Segundo o próprio Jeff Becerra contou pra gente, o Possessed, formado em 1983, já se definia como uma banda de death metal. Pouco tempo depois, eles lançaram a demo tape de intitulada Death Metal, considerada por muitos o marco zero do estilo.
Com o álbum Seven Churches, o Possessed, junto com Death By Metal, do Mantas; e Hell Awaits, do Slayer, que ofereceu grande parte do insumo para o estilo, marcam o início de uma rica safra dentro da chamada música extrema. Claro, não podemos esquecer dos seminais Death, Hellhammer que, juntos, fixaram a chancela e moldaram toda uma geração de bandas. Dentre essas que beberam, e muito, nessa fonte, estava o Morbid Angel.
Avançamos para 1990. Época das primeiras eleições diretas o Brasil, nossa moeda estava prestes a passar de Cruzado Novo para Cruzeiro, a TV transmitia a guerra pelo petróleo na região do Golfo e foi no meio de todo esse caos, chegava até nós um compacto, ou 7’’, lindo e com tiragem limitada. Era um vinil raro e o dono dessa pérola não deixava ninguém nem segurar o disco. Exagero? Sim, mas era uma época difícil demais para conseguir material das bandas. Sem internet, o jeito era passar as tardes na Galeria do Rock, Woodstock ou na André Discos e os sábados na casa de amigos, escutando discos e gravando fitas. Das 666 cópias que havia em todo mundo, uma delas estava nas mãos de um amigo que se correspondia com várias bandas dessa safra. Era tudo via carta e o escambo era simples. Enviávamos o material daqui e as bandas devolviam com materiais como demos, EPs, revistas, flyers, adesivos, bottons e todo tipo de coisa que pudesse servir de divulgação daquela cena que ainda dava seus primeiros passos no underground.
Morbid Angel / Slaughter Lord foi lançado entre 89 e 90, em compacto prensado em vinil vermelho, e trazia duas faixas que eram saboreadas por horas. O lado do Slaughter Lord tinha duas músicas tiradas da demo Taste of Blood. O do Morbid Angel trazia duas faixas de um show realizado em 88.
A partir daí, o Morbid Angel passou a ser uma das prediletas da casa e por conta disso, nada mais justo que celebrar o aniversário de Domination, quarto álbum na discografia de uma das bandas mais importantes do death metal, lançado em 95, e que já traz Erik Rutan, ex-Ripping Corpse, tocando teclado e guitarra.
Domination é uma evolução natural dos 3 primeiros. Talvez um pouco preocupado com uma produção mais minunciosa e comprimida, afinal, já era a época da alta dos CDs. Não tão direto quanto Altars of Madness, nem tão orgânico quanto Covenant. Domination esbarra em experimentos nas construções das músicas sem se afastar da agressividade e técnica, características que consagraram o Morbid Angel.
É essa ousadia que faz com que ele compartilhe do mesmo sentimento de “ousadia” (para a época) capturada em Blessed Are the Sick, um disco com andamentos mais oblíquos e uma das melhores gravações de vocal de David Vincent.
É redundante perder algumas linhas revirando elogios em relação a qualidade técnica de cada um da banda naquele momento. Pete Sandoval estava na sua melhor forma. Trey Azagthoth compôs uma bela porção de riffs intrincados e por vezes atonais com uma facilidade admirável, e David Vincent em linhas de baixo objetivas e linhas vocais diferentes do que ele havia feito até ali.
Domination também é conduzido por solos mais melódicos, mesmo os mais ruidosos. Algumas estruturas pareceram mais tradicionais, forjadas no heavy metal clássico mesmo, o que não é ruim, afinal, é um disco que mostra como o Morbid Angel é uma banda altamente versátil sem deixar de ser extrema.
Sabe quando você escuta uma música nova de uma banda de que você gosta muito e a sua primeira reação é: “Vishhh”? Pois é, essa talvez seja a explicação mais acertada. A música é “Dominate”, um atropelo altamente veloz e de peso descomunal. A sequência traz “Where the Slime Live” e “Eyes to See, Ears to Hear”. Uma trinca matadora de passagens quebradas e em velocidades alternadas, como é de costume nas composições do guitarrista e fundador da banda, Trey Azagthoth. É interessante como essas três músicas conseguem criar um diálogo complementar entre elas. Chega a ser estranho ouvi-las separadamente.
“This Means War” é uma típica estrutura death metal. Uma boa música, mas sem grandes novidades pra quem já é íntimo da banda. Porém, logo em seguida, acontece a genial “Caesar’s Palace”. Uma composição forte, mais arrastada e de um bom gosto empolgante nos riffs e no trabalho de bateria, quase jazzístico, algo que era muito evidente em Blessed Are the Sick. Ouvir “Caesar’s Palace” é reafirmar o lugar do Morbid Angel no topo da escala de bandas extremas. Guardada as devidas propoções, “Caesar’s Palace” lembra um pouco o ambiente criado em “God of Emptiness”, do disco anterior.
Depois disso, o interlúdio “Dreaming” emenda em “Inquisition (Burn With Me)”, uma música que desde o início nos paraceu um pouco fora do contexto do disco, mas que hoje gostamos bastante. Depois dela, é de “Hatework” a missão de encerrar o disco no clima que um grande álbum merece. Grandioso e a toque de caixa.
Depois de Domination, David Vincent deixou a banda para seguir um direcionamento musical e criativo que, se analisarmos, já estava presente em “Hatework”, que aponta para o caminho controverso que a banda adotaria a no disco que marcaria a volta do baixista/ vocalista para a banda. Mas isso já é outra história.
Domination também foi um disco importante para o vocalista do Desalmado, Caio Augustus e para o guitarrista e vocalista do Jupiterian, V. Convidamos os dois para contar um pouco mais da relação de cada um com esse clássico da música extrema mundial.
É uma das maiores obras-primas do death metal. Pra mim está no TOP 5 da banda. Sou suspeito a falar de Morbid Angel, porque defendo os álbuns que a maioria odeia, exceto o ultimo, que é indefensável. Esse disco é a afirmação do David Vincent e seu lado Danzig. Cheio de pose, camisas abertas, vocal bem definido, melodias mil, cabelo esvoaçante e muita ginga rockeira. A cafonice machona de David abrilhanta o álbum e ele se torna disco de cabeceira do lounge de hard rock da casa de Satã. Foi fundamental para que eu ouvisse álbuns mais lentos, elaborados, roqueiros e aceitasse capas profundamente descoladas. É aquele baque que fã extremo precisa levar de sua banda preferida.
(Caio Augustus – vocalista Desalmado/Crânula).
Recentemente eu vi uma entrevista do Trey da época do Formulas… onde ele comenta sobre o quanto ele detesta o Domination. Desde o processo de composição das letras do David Vincent até a produção “estéril” e “industrial” que foram demais pro gosto dele. Entendo o sentimento, o At the Gates também odeia o The Red in The Sky is Ours, mas os dois discos marcaram minha vida e não consigo ver pelo aspecto técnico. Não importa quanto argumento contra os caras tenham, tem muito sentimento envolvido.Lembro da primeira vez que ouvi o Domination, lá pra 1997. A dobradinha de Dominate/ Where the Slime Live foram definitivamente a base para como eu faço e penso música hoje. Seja rápida ou lenta, tá tudo ali, resumido em duas músicas. É uma aula e guia para qualquer estilo dentro da música extrema.
(V – vocalista/ guitarrista Jupiterian).