Vinicius Castro
Não é tarefa das mais simples definir a paleta de sonoridades que envolve o som de Seattle. Sujo, pesado, melódico, angustiado, catártico, emocional, passional, vital. Grunge é um som? Um movimento? Uma estética? E antes do grunge, quem eram aquelas pessoas que em pouco tempo vestiram a sua maneira?
Em um recorte mais objetivo, dá pra dizer que a sonoridade grunge foi construída por dois movimentos que gritaram alto pelo mundo: o punk e o heavy metal.
Toda a galera que viria a criar Nirvana, 7 Year Bitch, TAD, Soundgarden, Mudhoney, entre tantas outras, bebeu muito no punk esquisito do Flipper; no metal sabático de “My War”, do Black Flag; e na sonoridade espasmódica do Wipers.
Na já distante década de 80, Seattle era um ninho fértil para o heavy metal. De lá vieram bandas como Queensrÿche, Sanctuary e o Metal Church, que não nasceu lá, mas logo fez de Seattle sua morada.
Enquanto os punks da região escolheram a explosão veloz do hardcore ao invés da virtuose, uma outra parte, a dos headbangers, mantinha sua atenção na técnica vigente do metal ortodoxo de nomes como Iron Maiden e Judas Priest.
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Segundo o livro Taking Punk to The Masses, de Jacob McMurray, em Seattle, “a distância musical entre punk e metal diminuiria com o surgimento de bandas como Green River, Soundgarden e Melvins fundindo os dois, criando um novo amálgama que logo seria chamado de grunge”. Isso ajuda a entender o nascimento do som de Seattle que tinha entre suas crias, o Alice in Chains.
A gênese de uma das bandas mais nubladas daquela safra é constituída com certa proximidade ao heavy metal, a ponto de, no comecinho da carreira, serem apelidados de Kindergaten por conta da semelhança sonora com o Soundgarden.
Kim Thayil, guitarrista do Soundgarden e Jerry Cantrell, guitarrista e vocalista do Alice in Chains, costumavam ir a shows juntos.
Certo dia eles foram ver o D.O.A, banda punk do Canadá, e Cantrell perguntou “como fazia pra tocar músicas como ‘Nothing to Say’ e ‘Beyond the Wheel’ (ouça a seguir)”.
Thayil contou que aquelas eram músicas tocadas em outra afinação, mais baixa, em drop D. “Pouco tempo depois, o Alice in Chains gravou uma demo, ainda com outro nome, com várias músicas afinadas em drop D que mais tarde viriam a estar em Facelift”, explica Thayil no livro Everybody Loves Our Town, de Mark Yarm.
O guitarrista do Soundgarden ainda conta que “na primeira demo, quando ainda se chamavam Alice n’ Chains, estavam mais para o Poison do que para o enorme monstro que eles viriam a ser. Isso realmente mudou quando eles ouviram o nosso som”.
Tá, mas a pergunta que não quer calar é: Quem diabos era o Alice in Chains antes do Alice in Chains? Vamos por partes.
Layne Staley antes do Alice in Chains
Staley era um cara que já transitava por algumas bandas de metal da chuvosa Seattle. Mas foi em 1985, quando ele se juntou ao Sleze, que a coisa começou a fluir. Em pouco tempo, mais precisamente um ano depois, o Sleze mudou de nome e passou a se chamar Alice n’ Chains. Com essa grafia mesmo, como Guns n’ Roses. h
Além de Staley, o então Alice n’ Chains contava com Nick Pollock (guitarra), Johnny Bacolas (baixo) e James Bergstrom (bateria).
Além de alguns covers, eles também tocavam músicas autorais, com títulos horrendos como “Ya Yeah Ya” e “Lip Lock Rock”, que giravam em torno do hard rock e do glam oitentista, fortes na época, e encabeçados por nomes como Def Leppard e Mötley Crüe.
Na época em que o Alice n’ Chains chegou ao fim, Staley começou a tocar com uma outra banda, bem interessante e diferente do que estava rolando por lá, o 40 Years of Hate. Além de Staley, a formação contava com James Bergstrom (bateria), Dave Martin (bateria eletrônica), Ron Holt (baixo) e Jerry Cantrell (guitarra).
A sonoridade era uma mistura de beats funkeados, algo do industrial, guitarras pesadas em algumas faixas, mas também cheias de groove em outras. Eles compuseram algumas músicas, mas gravaram pouca coisa.
No livro Alice in Chains: The Untold Story, David de Sola conta que “as primeiras quatro músicas, que Holt imagina terem sido gravadas em 1987, foram batizadas de 1988 Full of Pain, Full of Hate. Na mesma época, eles compuseram outra música, ‘It’s Comming After’, que Bergstrom apelidou de “a música que Staley pirava”. Ele ainda conta que nela havia ‘algo de David Bowie’ com alguns elementos do industrial feito naquela época, mas sem ser necessariamente industrial”.
Fato curioso é que Holt tinha uma banda com Taime Downe, vocalista do Faster Pussycat, nome em ascensão no glam metal dos anos 80.
Holt tinha escrito a música pensando na voz de Downe. “O Faster Pussycat tinha acabado de assinar e achei que ficaria legal com ele. Um dia Staley leu um trecho da letra e acabou pegando a música pra ele”, conta Holt. Mais tarde, “It’s Comming After” foi registrada no disco L.O.V.Evil Songs, do Second Coming, lançado em 1994.
Jerry Cantrell, Mike Starr e Sean Kinney antes do Alice in Chains
Jerry Cantrell chegou a fazer parte, por um curtíssimo tempo, do Gypsy Rose, que também contava com Mike Starr no baixo. Depois de alguns desencontros musicais, os dois saíram da banda e montaram o Diamond Lie.
Cantrell morava na casa de um dos caras do Gypsy Rose, mas com sua saída da banda, a situação não ficou das mais cômodas. Ele então foi morar no Music Bank, que nada mais era do que um lugar onde as bandas ensaiavam, e foi lá que ele e Layne Staley se conheceram.
McMurray conta que logo de cara “os dois se deram muito bem e Staley pediu para que Cantrell se juntasse à banda em que ele estava cantando. Cantrell concordou com a condição de que Staley, por sua vez, se juntasse ao Diamond Lie”, a então nova banda de Cantrell (guitarra), Starr (baixo) junto a Sean Kinney (bateria).
O nascimento do Alice in Chains
Com a dissolução do 40 Years of Hate, e depois de o Diamond Lie realizar alguns testes frustrados com vários candidatos a vocalista, em 1988 Staley resolveu se juntar oficialmente a Mike Starr (baixo), Sean Kinney (bateria) e Jerry Cantrell (guitarra e vocal).
No release oficial do Diamond Lie, segundo Mike Inez, que anos mais tarde viria a tocar baixo no Alice in Chains, Staley era um artista que “conseguia transmitir uma porção de emoções arrebatadoras por meio de sua voz”.
Em pouco tempo eles já começaram a fazer alguns shows pelos arredores de sua cidade natal, tocando algumas músicas próprias e covers de David Bowie e Hanoi Rocks.
“Quem toma o centro do palco do Diamond Lie é o energético e eletrizante [vocalista] Layne Staley. A experiência de Staley com vários grupos de vários estilos lhe deu uma grande variedade de habilidades vocais. Da banda de speed metal Sleze ao glam rock do Alice n’ Chains. A versatilidade e a performance desinibida de Staley provam que ele é um líder valioso” – Trecho tirado do release oficial do Diamond Lie.
Com a popularidade crescente, todos na banda entenderam que precisariam de um novo nome.
Staley sugeriu reaproveitar o da sua antiga banda, Alice n’ Chains, mas Starr achou por bem colocar “in” no lugar do “n'”, e assim definiram um nome importante da nossa música, que carrega emoções particulares e que segue compartilhando suas dores, amores e talento em alto volume.