois importantes nomes do metal morte: Shane Embury (baixo), do Napalm Death, e Marc Grewe (vocal), do Morgoth, dono de um vocal marcante que, no comecinho dos anos 90, era comparado com John Tardy, por apostar nos berros mais rasgados do death metal.
After Death não é um disco inovador, mas traz todos os cacoetes necessários para um bom disco de death metal. Além de Shane e Marc, a banda ainda traz Silenoz (guitarra), do Dimmu Borgir; Terje Andersene (guitarra), do Susperia; e Tony Laureano (bateria), que já passou por bandas como 1349 e Nile.
PERDITION SECT
Para quem gosta de Rastilho, Disfear e Martyrdöd
Vez ou outra o chamado neo-crust nos apresenta nomes interessantes. Entre os mais recentes, o Perdition Sect, que traz em sua formação o guitarrista Matt Sorg (Ringworm), o guitarrista e vocalista Aaron Dallison (Axioma), o baixista e vocalista Mike Lare (Ringworm) e o baterista Kyle Severn (Incantation). Recentemente o quarteto lançou End Times, nome sugestivo, e que reflete o atual mundo ditado pela ação do coronavírus.