Vinicius Castro
Para entender o contexto temporal, cultural e de espaço de uma determinada manifestação artística é necessário ir além da superfície. Com o death metal não seria diferente. Afinal, é no subterrâneo que a mágica acontece.
Grandes discos foram registrados. Clássicos foram forjados no que havia de mais extremo em relação ao trato com a música e em retratar, ainda que de forma alegórica, as versões sujas do ser humano e suas fantasias mais ocultas.
O death metal, como a então novidade daquele período, foi uma resposta rápida, agressiva e ainda mais subversiva e marginal ao thrash metal, que por sua vez havia nascido como um cenário opositor ao hard rock que dominava a Los Angeles da década de 80. Em perspectiva, ainda que não profundamente analisada, é quase sempre uma questão de superar o que veio antes, usando o destemido, sonhador e desafiador instinto da juventude.
Talvez por isso o death metal faça tanto sentido em nossas vidas. Éramos aqueles adolescentes descobrindo um novo jeito de alargar a fronteira da música utilizando toda agressividade possível para fazer, e ouvir, música.
Se na primeira parte o nosso especial sobre o death metal em 1991 estava repleto de discos importantíssimos, nesse novo capítulo não será diferente. Tem muito disco bom e ótimas lembranças daquele ano. E aguardem: parafraseando um clássico da época, “Death… is just the beginning”.
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MASTER
On the Seventh Day God Created… Master
A música de Paul Speckmann é do tempo em que o death metal ainda nem tinha recebido esse nome. Speckmann gravou a demo do Warcry em 1983, depois algumas outras com o DeathStrike, que foi semente para o que viria a ser o Master, e também teve uma passagem pelo Funeral Bitch e o Abominations. Embora não seja tão lembrado quanto deveria, ele foi uma das testemunhas do auge do thrash e da gênese do death metal semeada no já distante ano de 1984, quando o Possessed batizou a sonoridade com a demo tape de mesmo nome.
Entre os seus projetos/ bandas, o mais conhecido é mesmo o Master, que a gente teve a sorte de ter o disco de estreia lançado por aqui no início da década de 90. Um clássico! Como dizíamos na época, era o Motorhead “déti metal”. Cru, seco, direto e pesado.
Pouco tempo depois o mesmo selo também lançou o segundo disco da banda no Brasil: On the Seventh Day God Created… Master. Mais lapidado, é o típico death metal americano já com aquela sonoridade característica do estúdio Morrisound, onde foi gravado no mesmo ano em que foi lançado, em 1991. Talvez pela pressa em aproveitar o que aquele momento tinha para oferecer ou somente pela maneira sem rodeios que o Master funciona. E é nesse primitivismo death metal que mora o charme de uma banda tão importante como o Master.
MORGOTH
Cursed
Em um primeiro momento, vindo de uma fita k7 já regravada por algumas vezes (algo comum na década de 90), a sonoridade do Morgoth me pareceu logo de início deter todos os elementos que pede o death metal.
Na mesma época, Cause of Death, do Obituary, era um LP muito querido entre os fãs do bom barulho e num rompante de procurar bandas por bandas que se assemelhassem àquela sonoridade, me foi apresentado o Morgoth. Não que as bandas fossem muito parecidas, mas o chamariz foi o vocal de Marc Grewe (hoje junto ao Insidious Disease), que também segue por uma linha de voz mais rasgada, como os berros de John Tardy, do Obituary.
Cursed foi uma descoberta e tanto. A produção não é das melhores, mas quem disse que isso importava? O Morgoth, com músicas incríveis como “Body Bag”, “Isolated” e “Opportunity is Gone”, fez a cabeça do público no já distante e saudoso 1991. Que disco!
CARBONIZED
For the Security
Com No Carbonization a paixão pelo Carbonized foi instantânea e eu não fazia ideia de quem eram as pessoas que faziam parte daquela banda. Eram os anos 90 e a única informação era se tratar de um projeto paralelo que tinha em sua formação “alguém do Entombed”.
O single lançado em 1990 tinha três faixas e chegou por aqui dois anos mais tarde, praticamente junto com o primeiro disco, For the Security, originalmente lançado em 1991. Foi aí que entendemos que o Carbonized era um projeto do Christofer Johnsson que, entre a finalização e o lançamento do disco de estreia do Therion, convidou os amigos Lars Rosenberg (Entombed) e Piotr Wawrzeniuk para gravar com seu projeto. O resultado é For the Security.
Em princípio, o Carbonized aparenta trafegar pelo death metal europeu tradicional, mas é no decorrer do álbum que essa impressão se derrete aos poucos. Hora por conta de um blast beat, hora por recortes que levam as composições para algum lugar que poderíamos chamar metal extremo experimental, como em “Third Eye”. Há também composições em tempos não tão comuns ao death metal daqueles dias, como em “Purified (From The Sulfer)” e passagens quase voivodianas como na faixa título.
Ao olhar para história e seus aspectos e feitos, é importante que se analise o contexto e que se entenda que cada obra é produto do tempo em que vive. Algumas mais, outras menos.
For the Security é um álbum ousado para época, dono de um magnetismo e estranhamento que fez com que a banda ganhasse o status de cult e assim segue ainda hoje.
IMMOLATION
Dawn of Possession
O death metal é uma vertente em que é preciso “estar” de corpo e alma e Dawn Of Possession sempre nos transmitiu esse “estar” de forma muito sincera. Toda sonoridade áspera e veloz do álbum de estreia do Immolation consegue traduzir o que a gente esperava que o death metal fosse.
Dawn Of Possession é um aula já em seu início. “Into Everlasting Fire”, além de ser uma das melhores músicas de abertura de disco do metal extremo, tem um riff lindo. O álbum não foi lançado em formato físico por aqui, então, como de costume, tivemos que ouvir somente em fita. O vício foi tamanho que, por um bom tempo, procurávamos somente bandas que soassem como Immolation (risos).
MONASTERY / SINISTER
Split
No auge da explosão do death metal por aqui, o que eu mais queria era mergulhar fundo nas entranhas daquela sonoridade. Quanto mais podre, rápido, pesado e, claro, desconhecido, melhor.
O Monastery foi um desses casos. Em meio às trocas de fitas surgiu uma gravação de um split entre aquela, até então, banda novíssima nascida na Holanda e que tinha em sua formação Lars Rosenberg (olha ele aqui de novo), do Entombed; Aad Kloosterwaard e Ron van de Polder, baterista e guitarrista do Sinister, respectivamente.
Pois bem, já que Lars estava ao lado de dois membros do Sinister, por que não gravar um split entre as duas bandas? Foi o que aconteceu, e foi ali que eu ouvi as duas pela primeira vez. O Monastery, talvez por conta da gravação, parecia mais barulhento e interessante. As três músicas registradas são incríveis, mas vale o destaque para “False Prediction”, uma espécie de Righteous Pigs mais death metal do que grindcore. Coisa linda!
O Sinister, por sua vez, oferecia um death metal regado aos costumes mais comuns ao estilo, mas também tinha um tempero diferente. Por conta disso, costumávamos dizer que eles eram uma das bandas mais americanas da Europa. Tanto “Perpetual Damnation” como “Putrefying Remains” já haviam aparecido na demo lançada um ano antes e também estão em Cross The Styx, clássico da banda de 1992 que revelou o Sinister para o mundo e foi lançado no Brasil um ano depois.
HEADHUNTER DC
Born… Suffer… Die
Para o metal extremo, o Brasil da década de 90 foi um terreno rico em qualidade e quantidade de bandas que surgiram em espalhados cantos do país e romperam com a atenção concentrada no eixo São Paulo – Belo Horizonte. Havia mais, muito mais.
Alguns nomes chamavam muito a atenção; entre eles estava o Headhunter DC, que pouco tempo depois da demo “Hell is Here” lançou, via Cogumelo Discos, o clássico disco de estreia: Born… Suffer… Die. Um registro que poderia, e mereceria, ser muito mais lembrado quando o assunto é o metal extremo feito no Brasil.
O álbum foi gravado em Belo Horizonte (MG), no J.G Estúdio e, talvez por conta disso, carregue certa semelhança de timbres em relação a outros também registrados por lá, como os ótimos Sexual Carnage, do Sextrash, e Rotting, do Sarcófago.
Born… Suffer… Die é costurado pela cartilha do death metal da velha escola. Timbres, velocidade, construção das composições e uma rispidez peculiar que só nosso metal extremo conseguia produzir. Tá tudo ali. Se você não conhece, precisa conhecer. Se já conhece, ouça novamente sempre que puder.
CONVULSE
World Without God
A juventude carrega uma certeza perecível de que todos os desafios serão superados e qualquer limite que se imponha será quebrado. O Convulse nasce um pouco dessa forma. Rami Jamsa (guitarra/vocal) queria deixar o thrash metal da década de 80 para trás. E assim, o S.D.S (Seven Death’s Sin), antiga banda de Jamsa, assume o nome de Convulse e determina o death metal como norte.
Isso ocorreu em 1990 e já no ano seguinte o Convulse lançou World Without God, um clássico de sonoridade suja e menções ao Carcass, principalmente na maneira de estruturar seus riffs como os do início de “Putrid Intercourse” e “Blasphemous Verses”, por exemplo.
A banda segue na ativa e em 2020 lançou Deathstar, um disco que pode agradar ouvidos mais afeitos ao stoner, embora algumas poucas pitadas do death metal ainda permaneçam por ali.
AUTOPSY
Mental Funeral
É curioso como, de tempos em tempos, uma parte do death metal old school se torna o foco de uma grande demanda de novas bandas. Um bom exemplo dessa linha que transpassa influenciadores e influenciados é o Autopsy, que, com sua sonoridade pesada e cadenciada, nos parece ser um dos responsáveis por uma parte da safra de bandas da história mais recentes que surgiram pela região da Bay Area, caso do Vastum, Necrot, Extremity, entre outras belezas.
Em comum todas beberam, e muito, em discos como Mental Funeral e Severed Survival. O que é ótimo, e só reforça que os dois registros, mas principalmente Mental Funeral, são uma escola e tanto para o lado mais rústico do death metal.
CARCASS
Necroticism – Descanting the Insalubrious
É interessante o exercício de enxergar a discografia do Carcass de um lugar distante. Junto ao Repulsion, Napalm Death e o Terrorizer, a banda foi uma das primeiras a transgredir a velocidade e acelerar ainda mais o que parecia impossível. Porém, além do blast beat já presente em Reek of Putrefaction, o Carcass também abusou de outra vertente da extrema arte: o conteúdo.
Corpos mutilados, excrementos, vísceras, ossadas. Estava tudo ali, nas capas dos dois primeiros discos da banda. Porém, em Necroticism – Descanting the Insalubrious, terceiro disco da banda, o Carcass passou a anunciar esses elementos de uma forma, digamos, menos chocante.
Necroticism… é um registro que consegue dosar o equilíbrio entre a agressividade de Reek of Putrefaction e a criatividade do lindo Symphonies of Sickness; com o peso e a técnica que ganhariam maior protagonismo em Heartwork.
PURTENANCE
Crown Waits The Immortal
Bruto. Em sentido figurado ou literal, não importa. O ponto é que o EP do Purtenance é um aceno incontido de como o death metal, em seu estado descontroladamente jovem, funcionava muito bem. O timbre de guitarra na instrumental “Apparition of the Mist”, que abre o EP de três músicas, é granulado e distorcido sob medida para que tudo o que aconteça em volta sofra o impacto que o death metal pode causar.
Crown Waits The Immortal é um registro curto, porém incrível. E o Purtenance, assim como o Abhorrence e o Convulse, são os nomes mais legais daquela safra noventista do death metal feito na Finlândia.