Vira e mexe algum tipo de repescagem musical fala dos anos 90, do rock alternativo norte-americano e de sua popularização a partir do Nirvana. Seattle costuma ser a principal referência, mas outras cidades do estado de Washington andavam colocando no mapa uma importante vibração criativa, como era o caso de Olympia, berço do Bikini Kill e do Beat Happening. Ali pertinho ficava Tacoma, de onde saiu o Seaweed.
Cinco moleques recém-saídos da escola e que assinavam uma sonoridade tão expressiva e pulsante, entre o melódico escancarado e o peso enérgico, que mal podia ser definida a não ser sob a alcunha de “o som dos anos 90”. O esquema loud-quiet-loud introduzido pelo Pixies e sedimentado pelo Nirvana ganhou alguns degraus intermediários de intensidade e cadência com o Seaweed. Trechos mais “mansos” das músicas eram apenas pretexto para crescendos que explodiam além do refrão. “Start With”, “Kid Candy” e “Crush Us All” eram canções que deixavam marca e evocavam situações de liberdade, como um skate debaixo do pé.
E mesmo tendo sido tão importante, o Seaweed ainda se encaixa naquele lamentável rol de bandas que merecem mais, muito mais destaque. No meio de um caminho traçado na independência, foram abordados por uma grande gravadora (Hollywood Records), caíram no conto do vigário e aprenderam a lição de que o rock alternativo podia ser encarado como alvo, mas jamais como um investimento aos olhos da indústria.
O retorno ao underground fez um bem danado a nós, fãs: a Merge Records, fundada por dois líderes do Superchunk, relançou neste ano o álbum Actions & Indications, de 1998. Certamente foi um presente aqui pra gente. Mas presentaço mesmo foi esse papo com o vocalista Aaron Stauffer e as fotos inéditas que ele nos mandou. Pra muitos, ele é o enfermeiro de plantão em uma cidadezinha da Califórnia. Pra gente e pra memória da música independente, ele é a voz de muitos hinos da juventude.
Sounds Like Us: Oi, Aaron, tudo bem? Onde vive atualmente? Como é seu trabalho atual e quando a música entra na sua rotina?
Aaron Stauffer: Eu estou bem, obrigado! Eu moro no Norte da Califórnia, à beira de um rio do Condado de Mendocino, perto da cidade de Mendocino. Eu moro a aproximadamente 7 km do mar, em uma pequena casa localizada numa floresta de sequóias. Eu sou um enfermeiro registrado na emergência de um pequeno hospital rural de Fort Bragg, na Califórnia. Continuo fazendo música. Recentemente eu tenho tocado com um paramédico do meu trabalho. Ele toca guitarra e canta, e eu toco cajón e teclados e canto. Atualmente estamos trabalhando algumas canções de Natal para a festa de um amigo nosso. Ele é realmente um bom cantor. Ao longo do dia, eu canto bastante! Seja trabalhando ou quando estou dirigindo. Embora eu não possa tocar como pude na juventude, a música está sempre comigo. Outra coisa que faço muito é pescar no mar com meu pequeno caiaque. Eu amo pescar peixes grandes. Salmões grandes chegam a me puxar quando tento trazê-los para o barco.
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Sounds: No livro da Merge tem uma história incrível sobre a viagem de três dias que o Seaweed fez de Tacoma até a Carolina do Norte, para a turnê do Wet Behind the Ears. Quando imaginamos essas histórias, vem o fato de que, hoje em dia, muitas bandas viajam de avião e os integrantes nem chegam a ficar muitas horas juntos dentro de um mesmo transporte. Como foi aquela experiência?
Aaron: Foi ótimo e terrível! Há algo de muito especial na primeira viagem de alguém pela América. O Superchunk é uma grande banda, eu realmente me diverti em vê-los toda noite e conhecê-los. Foi emocionante estar nessa nossa primeira turnê, e a gente tinha acabado de sair da escola. Foi mágico.
Sounds: Qual o estado atual do Seaweed? O último registro em estúdio foi o ótimo 7” Service Deck/The Weight, e temos um show aqui e ali. Consideram a possibilidade de fazer mais shows ou mesmo uma turnê, pegando carona no relançamento do Actions & Indications?
Aaron: Nós não estamos fazendo show no momento. A última vez que tocamos foi na primavera de 2014.
Sounds: De que maneira o Seaweed mudou sua vida, e quanto daquela intensa convivência no meio musical afetou seu jeito de encarar situações pessoais e a música em si?
Aaron: Eu sempre canto no trabalho quando está estressante. Isso ajuda. Eu toquei com o Seaweed dos 17 aos 28 anos, e esses são os anos de formação do caráter. O Seaweed me deu a chance de viajar para muitos lugares incríveis, e abriu minha cabeça para outras culturas. Acho que aprendi muito sobre trabalhar em equipe. Claro que a maior parte desse aprendizado vem dos erros, e eu errei bastante.
Sounds: Quando pensamos no som dos anos 90, a gente do Sounds Like Us imediatamente evoca o Seaweed, como se fosse uma sonoridade definidora mesmo. Tem aquela mistura de punk, pop, indie e metal que dá um resultado completamente imprevisível e fantástico, e fica até difícil de explicar. Como foi chegar a esse som? De onde vêm os ingredientes?
Aaron: Vêm de Tacoma! Eu vou responder as perguntas cinco e seis de uma vez só.
[então peraí, aqui está a pergunta 6]: O som que andavam fazendo em Tacoma tinha alguma similaridade sonora por lá? De que maneira a cidade influenciou o Seaweed?
Aaron: Tacoma é uma cidade desajustada no noroeste do Pacífico. Seattle é a cidade yuppie, chique e rica. Portland é uma cidade rica artisticamente falando. Olímpia é uma cidade artística menor. Tacoma é a cidade da criminalidade. Mas ainda assim nós a amamos. Por conta de um pequeno incidente envolvendo bolas de neve lançadas contra a Polícia depois de ela cancelar um show do Circle Jerks em Seattle, em 85 (eu não estava lá), todos os shows de punk foram suspensos na cidade. Com isso, eles passaram a acontecer em Tacoma. Então, em um tempo antes do Seaweed, nós tivemos sorte o suficiente de viver um mundo mais punk em nosso pequeno gueto. Mas também amávamos hard rock, rock clássico e qualquer registro que pudéssemos comprar por um centavo nos sebos. O fim dos anos 80 em Tacoma foi maravilhoso e barato. Nós somos um produto daquilo.
Sounds: Como foi o Seaweed nascer em uma época tão rica, com o grunge prestes a estourar, a Merge Records dando os primeiros passos e o chamado college rock/alternative rock/indie rock conquistando os ouvidos do público norte-americano?
Aaron: A gente teve sorte.
Sounds: Você costumava hospedar bandas. Como era isso? Pode compartilhar conosco alguma história legal sobre isso?
Aaron: No início dos anos 90, morei no mesmo prédio onde moravam o Beat Happening e o Bikini Kill. Minha namorada na época (hoje minha esposa) vivia na porta ao lado, então eu sempre deixava o Calvin Johnson, do Beat Happening, hospedar no meu apartamento as bandas dos shows que ele trazia, e eu ia para a casa da Lana. Foi assim que eu conheci o Mark Ibold, do Pavement, que na época estava em uma banda chamada Dust Devils. Eles se hospedaram no meu apartamento. Isso deu muito certo, já que eu pude assistir a alguns dos shows incríveis da turnê do Slanted and Enchanted. Eles foram realmente maravilhosos.
Sounds: Que lembrança tem do show no Brasil, em 1999?
Aaron: Foi uma turnê incrível, a última do Seaweed. Fiquei muito amigo da Ale, do Lava/ Pin Ups, e do Farofa, do Garage Fuzz. Eu fiquei hospedado na casa deles depois da turnê. Eles me viciaram em vários ótimos discos brasileiros. Tim Maia e Jorge Ben são os meus favoritos. Do Tim Maia, o que mais gosto é o Tim Maia Racional, e do Jorge Ben, meu favorito é o África Brasil. Eu também ganhei um disco incrível de uma banda experimental instrumental chamada Poli, que eu acho que era de Curitiba, vocês já ouviram?
Sounds: Não, nunca chegamos a escutar.
Aaron: Aquele disco é tão bom. Eu ainda o escuto. Eu também estive em Ubatuba e surfei na praia do Félix, o que foi muito especial. Eu fui até Salvador, na Bahia, para visitar um amigo no final da turnê. Eu também adorei lá, é quase um país completamente diferente. Foi uma grande viagem. Não queria voltar pra casa. Eu escuto música do Brasil. Cheguei a ver o Gilberto Gil na primavera passada, em São Francisco (a três horas daqui, ao sul), e foi incrível.
Sounds: Para você, a banda teve a notoriedade merecida? Existe algum tipo de arrependimento?
Aaron: Muito arrependimento, mas eu acho que tudo deu certo no final.
Sounds: O que aprendeu sobre a indústria musical ao vivenciar o universos das gravadoras independentes e das majors, já que tem Sub Pop, Hollywood e Merge no currículo?
Aaron: A Hollywood era terrível. A Merge era ótima. A Sub Pop é como uma família: às vezes ótima, as vezes terrível. Mas de um jeito estranho, a Sub Pop é a de que mais gosto. Eu simplesmente adoro tantos discos da Sub Pop. E eu amo o Jonathan [Poneman, um dos donos da gravadora]. Meus discos favoritos da Sub Pop? Lanegan! Ele é o meu favorito; Whiskey for The Holy Ghost. The Spinanes, do Arches and Aisles, e a Rebecca Gates! Adoro o disco solo dela que saiu há alguns anos (The Float).
Também adoro o Tournament of Hearts, do Constantines. E também os relançamentos do Radio Birdman. Também adoro os discos do Blitzen Trapper pela Sub Pop. Tantos grandes discos. Eu não me sinto dessa maneira com os discos da Merge, mas eu adoro o relançamento do primeiro álbum do Magnetic Fields, com a Susan Anway nos vocais. Eu tinha a versão original.
Queria falar um pouco mais sobre a Sub Pop. Gostaria também de mencionar que eu trabalhei lá, de 1991 a 93. Eu vendia os discos de vinil. Isso foi muito divertido. Eu sempre me senti fortemente ligado à gravadora e estou muito satisfeito que eles ainda estejam nos negócios e prosperando.
Sounds: Como é olhar para a discografia do Seaweed hoje? Quais são suas impressões quanto à gravação, às composições feitas e aos resultados?
Aaron: Eu amo quase tudo da discografia, mas alguns deles eu não faço questão de ouvir (como o Weak). Eu gosto da maior parte dos últimos três registros [Actions and Indications, Spanaway e o Four] e de metade do Despised.
Sounds: Spanaway é o nosso disco favorito. E por um grande golpe de sorte, conseguimos o vinil na Inglaterra, de segunda mão. Tudo nele é extremamente vivo, enérgico, cheio de vontade. Pode nos contar um pouco sobre suas lembranças desse disco?
Aaron: Nessa época, eu estava fazendo música 24 horas por dia, 7 dias por semana. Ou eu estava tocando com o Seaweed ou gravando minhas músicas em um gravador de quatro canais. Em outros momentos, eu estava andando de bicicleta por Tacoma ou em turnê.
Sounds: Se você pudesse escolher 10 músicas para uma coletânea do Seaweed, quais seriam?
Aaron:
1. “Losing Skin”
2. “Kid Candy”
3. “Start With”
4. “Magic Mountain Man”
5. “Antilyrical”
6. “Steadfast Shrine”
7. “Crush Us All”
8. “Free Drug Zone”
9. “Thru the Window”
10. “Last Humans”
Sounds: Gostamos bastante da sua outra banda, o Gardener. “Backseat”, “Outside Looking In” e “Canyon” são músicas que mostram um talento nato para o pop cantarolável, mas com uma roupagem mais criativa dentro do formato acústico. Como foi ter essa banda e tocar com o Van Conner [baixista do Screaming Trees]?
Aaron: Quando o Seaweed acabou, em 99, eu já estava envolvido com o Gardener. “Outside Looking In”, na verdade, é uma canção do Seaweed. O Gardener é, na verdade, algo que começou em meados dos anos 90, como minhas gravações caseiras em quatro canais. O Van Conner e o Lanegan sugeriram que eu gravasse um disco colo e o Van concordou em me ajudar a fazê-lo. Reformei o Gardener em Mendocino, com outros membros, e tocamos até o fim de 2002. Compusemos discos completos que nunca foram lançados.
O Blue Dot foi outra banda minha, de 2003 a 2007. O Seaweed voltou a tocar junto em 2007. No ano seguinte, fiz uma banda solo, chamada Stauffer, onde eu cantava e tocava guitarra, bateria e teclados. Toquei em Tacoma, Seattle, Portland e em uma festa na minha casa em 2008, numa espécie de término da banda por eu começar a estudar Enfermagem. O último show de verdade que toquei foi em 2014 com o Seaweed, em Seattle. Vou cantar uma música ou outra com a banda do Atkins [John Owen Atkins, baixista do Seaweed], o The Fucking Eagles. Fiz isso no verão passado, em Tacoma.