Livro: ‘Murder in the Front Row’ e o thrash metal dos EUA

In Livros

Foto: Harald Oimoen / Reprodução Murder in the Front Row

Vinicius Castro

“Essas fotografias me levaram para um passeio por minhas memórias…” Não há sequer uma vírgula fora do lugar na fala de Dave Lombardo, ex-baterista do Slayer, hoje no Suicidal Tendencies, sobre Murder in the Front RowShots From The Bay Area Thrash Metal Epicenter (Bazillion Points). É, de fato, um livro que captura a essência do thrash metal em seu estado embrionário.

É isso. O livro, idealizado pelos fotógrafos Brian Lew e Harald Oimoen – este último também tocou baixo no D.R.I. -, consegue transportar o leitor para os dias do nascimento do thrash metal.

Murder in the Front Row. Foto: SOUNDS LIKE US

Lew, uma figura importante na cena das troca de fitas, começou a clicar depois de algumas aulas de fotografia no ensino médio. Ele ficou amigo do Metallica bem no início da banda e testemunhou o nascimento do thrash metal com bastante proximidade. Já Oimoen, seu parceiro no livro, começou a fazer fotos por volta de 1979/ 80, depois de ver um amigo tirar fotos de grandes shows como Aerosmith e Van Halen.

Brian Lew com Dave Mustaine, Lars Ulrich e Ron McGovney (Metallica). Foto: Autor desconhecido / Reprodução Murder in the Front Row

Ambos compartilhavam sua paixão pelo metal. Oimoen conta no livro que foi Lew quem o apresentou ao Metallica, tanto música como pessoalmente. “Não consigo mensurar quão crucial ele foi em me ajudar a ser parte integrante daquela fase inicial.” Ele ainda diz que uma das coisas mais legais era a grande amizade que ele e Lew criaram com o Metallica. “Eu sempre me pego pensando no quão legal foi me tornar amigo e parceiro de bebedeira de uma das minhas bandas favoritas de todos os tempos”. O texto traz ainda outras histórias incríveis, mas não vamos revelar aqui pra não estragar sua emoção.

Cliff Burton e Harald Oimoen durante a festa de aniversários de Gary Holt (Exodus) no Ruthie’s Inn. Foto: Autor desconhecido / Reprodução Murder in the Front Row

Cada página é um mergulho profundo em um universo ainda em formação, e, por isso, repleto de uma intensa pulsão de vida. Um furacão de novidades que consegue fazer com que o leitor chegue perto de sentir-se parte daquilo; afinal, o thrash da década de 80 bate fundo nos apaixonados pelo estilo.

É impossível não se emocionar. Além das fotos de shows, o livro traz registros de diversão, ensaios, encontros e brincadeiras, exercendo seu poder de congelar momentos. É o poder que cabe à fotografia. O legal é que são registros feitos sob o olhar de quem era parte daquilo, o que realça a beleza da espontaneidade registrada por Oimoen e Lew em momentos mais descontraídos.

Registros do primeiro ensaio do Metallica com Cliff Burton em dezembro de 82.
Foto: Brian Lew / Reprodução Murder in the Front Row

Vale lembrar que na década de 80 a força popular do metal era determinada pela presença das bandas na MTV americana. Motley Crue, Twisted Sister, Poison e outros nomes do hard rock abusavam das maquiagens, caras e bocas para desafiar os padrões da época e eram os queridinhos daquele período.

Mas, enquanto aquele cenário servia de escape para maquiar a realidade americana da época, a mesma Los Angeles, sede do hard rock oitentista, também abrigava jovens de duas bandas que estavam à procura de emoções um tanto mais realistas: Metallica e Exodus, que rapidamente migraram para Bay Area, região de São Francisco, berço do thrash metal mundial. Slayer e Megadeth também encontraram morada por ali enquanto outros nomes locais como Death Angel, Possessed e Legacy (que viria a se tornar o Testament), entre outros, ajudavam a reforçar que aquele lugar tinha algo de especial e que viria e se consolidar como a fonte de um movimento que determinaria o futuro do metal.

Felix Griffin (D.R.I) e Dave Lombardo (Slayer) nos bastidores de um show do D.R.I.
Foto: Harald Oimoen / Reprodução Murder in the Front Row

Muito mais que um livro, Murder in the Front Row aborda o contexto histórico em imagens complementadas por depoimentos dos autores, além de figuras importantes como Ron Quintana, do fanzine Metal Mania; Gary Holt, do Exodus; Alex Skolnick, do Testament e Robb Flynn, do Machine Head.

Ron Quintana conta como aquela época era escassa para uma música transgressora em tempos conservadores, que coincidiram com o primeiro mandato do presidente americano Ronald Ragan.

“O Waldorf tinha três ou mais shows de hard rock toda semana. Em 3 de maio de 1982, vi uma interessante banda de South Bay chamada Trauma, com o baixista Cliff Burton… Depois do show nós saímos, falamos com eles e com o amável e gente fina Cliff, que era um cara amigável e divertido para conversar sobre música” – Ron Quintana.

Cliff Burton (Metallica). Foto: Harald Oimoen / Reprodução Murder in the Front Row

Gary Holt também divide com o leitor algumas memórias. Uma delas é sobre sua comemoração de 21 anos. Convidados mais que especiais circularam pelo Ruthie’s Inn e, pra nossa sorte, algumas fotos foram tiradas.

O guitarrista do Exodus também conta sobre a primeira vez que tocou no Ruthie’s Inn junto com uma banda que “não tinha ideia onde estava se metendo”. Holt conta que o público do Exodus quebrou os copos deixados pelos fãs da outra banda em frente ao palco. “Tinha sangue e cacos de vidro por toda parte! Tinha uma garota que era da turma da outra banda que parecia estar gostando do nosso show. Ela estava na primeira fila até que Paul Ballof [vocal do Exodus] passou a mão em uma poça de sangue e esfregou no rosto dela. Dava pra ouvi-la gritar… A música ‘Bonded By Blood’ é basicamente a nossa ode ao Ruthie’s Inn. O sangue do palco é uma referência direta a esse momento…”, conta Holt em um texto escrito especialmente para o livro.

O Exodus, no palco do Ruthies’ Inn. Foto: Brian Lew / Reprodução Murder in the Front Row

Murder in the front row,
crowd begins to bang
And there’s blood upon the stage
Bang you head against the stage
And metal takes its price,
bonded by blood – (trecho de “Bonded By Blood”)

Alex Skolnick, guitarrista do Testament, também tem uma página dedicada a suas histórias e faz um apanhado bonito sobre a importância das casas de shows para a criação daquela cena. Dentre elas, o Omni, um lugar que pra ele era o centro de “uma subcultura de jovens, com pouca experiência, com um local estabelecido e respeitável, onde suas vozes podiam ser ouvidas coletivamente em um volume excruciante”.

Alguns registros da presença de Les Claypool (Primus) no livro. No canto inferior direito, Claypol com Greg Christian (Testament). Foto: Harald Oimoen / Reprodução Murder in the Front Row

As últimas páginas do livro trazem fotos incríveis de bandas improváveis, como o Primus, que era bem envolvida com aquele cenário, além de ter o guitarrista Larry LaLonde, ex-Possessed, em sua formação.

Recorrendo novamente ao prefácio, trazemos Oimoen: “Eu não tinha ideia do quão gigantes nossos amigos do Metallica, Megadeth, Exodus, Slayer e outros seriam. Éramos garotos totalmente apaixonados por metal, vivendo e respirando aquilo 24 horas por dia, 7 dias por semana”.

Essas e outras histórias e registros fazem de Murder in the Front Row um tesouro do thrash metal americano. Em breve algumas delas chegarão aos cinemas, como pudemos ver no primeiro trailer, divulgado há pouco tempo. Sorte dos fãs do thrash e aficcionados por música em geral, que agora terão outro registro sobre o tema além de Get Thrashed, lançado em 2006.

Murder in the Front Row reforça a importância de se documentar, da maneira que for, o amor e a paixão que a música desperta, tornando aquilo que vivemos hoje algo importante amanhã. É o tempo que fará com que, em um futuro distante, tudo o que foi registrado seja revisitado várias e várias vezes. E que a história seja contada e não se perca por entre os becos da memória.