Por conta de menções e do uso de algumas camisetas de bandas que a gente também gosta muito, como Shudder to Think, Rites Of Spring e Jawbreaker, por exemplo, o americano Kurt Ballou sempre nos passou a impressão de um cara conectado com um leque maior de possibilidades musicais. Não só hardcore, ou só do metal, ou só dos dois. É uma mente que vai além e isso se reflete em tudo o que envolva sua assinatura. De certo modo, isso também fez a gente especular alguns significados e razões para seus riffs super criativos, tortos, diferenciados, cativantes e por que não, intrigantes. Kurt é hoje um nome que construiu sua marca sob muita identidade e qualidade de composição.
Com o Converge, Kurt vivenciou algumas mudanças no som da banda e segundo ele mesmo contou pra gente, depois da entrada de Nate Newton (baixo) e Ben Koller (bateria), em 99, a coisa mudou, e foi aí que eles encontraram de verdade o som do Converge. E se tem uma coisa que a gente pode dizer sobre a banda é que ela tem identidade e isso se deve em grande parte à linha criativa que sai da guitarra, mas claro que não é só isso.
Kurt também é produtor e vem ganhando muito espaço nos últimos anos trabalhando em discos incríveis que direcionam o que está rolando de bom na música pesada, como Eros Anteros, do Oathbreaker, Unsilent Death, do Nails, What One Becomes, do Sumac e do Bushcraft, do Baptists além de alguns álbuns do próprio Converge, como o fantástico All We Love We Leave Behind.
Nessa conversa que tivemos com um dos produtores mais requisitados da atualidade e guitarrista de uma das bandas mais relevantes dos últimos tempos, falamos um pouco sobre o Kurt produtor, guitarrista e claro, sobre o Converge.
Sounds Like Us: Oi Kurt, tudo bem com você? Primeiramente, obrigado por aceitar falar com a gente. Você pode contar um pouco de como começou a sua história na música?
Kurt Ballou: Olá! Quando eu era criança, tinha um gravador e gravava umas fitas. Eu fazia experimentos tocando, gravando discos da rádio e fazendo mixtapes. Aí eu comecei a tocar saxofone quando tinha por volta de uns 10 anos de idade e guitarra aos 16.
Sounds: E quais foram as bandas e discos que fizeram você se descobrir um fã de música?
Kurt: Acho que primeiro me conectei com Bruce Springsteen e Neil Young e depois com vários bandas de rock clássico. As coisas punks vieram um pouco mais tarde, por meio do skate.
Sounds: Você teve outras bandas ? Como foi a sua entrada no Converge?
Kurt: Na verdade não. Eu brincava um pouco com meus amigos, mas só toquei em alguns poucos shows antes do Converge. Fui convidado pra entrar porque o Blindsided, antecessor ao Converge, precisava de um guitarrista para tocar um cover do Suicidal Tendencies. Foi aí que eu comecei a tocar com eles, a compor algumas músicas e depois nos tornamos o Converge.
Sounds: Como você se sentiu ao gravar seu primeiro disco com o Converge? Quais eram seus sonhos, musicalmente falando?
Kurt: Eu só me lembro de ter amado tocar e estava emocionado por ter a chance de gravar alguma coisa.
Sounds: Kurt, enquanto algumas bandas tentam ser fiéis em reproduzir no show o que fizeram estúdio, o Converge ao vivo sempre parte para um caos emocional contagiante. Como você encara o palco?
Kurt: A gente simplesmente deixa rolar naturalmente. Não nos preocupamos muito se os nossos discos vão soar do mesmo jeito ao vivo e vice-versa. Nós só tentamos ser a melhor banda que nós pudermos ser, seja em qual for o lugar onde nós estivermos tocando.
Sounds: Dá pra dizer que o Jane Doe é um disco onde vocês encontraram sua identidade ou existe algum disco em especial que você ache que corresponda mais a esse momento?
Kurt: Jane Doe é o marco do Converge. Foi a primeira vez que Ben e Nate compuseram e gravaram com a gente, então por isso foi uma grande mudança em relação ao que tínhamos antes. É o disco que deu a largada para tudo que viria depois.
Sounds: Como guitarrista, seja nos timbres ou no modo de tocar, você criou uma marca muito forte. Você sempre buscou isso? Quais são os guitarristas que te inspiraram?
Kurt: Como todo músico, eu toco e o que sair, saiu. Outros guitarristas me inspiram, mas eu sou eu mesmo, com meus próprios gostos, sensibilidades e experiências que serão refletidas na minha música.
Sounds: O metal americano se fortaleceu em cima de um segmento que não tem uma definição específica, mas mesmo assim podemos dizer que se criou uma cena de bandas preocupadas com uma riqueza estética como complemento. Neurosis, Kylesa, Isis, Baroness, só para citar algumas, são bandas que quiseram fazer as coisas do seu próprio jeito. Montaram gravadoras, se envolveram com produção… Existe mesmo essa cena? Acha que o Converge seja parte dela?
Kurt: Sim, claro! Quando éramos mais novos, bandas como o Neurosis e selos como a Dischord eram uma inspiração no modo de como ser uma banda, tanto musicalmente como na maneira de administrar tudo isso. Nos anos 90, não havia gravadoras ou agentes interessados na música que nós e nossos colegas estavam fazendo, então tivemos que lançar nossos discos por conta própria e agendar nossos shows. Ainda hoje, 25 anos depois, lançamos grande parte da nossa música. E as gravadoras, promotores de shows e outros parceiros nos negócios com quem trabalhamos são pessoas que cresceram com um jeito de pensar parecido com o nosso.
Sounds: Voltando para o seu trabalho como produtor, quando foi que te deu estalo de “quero trampar com produção musical”?
Kurt: As primeiras gravações do Converge não saíram da maneira que eu gostaria, então eu pensei que se entendesse melhor o processo de gravação, teria mais capacidade de orientar o engenheiro de som. Tudo começo por volta de 1992, quando peguei emprestado um gravador de 4 canais, e depois consegui meu primeiro gravador de 8 canais em 1995. As coisas simplesmente cresceram desde então.
Sounds: Teve algum disco ou alguma produção específica que te serviu de inspiração?
Kurt: Na verdade, não. Eu estava animado com as grandes gravações e decepcionado com as ruins, e todas elas me inspiraram a ficar bom na profissão.
Sounds: Recentemente entrevistamos o Don Zientara, que gravou toda cena de punk/hardocre de Washinton DC e ele conseguiu um lance de ser visto como parte de uma cena que talvez não fosse a mesma sem ele. Você gravou grandes discos dessa “nova” cena metal americana. Você se sente como uma parte importante que ajudou a modelar a sonoridade dessa geração de bandas?
Kurt: O Don Zientara fez parte de muitos dos meus discos preferidos e eu definitivamente me espelho nele. Mas não cabe a mim definir minha própria influência. Estou simplesmente feliz que algumas bandas talentosas tenham pedido para eu trabalhar com elas, e tenho dado o meu melhor para não desapontá-las.
Sounds: Ainda passeando por Washington DC, uma vez você disse que Fugazi teria sido um influência no processo de criação de Jane Doe. Qual a sua relação com a cena hardcore/alternativa de Washington DC? Você chegou a viver aquilo de perto?
Kurt: Eu não lembro dessa frase, mas sim, a ética da Dischord e o espírito do it yourself foram uma grande influência para nós e para um monte de nossos colegas. A maioria das pessoas envolvidas naquele cenário são de uma ou duas gerações mais velhas do que a nossa e não experimentaram muitas das influências de metal como na nossa música, então não desenvolvi um relacionamento muito pessoal com essa galera. Mas eu tenho o maior respeito por essas bandas e por aquela cena.
Sounds: Existe uma banda que você gostaria de produzir? Por quê?
Kurt: Na real essa é uma pergunta difícil de responder. Existem muitas bandas que eu amo e com as quais não trabalhei. Não tentaria invadir o terreno de outro engenheiro de som, e não tem nenhuma banda em particular que eu esteja cobiçando.
Sounds: Entre os discos do Converge que você produziu, existe algum que você tenha ficado mais satisfeito como músico e como produtor?
Kurt: Eu tô bem feliz e satisfeito com tudo que fizemos desde o Jane Doe.
Sounds: O que te faz querer trabalhar com uma banda?
Kurt: Eu gosto de trabalhar com pessoas amigáveis, interessantes e motivadas que estão criando alguma coisa nova e também algo próprio ou melhor que os seus contemporâneos.
Sounds: O Converge tem um lado que vai contra o conforto que o metal oferece. Muitas bandas ficam sempre na sua fórmula e até que para algumas delas isso funciona, mas também é revigorante quando uma banda se permite arriscar e o Converge sempre foi muito bom nisso. “Phoenix in Flames” parece um bom exemplo dentro desse assunto. Você acha que isso é uma marca da banda?
Kurt: Ficar fazendo a mesma coisa várias e várias vezes é chato. Dito isso, eu gosto mais das bandas que são consistentes e coesas. O que fazemos é tentar encontrar um equilíbrio entre criatividade e coesão.
Sounds: Explica um pouco pra gente o que é o projeto Bloodmoon. De onde veio essa ideia?
Kurt: O Converge Bloodmoon é uma versão do Converge que traz músicas que requerem mais músicos do que nós quatro para tocar ao vivo. É uma coisa que eu queria fazer há muito tempo e agora tive a oportunidade de fazê-lo com a ajuda de nossos amigos Steve Brodsky, Chelsea Wolfe e Ben Chisholm, em abril do ano passado. É um desafio logístico, mas adoraríamos continuar a fazer shows e até mesmo escrever algum material no futuro. Não sabemos ainda o que vai rolar.
Sounds: Quais são os próximos passos do produtor Kurt Ballou e do Converge?
Kurt: Eu espero continuar fazendo música com meus amigos todos os dias, até deixar este mundo.