2017 tá na curvinha da saída, mas não dá para despedir do ano sem destacar os ótimos discos desta safra. Não é uma lista de melhores do ano em uma eleição crítica, mas sim nossos favoritos, os mais cantarolados e batucados aqui em casa. Certeza que em 2018 a gente ainda vai descobrir um monte de álbuns incríveis que ou passaram batido, ou cresceram com a familiaridade.
Uma coisa ficou clara: a maior parte dos nossos escolhidos veio de bandas já admiradas, o que dá pra concluir que as expectativas foram mais do que atingidas. Os demais são estreias de gente muito promissora. Mantendo a tradição, invertemos os papéis na hora de fazer a retrospectiva dos discos, com um dando pitaco sobre o favorito do outro. Para acompanhar a leitura, fizemos uma playlist com as músicas preferidas de cada álbum. Vai que a tia-avó curte ouvir um Amenra na virada do ano?
Os discos mais legais de 2017 do Vina descritos pela Amanda:
GLASSJAW – Material ControlNa escritura musical dos anos 90, o Glassjaw carrega um bom pedaço de latifúndio por ser uma das bandas que faziam o cruzamento entre melodias dramáticas e peso ríspido com originalidade, sem parecerem um exercício monotemático do loud quiet loud cunhado pelo Pixies. Ficaram um bom tempo sem lançar disco, o vocalista Daryl Palumbo assumiu seu gosto pela música eletrônica neste intervalo e, a julgar pela faixa “New White Extremity”, o hiato virou combustão catártica e a banda voltou no Jiraya. Material Control tem tudo da boa herança dos anos 90, mas sem soar nostálgico ou deslocado no tempo. É urgente e agressivo, com vocais desesperados e um instrumental que ilustraria bem vários filmes de ação vertiginosa ou de terror. Tem retornos que chegam como uma confirmação de que os discos anteriores demarcavam uma fase áurea. Mas álbuns como Material Control mostram que o tempo é como gás inflamável para a criatividade, a um instante da explosão.
ANNIE HARDY – Rules Um dos discos favoritos do Vina neste ano é como uma caixinha de joias. As primeiras ouvidas de Rules me soaram como um grande lamento, mas daqueles que não parecem compreensíveis. Uma música parecia com a outra, a ponto de eu não conseguir reconhecer muitas delas como faixas separadas. Depois de ouvir mais vezes, a mensagem ia ficando mais clara: Rules demanda tempo e empatia. Annie está falando de desamparo, perdas que fazem buracos – o filho e o namorado morreram recentemente – , e ela comunica isso com fragmentos, com linguagem truncada, da maneira que pode. “Train”, “Jade Helm”, “Jesus Loves Me” e “Mockingbird” são canções doídas que denunciam um atravessamento pelo luto. Só depois percebi o quanto este disco se relaciona com o “A Crow Looked at Me”, do Mt. Eerie, que escreveu um álbum em torno da morte recente da esposa. E a maneira despida e comovente como Annie fala de suas feridas me fez lembrar de belos discos de Joanna Newsom e Cat Power. As três são forças femininas que, de certa forma, assumem a vulnerabilidade de suas vidas e a expressam com uma honestidade admirável.
AMENRA – Mass VIAqui no Sounds a gente é bem suspeito para falar de bandas belgas ou canadenses – rola alguma mágica na água destes países que propulsiona uma criatividade tão marcante quanto subestimada. Acompanhado de nomes como Oathbreaker, Wiegedood e Rise and Fall, o Amenra parece estar escrevendo uma história musical de muito peso (inclusive percussivo), intensidade sombria, e diria até uma certa indigestão. Se você procura mergulhar em profundezas sonoras que reproduzam a sensação de um calabouço extremamente sufocante, Mass VI é sua companhia ideal. É um álbum angustiante, dilatado em sons cavernosos, e ancorado nas emoções mais recônditas do nosso ser. É um socão no estômago. Mas de dentro pra fora.
WIEGEDOOD – De Doden Hebben Het Goed IIFalando como alguém que não manja de black metal, mas admira bastante a maneira como a ferocidade de cordas e batidas se desdobra em inúmeras expressões criativas: o Wiegedood parece ter uma assinatura muito própria dentro do black metal atual, que expande fronteiras sem timidez. É algo dos riffs aliados às batidas que se avoluma em uma persistência simples, mas efetivamente dramática sem soar limitada. Some a isso a construção das longas músicas em camadas, o que remete à estruturação do post rock. Pega, por exemplo, a “Cataract”: ela tem uma repetição tão viciante que o fade out – sim, tem fade out! – escancara que você ficou viciada naqueles riffs e não quer que eles vão embora. Já a faixa-título é cinematográfica em seu cenário sonoro quaaaaase em tom de balada. É o mais próximo que teríamos do encontro entre Wiegedood e sofrência… Tá, parei.
JR. SLAYER – Time Out, Crystal HeartQuando o Vina me mostrou a faixa “We Only Make One Sound”, no fim de 2016, ele tinha aquele brilho nos olhos de quem tinha descoberto um tesouro. E era mesmo. Com batidas que me remetiam à “Blue Monday”, do New Order, e uma melodia bonita que grudou na cabeça imediatamente, a música irradiava empolgação e pedia para ser tocada bem alta, esquema olhinho-fechadinho-copo-de-bebida-estendido. Quando saiu o disco inteiro, houve a confirmação de que aquele pop dançante, mas ao mesmo tempo melancólico, não era apenas um experimento da criatividade de Cody Votolato, que no Blood Brothers e no Head Wound City estava bastante dedicado a um outro tipo de música, urgente e explosiva. Parecia uma faceta duradoura, com espaço para o tédio e para a contemplação. Experimente as emoções da música ali de cima e de “Tied and Bound” para entrar no universo paralelo de Cody.
KREATOR – Gods of ViolenceMinha total falta de familiaridade com o thrash metal do Kreator certamente vai me render um monte de bolas-fora nestas minhas impressões (perdoa-ela-não-sabe-o-que-diz), mas algo que saltou aos ouvidos foi a habilidade de compor refrãos poderosos e cativantes, com uma dosagem de rispidez e velocidade instrumental que me pareceu consciente do valor das pausas e da quebra de dinâmicas. “Satan is Real”, por exemplo, tem um refrão meio hard rock e, não sei por que, me fez pensar no Ministry – talvez seja por conta daquela ironia maliciosa no jeito de se expressar, uma certa maldade. E a maldade de fato comparece no Gods of Violence, mas como um comentário da sociedade globalizada, capaz de atrocidades – e os alemães são um povo bastante consciente do mal exercido pelos humanos. Esta consciência, seja na forma de memória, por meio dos museus, ou de arte, por meio da música, é o que nos permite repensar caminhos e atitudes. Ainda que alguns arranjos do disco remetam ao fantasioso mundo do Amorphis, o fato é que o Gods of Violence escancara as durezas da nossa realidade atual.
THE WRAITH – Shadow FlagImpressões iniciais sobre o EP do Wraith: um pós-punk dançante tristonho com vocal rouco que me lembra a voz do Gared O’Donnell, do Planes Mistaken for Stars. A estrutura das músicas é simples e direta e lembra um pouco a tradição inglesa de pós punk, com hinos rápidos e certeiros, mas, surpreendentemente, a banda é californiana. Em vez do culto ao sol, o que ouvimos é uma espécie de adoração da noite e de seus mistérios. O realce do baixo é algo bem legal de se ouvir no Wraith, especialmente no duelo com a guitarra. Para quem curte New Model Army, o disco pode se tornar um favorito.
Os discos mais legais de 2017 da Amanda descritos pelo Vina:
FEIST – PleasureAssistindo alguns vídeos aqui em casa, a Amanda comentou: “A Feist é comovente”. Pra mim, durante algum tempo, ela era a cantora daquela música “1234” que o clipe parecia um flash mob dirigido por algum publicitário com “grandes sacadas”. Mas, que maravilha descobrir que eu não sabia de nada, inocente. Talvez por isso a palavra comovente ganhe ainda mais força e uma posição indispensável em significar uma cantora, compositora, musicista. Uma artista. Daquelas que fazem arte. Pleasure é cheio melodias interessantíssimas, identidade e timbres mais fechados, o que me agrada bastante. Tá aí um disco que me ganhou. Um disco comovente.
MEAT WAVE –The IncessantNoise rock furioso e juvenil com o tempero marcante de Steve Albini na produção. O Meat Wave já passou por aqui quando fez parte das nossas descobertas em 2016. The Incessant é um disco escarrado. Sem dó. “Glass Teeth” e “Bad Man” encarnam os moldes enérgicos do Drive Like Jehu, o que pra mim é lindo. O disco fecha com “Killing the Incessant” em uma massa barulhenta comprovando que esse é um disco realmente escarrado.
DO MAKE SAY THINK – Stubborn Persistent IllusionsE dá-lhe Canadá. Ouvi, reouvi, ouvi de novo e não consegui pensar em muita coisa que me ajude a definir esse disco se não o clima de post rock mirado em contratempos e dinâmicas tortas. Não conhecia o Do Make Say Think até então e acho que os caras se diferenciam de outras bandas instrumentais no uso de inserções eletrônicas e passagens quase dub. Até Nação Zumbi eu enxerguei nos primeiros dois minutos de “As Far the Eye Can See”. Agora, de onde eu tirei isso, não sei dizer.
THE NATIONAL – Sleep Well BeastSleep Well Beast deve ter sido escrito numa segunda-feira chuvosa, na sala de espera de um consultório odontológico enquanto os caras aguardavam por um tratamento de canal que latejou durante um fim de semana inteiro. Mas calma. Ainda é 2017 e nada é tão deprê que não possa ficar ainda mais deprê. Sleep Well Beast abre com a dobradinha “Nobody Else Will Be There” e “The Day I Die”. E pei! Há algo pop e agradável no National. Pop no melhor dos sentidos. É uma banda que consegue criar músicas emocionalmente cinzentas que podem, e são, cantadas em uníssono em festivais no mundo todo sob um lindo e ensolarado céu de brigadeiro.
LAND OF TALK – Life After YouthLife After Youth. Gosto de nomes que anunciam o conteúdo. Acho que o ambiente criado por essa menina é algo bem confessional. Uma transição, talvez. E também gosto disso. O batismo de músicas como “Heartcore” (gande nome!), “Yes You Were” e “What I Was Thinking” me confirmam a suspeita de que o Land of Talk diz muito sobre a voz de quem dá vida ao conteúdo e sobre a atenção oferecida pela Amanda ao disco. Ele é doce, quase tímido e com canções que podem levar para uma densidade meio Cat Power, pode também servir de trilha para algum seriado dramático juvenil americano ou um piquenique de domingo. Aí é só você escolher.
ARROWS OF LOVE – Product: Your Soundtrack To The Impending Societal CollapseEu comecei achando que isso era uma espécie de The Jon Spencer Blues Explosion wanna be, mas seria injusto limitar os caras a isso ou a minha falta de relacionamento com a banda. Tem mais, muito mais ali. Mais ruído, conturbação, noise rock, e foi lá pela metade do disco, tem “Tidal”, que o Arrows of Love explodiu. Que música! Sério. Não sei de onde vieram, o que comem, como se vestem, como vivem ou se reproduzem, mas ficou a vontade de ouvir mais e é o que eu vou fazer por aqui.
BIG WALNUTS YONDER – S/TTem gente do Wilco, do Deerhoof e o grande Mike Watt, O cara do Minutemen e fIREHOSE. E que timbres! A gravação é realmente caprichosa. Parece que os caras estão tocando na sala da sua casa. É um disco legal e, não que isso seja de todo mal, mas meio previsível. Em algumas músicas tem as levadas e barulhinhos indie Nintendo do Deerhoof e o baixo alto, muito alto, de Watt. Não tem muito segredo. É de fato a junção de dois mundos interessantes, mas que de novidade, não trouxeram muita coisa. Problema? Nenhum. A música é boa e é o que importa. Nem sempre é preciso inventar a roda para criar algo cativante.
BROKEN SOCIAL SCENE – Hug of ThunderCanadá imperando na lista da Amanda e essa, talvez junto ao Arcade Fire, seja uma das mais queridas por ela. Não é muito minha praia, mas dentro do que ela sempre me mostra, a sonoridade nos discos anteriores me parecia mais explosiva e guitarrenta. Enquanto isso, Hug of Thunder parece abrir mais espaço para minimalismos e grooves contagiantes. Ouça “Stay Happy” no volume mais alto possível. É uma grande música. “Vanity Pail Kids” também é uma das mais legais. Não sei o motivo, mas essa me levou até o Love and Rockets, o que é, na verdade, um ótimo sinal.
AFGHAN WHIGS – In SpadesNos anos 90 lembro que um amigo dizia que Greg Dulli era um cara que cantava com alma negra. Relembrando aqui, no bolo do rock alternativo da década de 90, Gentlemen e 1965 eram os discos mais legais pra mim. Já em 2017, quando In Spades foi lançado, a Amanda já chamava a atenção para o fato desse ser um álbum muito bom. Apesar de eu ter ouvido poucas vezes, acho que In Spades mistura os dois momentos que citei há poucas linhas. É como se Dulli aplicasse a audácia de 1965 e a emoção escancarada de Gentlemen. Talvez Dulli seja um dos grandes do rock alternativo como J Robbins, Francis Black, Brian Molko ou Billy Corgan. Nomes com uma identidade tão grande quanto sua presença e talento que se aplica em número exato.
GRANDADDY – Last PlaceTem muito de Beatles aí, hein? Talvez um Beatles mais bucólico e com alguns barulhinhos a mais pra compor um cenário fofo. É isso! O Grandaddy é fofo demais. Tem arranjos finos, um cuidado especial com as melodias, mas é fofo demais. Tem uma melancolia contagiante e eu gosto disso, faz bem, mas ainda assim, é fofo demais. “Way We Won’t” abusa do refrão fácil e do uso de um fuzz que emula um synth. Bem legal. E fofo demais. O climão de trilha de roadie movie de “Brush With The Wild” é bem envolvente, mas ainda assim, fofo demais. O disco vai chegando ao fim e ouvindo a bela “Songbird Son”: “pera aí, que disco legal!”. Passou rápido. Já acabou? Quanto finesse e sutileza. Disco para um sabadão a tarde de brisa boa. Gostei. Um disco fofo e demais!
SWEET APPLE – Sing the Night in SorrowRoquinho inofensivo feito por gente grande, entre eles, J Mascis. Mesmo parecendo sair da trilha do The Wonders, parece que falta algo na narrativa rock dos caras. A Amanda contou aqui agora (é verdade) que a ideia dos caras era homenagear um estilo de música em cada faixa. Boa ideia! Mas não sei se funcionou nesse disco. Eu não entendi muito a homenagem e receio que os homenageados também não. Mas talvez o ponto nesse disco seja a despretensão. Estão fazendo o que gostam, sem muitas preocupações. Pelo menos, é o que parece.
DUAS UNANIMIDADES EM 2017
No meio de uma porção de “escuta isso aqui”, acabamos gostando bastante de alguns discos em comum, como Grandaddy e do Jr. Slayer, mas tivemos duas unanimidades imediatas:
CONVERGE – The Dusk In UsNão é de hoje que quando o Converge lança um disco não há outro lugar para cada um deles senão entre os mais legais do ano e com The Dusk In Us não foi diferente. De primeira já nos pareceu um disco ainda mais emocional, se é que isso é possível em se tratando de Converge, e assim como aconteceu com All We Love We Leave Behind, “A Single Tear” inaugura The Dusk In Us mostrando que talvez esse disco seja mesmo uma progressão natural do anterior. E mesmo dentro de um universo tão característico quanto o criado e reafirmado por eles, ainda existe espaço para renovações sutis de criatividade. Algo já escancarado na mesma “A Single Tear” levando em conta a maneira como Jacob Bannon arrisca outros timbres do seu vocal. A genialidade de Ben Koller ainda está lá, assim como a habilidade de Kurt Ballou em soar contemporâneo e altamente old school como em “Broken By Light”, por exemplo. “Under Duress” e “Trigger” trazem de volta um pouco o clima de You Fail Me, mas sem que isso seja uma referência necessariamente direta. Tem o frescor de algo realmente novo. A faixa título emociona até o osso e comprova o que nem precisava de mais reforço: o Converge tá no auge do seu juízo. Mas olhando para além dessa maturidade, parece haver um traçado ainda mais rico e novos capítulos a serem escritos com ainda mais entrega, emoção, criatividade e outras coisas que só uma banda que convive bem com seus demônios pode gerar.
JEREMY ENIGK – GhostsÀ frente do Sunny Day Real Estate, Jeremy Enigk cunhou hinos dos anos 90, como “In Circles” e “Seven”, frequentemente lembrados na hora de exemplificar o poderio melódico dos anos 90. As expressões sinfônicas e acústicas de sua carreira-solo, iniciada com Return to the Frog Queen (1996), demarcam com ainda mais clareza as aptidões cancioneiras e trovadoras de Jeremy. Seja acompanhado do violão ou do piano, o músico consegue climas tão tristonhos quanto catárticos. Enquanto Ok Bear (2009) era mais guitarreiro e conectado ao Sunny Day, Ghosts retoma as narrativas sublimes de Return… e até aposta em climas dançantes, como na belíssima “Onaroll”. Ghosts presentifica o talento de Jeremy nas composições e reforça o coro engasgado na garganta desde os anos 90: please come to Brazil!