Glassjaw e tudo o que você sempre quis saber sobre o silêncio

In Bandas, Discos

É curioso como em Everything You Ever Wanted To Know About Silence há de tudo, menos silêncio. E se considerarmos as inúmeras bifurcações e rompantes que existem em uma alma jovem, dá até pra entender a motivação de tanto barulho, que no fundo é um grito que mascara o silêncio que existe ali.

O primeiro disco do Glassjaw é um pouco sobre isso. Como se múltiplos resultassem em algo negativo. Ou como se “um oito resultasse em dois zeros”, como diz o nome de uma das músicas de “Everything You Ever…”.

Todd Weinstock, Manuel Carrero, Daryl Palumbo, Sammy Siegler e Justin Beck. Foto: Divulgação

O Glassjaw começou suas atividades em 1993. Na época, o vocalista Daryl Palumbo trabalhava em um acampamento de verão e lá conheceu o guitarrista Justin Beck, ambos ainda com seus 13 e 14 anos, respectivamente. A história conta que Palumbo usava uma camiseta do Anthrax, e Beck uma do Bad Brains. Beck então disse para Palumbo: “essa aí é a minha banda favorita”. A resposta de Palumbo foi: “não, essa é a minha banda favorita”. Ali os dois sacramentaram a nova amizade e logo começaram a fazer um som juntos.

Beck tocava na banda de hardcore straight edge da youth crew (Gorilla Biscuits, Chain of Strenght, Youth of Today, entre outras), o Sons of Abraham. Já Palumbo era parte do XbustedX, outra banda de hardcore de Long Island. Além deles, em Everything You Ever… o Glassjaw tinha o guitarrista Todd Weinstock, que também tinha passado pelo Sons of Abraham; o baixista Manuel Carrero, e Sammy Siegler, um baita baterista que tocou no Rival Schools, Youth of Today e CIV, entre outras bandas. O início foi nesse cenário, e logo o Glassjaw começou a chamar a atenção do público local, pelos shows frenéticos e por dividir o palco com nomes que estavam em alta naquele tempo, como Bold e Quicksand.

Um dos momentos caóticos de um show do Glassjaw, em 1996. Foto: Micheal Dubin

Em uma das resenhas sobre Everything You Ever…, publicada no NME, em 2005, o autor escreveu que esse é um disco construído em um fluxo e refluxo, como se Jeff Buckley estivesse “mergulhado em napalm, rastejando por uma sala cheia de cacos de vidro”. Dramático, né? Palumbo, que na época de lançamento do disco tinha seus 22 anos, deve ter adorado esse paralelo.

Dentro dessa metáfora, Everything You Ever… parece mesmo funcionar como um refluxo, regurgitado, expulso por emoções conflituosas. Um disco de temperamento adolescente e isso compreende os extremos das relações de tal período. É impulsivo, volátil e sem limites.

Por parte da mídia, o Glassjaw foi jogado no pacote do screamo. Por outro lado, também foi relacionado ao nu metal. Talvez porque Everything You Ever… tenha sido produzido pelo cara que trabalhou com dez entre dez bandas daquele momento: Ross Robinson. O mais engraçado é que Robinson viu no Glassjaw a ideia de justamente destruir o que eles chamavam de “adidas rock”. Nem lá, nem cá. Nem nu metal, nem screamo. Para nós eles estavam mais próximos do At the Drive In, Vision of Disorder e do Blood Brothers do que do Korn, Limp Bizkit ou do Underoath.

Everything You Ever… traz a mistura do background de Palumbo, Beck, Siegler, Carrero e Weinstock, e isso já salta aos ouvidos em “Pretty Lush”, que abre o disco e reúne indícios de que, dali em diante, nada será menos do que visceral. E isso foi levado tanto aos extremos que para muita gente o Glassjaw não pegou. “Ah, eles gritam demais…. tem ruído demais…. o vocal desafina demais…”. Até faz algum sentido, já que o impacto do Glassjaw foi realmente o de uma banda de excessos, e que parecia ter a intenção de ser assim.

Ainda sobre “Pretty Lush”, vale ressaltar o baixo cuidadoso de Carrero no refrão e a procura por linhas de guitarra menos óbvias, se compararmos aos riffs econômicos e “pula-pula” que vinham sendo feitos naquela virada de década. Isso sempre foi um ponto alto nas composições do Glassjaw: melodias construídas a partir de dissonâncias. A impressão é que as guitarras avançam perdidas uma da outra, mas não. Elas conversam.

“Siberian Kiss” tem um jeitão parecido com o de “Pretty Lush”. Dá pra dizer que são músicas irmãs, além de ambas reforçarem as principais influências do Glassjaw: Bad Brains, Anthrax e Faith No More. Esta última, em “Siberian Kiss”, é a que mais salta. Em relação às letras,“When One Eight Becomes Two Zeroes” ilustra bem o clima do disco. Uma montanha russa de incertezas e dualidades da juventude.

I’m glad that you’re near
And I’m sad that you’re here
That is what it’s like to be me…
… I hear you breaking up,
I’m breaking up,
I guess we’re breaking up.
You’re not the other woman
You’re just another

E se, enquanto estivesse ouvindo esse disco, você tivesse que pular uma música, qual seria? Em entrevista ao Kindamusik, Palumbo foi incisivo: “Ry Ry’s Song”. Aí não! Uma das prediletas da casa? Mas ele se justifica: “Gosto do que ela trata, mas não acho que musicalmente se encaixe no álbum tanto quanto o resto. Tem uma sensação mais feliz”. “Lovebites and Razorblades” e “Hurting and Shoving (She Should Have Let Me Sleep)” funcionam como as duas primeiras do disco. Mesmo não sendo essa a ideia, parece existir uma continuidade entre elas, embora a última não seja lá uma faixa de que a gente goste muito.

Foto: Sounds Like Us

“Majour” e “Her Middle Name Was Boom” são cheias de melodias calcadas no rock-alternativo-emocional do meio da década de 90. Dois ótimos momentos do disco que preparam o terreno para uma das melhores músicas do Glassjaw: “Piano”. Palumbo já disse em algumas entrevistas que é um grande fã de Tori Amos, Elvis Costello e The Cure. De certa forma há um mix disso tudo nela. Outra coisa bem legal em “Piano” é o trabalho de guitarra de Beck, pouco lembrado, mas que sabe como realçar melodias usando frases interessantes, por vezes até alguns “barulhinhos” que dão um brilho diferente às faixas. Aqueles detalhes que determinam as características de uma música e que, sem eles, perderia força.

O DNA hardcore surge em “Babe”. Música curta, com aquela levada de bateria típica do estilo nova iorquino do início da década de 90. “Everything You Ever Wanted To Know About Silence”, a música, fala sobre os conhecidos problemas de Palumbo com a doença de Crohn. “É a mais emocionante pra mim, porque lida com acontecimentos que ocorreram ao longo de dois anos e meio da minha vida. É sobre a doença que eu tenho… É uma reflexão sobre como é ser eu”, contou o vocalista em uma entrevista publicada no ano de lançamento do disco.

Junto com “Pretty Lush”, a faixa-título é um bom recorte das emoções presentes em Everything You Ever... Já “Motel of the White Locust” é uma música um pouco abaixo das outras, mas ainda assim encerra a versão oficial do álbum em bom nível. Em 2009 eles lançaram uma edição remasterizada, com duas faixas bônus: “Convectuoso”, que antecipa a sonoridade que eles levariam para Worship and Tribute, e “Modern Love Story”, um cover do Youth of Today que conta com participação de Ray Cappo (Youth of Today/ Shelter/ Better Than a Thousand).

O Glassjaw nasceu da vontade de dois amigos com gosto em comum em compor músicas que representassem a admiração de ambos pelo hardcore e post-hardcore americano das décadas de 80 e 90, respectivamente. Como Beck disse em entrevista recentemente, “só queríamos lançar um disco pela Revelation Records produzido pelo Don Fury [Sick Of It All, Shelter, Agnostic Front, Judge]”. Everything You Ever… foi o registro que deu sequência ao sonho da banda.

Everything You Ever… é um álbum que ofereceu maiores possibilidades ao sonho daqueles jovens. Ouvimos bastante, durante muito tempo. Na verdade ele ainda toca constantemente por aqui e sobreviveu bem a esses 20 anos. De alguma forma, o jeito que o Glassjaw enfrentou e viveu suas emoções, boas ou terríveis, não se perdeu no tempo, muito menos pareceu ser algo inerente somente aos jovens e seus 20 e poucos anos. Talvez porque em Everything You Ever… há sinceridade visceral, no mais exato sentido que essa palavra consiga carregar. É sobre isso.