Deftones: ‘Adrenaline’

In Discos
Vinicius Castro

No dia 03 de outubro de 1995, o mundo recebeu o disco que ajudou a alterar boa parte das coordenadas e possibilidades da música pesada em uma década prolífica sob diversos aspectos.

Adrenaline, a estreia do Deftones, trazia uma banda ainda cheia de espinhas no rosto, mas com uma postura e musicalidade um tanto maduras. Um disco explosivo, cativante e com aquele charme que só a ingenuidade pode oferecer.

A já distante década de 90 teve protagonistas como Jane’s Addiction, Red Hot Chilli Peppers, Rage Against the Machine, Beastie Boys, Helmet e Faith no More, mas aqueles dias também sucumbiram frente à onda das calças Dickies, e letras confessionais sobre abusos, famílias destruídas e visões introspectivas de mundo que conversavam diretamente com a nossa vida comum e tão cheia de risos e sofrimentos em larga escala dramática.

Foto: Sounds Like Us

Tão urgente quanto sua musicalidade, aquela aparente nova onda logo se transformou em um movimento forte, encabeçado pelo próprio Deftones, além do Korn e o Limp Bizkit, que, em pouco tempo, passaram de apresentações em pequenas casas para shows lotados e acompanhados da crescente venda de discos.

O nu metal virou mania. Todo mundo queria sua jaqueta Adidas e, com o heavy metal, digamos, mais tradicional em baixa, com excessão do sucesso do Pantera e Sepultura, ficou fácil para que aqueles então novos nomes dominassem o mercado. Há quem diga que grande parte da influência do Korn e cia vem do álbum Roots, clássico do nosso Sepultura. Existe sim uma conexão, mas seria raso demais responsabilizar somente o Roots pelo nascimento de uma sonoridade que também bebeu em outras fontes.

O Deftones sempre foi diferente. Cansamos de presenciar conversas que rumavam para o não suficiente posto de colocá-los no nu metal. E até faz sentido, Adrenaline é um disco com forte conexão com o estilo, não o modelo ortodoxo, mas tem lá seus momentos. As rimas trazidas do rap, os riffs cordão, os gritos entre melodias. Mas há também aquele “algo a mais”, já presente no disco de estreia, Uma sonoridade que conversava com o pop/new romantic da década de 80 e o rock alternativo da de 90. E isso encantou muitos corações.

Deftones ao vivo em San Francisco, em 1994. Foto: Trent Nelson

Era 1995, MTV Latina, programa Headbangers. Foi lá, depois da difícil tarefa de sintonizar a TV no conversor UHF, que despontou o clipe de “7 Words”. Uma música que torceu as estruturas e inseriu um sinal de novidade vindo de diferentes sonoridades que habitavam um mundo já adepto a misturas dentro da mente dos filhos da ensolarada Califórnia. O resultado era uma massa sonora de energia desenfreada, fruto da influência de bandas como Suicidal Tendencies e Bad Brains, além de nuances climáticas em melodias descendentes da memória afetiva de quem viveu os anos 80 regados a Depeche Mode, Duran Duran e The Cure.

“7 Words” era tensa. De riff curto e o início com um prelúdio dissonante que transportava a música para o refrão que explodia em berros rasgados. No meio, o groove e a rima solta que vinha do flow livre cultivado na costa oeste dos EUA.

Foto: Divulgação

Ainda no mesmo ano chega o clipe de “Bored”, e aí os caras desmontaram de vez toda e qualquer perspectiva que o público poderia ter sobre o que viria depois de uma música urgentíssima como “7 Words”. “Bored” era mais cadenciada, hipnótica.

Um lance pouco citado e perceptível nesse primeiro registro é o jeito Pixies de construir as músicas, que ficou conhecido popularmente pelas mãos de Kurt Cobain, do Nirvana. O Deftones entendeu direitinho a lição do loud-quiet-loud e soube usar isso muito bem e o resultado disso circula o universo do álbum. Mesmo as barulhentas “Root” e “Nosebleed” seguem, a sua maneira, esses ensinamentos. Isso sem falar nas maravilhosas “One Weak” e “Birthmark”.

Adrenaline foi o primeiro disparo de um banda que, ainda engatinhando, já tinha muito pra mostrar – embora o reconhecimento comercial tenha vindo somente alguns anos depois, com o terceiro disco, White Pony.

O Deftones trouxe um ar etéreo ao metal alternativo, em grande parte influenciados pelo shoegaze, que em Adrenaline ainda aparece de forma tímida. Essa combinação de peso e longas camadas e dissonâncias pode ser percebida em músicas como “Fireal”, uma das nossas prediletas por aqui, junto com a pouco lembrada, e igualmente linda, “Lifter”.

Hoje, é curioso pensar na banda que escutamos em Adrenaline e na proporção que o nome Deftones ganhou com o passar das décadas. Desde as primeiras turnês, abrindo shows para bandas como o Monster Magnet, por exemplo, o Deftones sempre nos transmitiu ser uma banda consciente do seu tempo, espaço e, principalmente, de seus passos que, gradualmente, iam nos mostrando as apostas, as evoluções e o direcionamento criativo gradual de uma banda entregue ao seu próprio modo de soar honesta.

“Lembro que ouvi os primeiros acordes abafados de “Bored” quando tinha 16 anos. Nunca tinha escutado nada parecido. Era simples, mas ao mesmo tempo com uma potência avassaladora. Eis que Chino começa a cantar e aí minha cabeça não entendeu mais nada. Todos os meus conceitos sobre música pesada foram estraçalhados em poucos segundos. Daí pra frente eu nem sei mais explicar em palavras, só digo que daquele dia até hoje o Deftones continua sendo uma das bandas preferidas da vida.”
Fabrizio Martinelli (guitarra – Maguerbes).

“O próprio nome do álbum diz muito sobre o meu sentimento ao escutá-lo: total liberação de adrenalina. Esse álbum veio como uma renovação de espírito pra mim. A veracidade da sonoridade era revigorante, os riffs e os vocais sincados me influenciaram pro resto da minha vida”.
Cleber (vocal – EDC).

“Muitas bandas só lançam seus melhores trampos depois de um bom tempo de carreira, mas é inegável que os primeiros discos são especiais. O Adrenaline tem sim toda aquela raiva explodindo e aquela falta de preparo no bom sentido, mas também o lance de já ter uma banda muito entrosada, mostrando um talento destruidor para fazer músicas fodas e que eles tocam até hoje. Por fim, já se mostravam à frente de todo mundo – é só ouvir o último som, ‘Fireal’, para comprovar isso”.
Luiz Mazetto (autor dos livros Nós Somos A Tempestade I e II / guitarra – Basalt).