Finalmente, Quicksand no Brasil Depoimentos de músicos e fãs sobre a importância da banda

In Bandas, Shows

Foto: Sounds Like Us

Em 2015, quando conversamos com Walter Schreifels, perguntamos o que o guitarrista e vocalista do Quicksand queria quando montou a banda. A resposta foi marcante: “eu queria confessar”.

E você pode se perder em pensamentos, buscar significados. Nenhum deles será tão próprio quanto o emitido pela mente inquieta e criativa por trás de uma das bandas mais cultuadas da música alternativa.

O Quicksand é realmente uma banda confessional. Uma banda entregue. Em corpo, alma e melodias. E o começo da década de 90 precisava disso. De nomes livres que pudessem dar voz a algo fresco em relação ao que vinha acontecendo naqueles dias.

Leia também: Entrevista Disco a Disco com Walter Schreifels

Slip, o disco de estreia, foi lançado em 1993, dois anos depois que o punk quebrou, segundo aquele VHS que fez nossa cabeça e ofereceu uma nova estética ao rock chamado de alternativo. Fez parceria com registros seminais como On the Mouth, do Superchunk; In On The Kill Taker, do Fugazi; Four, do Seaweed; isso sem falar em Dirty, do Sonic Youth, lançado um ano antes, e da onipresença do Nirvana em nossas vidas. O rock alternativo era o rock da vez.

Foto: Divulgação

Em seu primeiro disco o Quicksand já mostrou que ia um pouco além do tal rock alternativo. Era mais pesado, rasgado. Com aquele poder de fazer com que a música seja sentida à flor da pele. Walter encontrou espaço para que sua vivência com o Gorilla Biscuits e o Youth of Today se misturasse a outras influências, como Smiths e David Byrne e, assim, músicas como “Head to Wall”, “Dine Alone”, “Freezing Process” e “Omission” conseguiram transmitir a mesma pulsão do hardcore feito em Nova York. Só que, desta vez, pelo viés de um coração mais maduro e ciente da sua sensibilidade. Chamaram isso de post-hardcore.

Muita gente não estava preparada para aquilo. Era diferente. Um elo perdido entre o punk e o grunge, que mais era uma estética geográfica do que um estilo de música. Walter Schreifels, Sergio Vega, Tom Capone e Alan Cage estavam um passo além do Helmet, e não eram tão intrincados quanto o Fugazi, Jawbox ou o Shudder to Think. Nem eram 100% emocionais como o Sunny Day Real Estate. O Quicksand era tudo isso junto. Equação que viria ser comprovada com o segundo disco da banda, Manic Compression, lançado em 1995, ano em que “Thorn in my Side” tocava alto em algumas “baladas” onde a gente gritava junto a “Landmine Spring”, tentava seguir “Backward” em um air drum (air drumming?) desajeitado ou no air guitar junto a “Delusional”.

Gastão Moreira, em seu Gás Total, programa das tardes da MTV Brasil, apresentava o Quicksand como algo novo, diferente e muito interessante. A gente concorda. Mas vale acrescentar um adjetivo aí: intrigante. Tão intrigante que virou banda cult. Adorada pelos fãs daquele então recente rock alternativo que viam no Quicksand algo a ser seguido. Um feeling de que ali sempre haveria algo em que a gente pudesse confiar e esperar o melhor.

Foto: Samantha Saturday

Depois disso, eles se reuniram para alguns shows, mas a sensação de incompletude sempre rondou a história da banda até 2017, quando eles se reuniram mais para criar e lançar Interiors, seu terceiro e bem-vindo disco, responsável pela desejada e tão esperada turnê sul-americana.

Para além da década em que a banda nasceu, os anos atuais se recusam a diminuir a importância do Quicksand. Ecos do DNA de Walter e sua turma podem ser ouvidos em nomes como Deftones, que, além de compartilhar o baixista Sergio, deve muito ao Quicksand. Na época em que gravaram Adrenaline, Chino Moreno e Stephen Carpenter mostraram o Slip para Terry Date (produtor), para que ele entendesse exatamente como eles queriam que o disco soasse. Ou seja, se você acha que o Quicksand é a banda do baixista do Deftones, a história não é bem essa.

Para falar mais sobre a banda, convidamos músicos e fãs para contar um pouco sobre a importância do Quicksand em suas vidas, a experiência já ter visto eles ao vivo e a ansiedade em esperar tanto tempo pelo momento de ver de perto esta grande instituição da música.

Foto: Divulgação

A MTV Brasil passava direto o clipe de “Fazer”. Um “novo” Walter Schreifels, “o cara do Gorilla Biscuits”, apareceu nesse vídeo cantando, tocando guitarra e vestindo uma camiseta com a imagem do rosto de Linda Blair em o Exorcista, usada na capa do EP de 1982 do Negative Approach. Aquele vídeo era uma metáfora perfeita para definir a aura do Quicksand: uma banda fiel ao passado e em busca de um futuro. Naquele mesmo ano, o Fugazi lançou um de seus melhores discos, In on the Kill Taker, e Slip, disco de estreia do Quicksand, saiu quatro meses antes. O Quicksand soava para mim como uma banda-irmã do Fugazi, só que nascida e criada em Nova York. Com o tempo, essa banda ganhou vida própria na medida em que ia descobrindo a urgência e intensidade de suas músicas. Slip não é só um dos melhores álbuns da década de 1990 – é um dos discos da minha vida. Duas músicas de Slip travam ainda hoje uma batalha mental na minha cabeça. Qual dessas duas canções condensam o momento sublime do Quicksand? De um lado, a inquietação passional de “Dine Alone”, música de guitarras tensas em que Walter narra passagens cotidianas de um casal com suas separações, brigas e isolamentos. De outro, a letra de “Freezing Process”, dona de uma introdução monumental e que me leva a pensar sobre os lugares e movimentos da vida. A medida dessas músicas é a consciência do tempo.  O tempo que o filósofo Henri Bergson pensou como algo subjetivo e cheio de mudanças, memórias e sucessões. Um tempo criador, desenhado como uma linha em espiral, rumo a um futuro infinito, como a música do Quicksand sempre foi para mim: eterna.
André Mesquita – Pesquisador e curador (Verdurada / Eulália / Dissentiment / Stand of Living)

O Quicksand foi uma virada foda dentro do que eu tava escutando na época, aquelas bandas que estavam surgindo em Nova York, mas, principalmente, da Revelation Records, que eu acompanhava muito, a Equal Vision e a Victory. O Quicksand se sobressaiu. Eu meio que fiquei de saco cheio das bandas da Victory, achando tudo uma bosta, meio igual, com umas ideias erradas. As da Equal Vision ficavam no meio do caminho. E a Revelation tinha mais bandas interessantes aparecendo que não tinham muito a ver com o que eles estavam acostumados a lançar naquela época, tipo o Gorilla Biscuits, Youth Of Today, Bold. Entre essas bandas tinha o Into Another, que eu curtia muito, mas o Quicksand de longe era mais foda. Eles já tinham um conceito musical mais voltado para umas coisas tipo Helmet, pesado e mais arrastado, melódico pra caralho. Deu uma mexida. Eu escutei muito o Slip. Fiquei viciado nesse disco. É uma banda com uma discografia bem enxuta. O primeiro EP não pegou muito, o Slip eu escutei bastante e depois, quando veio o Manic Compression, arregaçou. Quebrou tudo. É um disco que soa bem do início ao fim e dá pra sentir a evolução brutal da banda.
Luciano Valério (Desmonta Discos)

Foto: Amanda Hetfield

1993. Estava no meio da minha formação musical. Muito rock setentista, classic metal, e como qualquer adolescente dos 90’s , estava descobrindo o grunge e todo aquele tsunami de fuzz envolvido que moldou uma geração. Pois bem, veja se consegue me acompanhar: Nirvana, Smashing Pumpkins, Alice in Chains, Fugazi, Helmet, Seaweed… QUICKSAND. Foi exatamente assim. Eu mal sabia o que era o hardcore, e já estava conhecendo o tão famigerado e amado “post-hardcore”. Que benção! A levada de “Fazer” e as aquelas guitarras cortantes que atravessam todo o Slip foram essenciais na minha formação como guitarrista. Era inevitável, só queria fazer aquele “gan gan gan” sempre que ligava minha guitarra. Depois veio todo uma vida amando esse tal “rock alternativo dos 90’s” , veio o Rival Schools (que acho tão maravilhoso quando o Quicksand!) e veio Sergio Vega tocando no Deftones,. “Interiors” é um dos melhores discos de 2017. E agora, O SHOW NA MINHA CIDADE. Com certeza estaremos lá, naquela choradeira coletiva de garotos de meia-idade. AMÉM.
Fabrízio Martinelli (Maguerbes)

Minha história com o Quicksand começou no final dos anos 90, quando vi o vídeo de “Fazer”. Achei o som deles meio parecido com o Helmet e lembro de ter uma fita k7 com umas músicas do Slip de um lado, e umas do Betty, do Helmet, do outro. Os anos passaram e eu meio que ignorei a banda completamente. Foi só quando alguns boatos de que o Rival Schools estava lançando um disco novo que eu me liguei que as duas bandas tinham o mesmo vocalista. Foi ignorância da minha parte, mas isso rolou em 2007 e eu não parei de escutar a banda. Depois de anos ouvindo os discos, ano passado tive a oportunidade de ver o Quicksand tocando na minha frente. O show aconteceu em novembro, no SO36, aqui em Berlim, e eu esperava que fosse estar lotado. Dei sorte e o show estava daqueles perfeitos para ficar o mais perto do palco possível. A tour era do disco novo e eu passei as semanas antes do show escutando tudo. Lembro de ler umas críticas falando como esse novo álbum era completamente diferente de tudo anterior mas, ao vivo, não dava pra distinguir nada na sonoridade. Saí do show sem voz depois de cantar todas as músicas que eles tocaram. Sem voz mas feliz de, finalmente, ter conseguido ver essa banda ao vivo. Agora quero ver quando vou poder ver de novo.
Felipe Tofani (Fotostrasse / Muqdisho)

* Vídeo gentilmente cedido por Felipe Tofani para o Sounds Like Us

Conheci o Quicksand em 2009. Foi um momento de expansão musical das grandes na minha cabeça, e nascia ali uma relação mais afunilada, por outro lado mais abrangente, com a música. No meio de um bocado de referências, bati de cara com o Slip. Aos 2 segundos de “Fazer”, quando as baquetas bateram na caixa, já senti o peso que estava por vir. Mas foi em “Head to Wall” que quis levantar o braço com os punhos fechados e gritar igual ao Walter. Ainda hoje é um dos meus discos favoritos e uma enorme referência de equilíbrio, peso, simplicidade, profundidade e ousadia; afinal, o ano era 1993. Tive o prazer de ver um show do Quicksand num festival em 2012, ainda como um quarteto e após uma grande pausa. Me impressionei bastante ao olhar pro palco e ter a certeza de que eles estavam ali totalmente entregues, dando tudo, sinceríssimos e claramente trocando a maior energia com a galera. Ainda não se especulava sobre um retorno. Quando estamos de frente com um momento marcante e conseguimos percebê-lo, a melhor ação é aproveitar com a maior intensidade possível. É muito doido e surpreendente poder viver um momento desses duas vezes. Em 2018 só espero amplificar essa sensação.
(Thiago Amarante – Vapor)

Lineup do festival de 2012 em que o Thiago viu o Quicksand

O ano era 1993, pós Hollywood Rock que teve Nirvana, L7 a toda a onda grunge. Um dia um amigo me perguntou se eu já tinha ouvido a banda do Walter, do Gorilla Biscuits. A tal banda era o Quicksand com o recém lançado primeiro disco full, o Slip. Para minha surpresa não lembrava aquele som hardcore de Nova York, mas sim um pós-punk matemático com linhas de guitarras e vocais caóticos, melódicos e viciantes. Músicas como “Fazer”, “Dine Alone” e “Omission” me fizeram ter vontade de ter uma banda e foram definitivamente essenciais no meu gosto musical até hoje! Para esse show do Quicksand eu espero uma mescla do Slip e Manic Compression, clássicos absolutos, e também coisas do novo disco, Interiors, que lembra naturalmente um pouco o Rival Schools, mas não é algo menos importante na discografia deles. VAI SER FODA!!!
Rogério Cebola (Hotel Bar / Jail For Life)

Foto: Divulgação

O ano devia ser 98, e eu tinha 14 anos. Foi com essa idade que meu mundo mudou. Tudo aconteceu quando um vizinho meu me apresentou bandas como Sunny Day Real Estate, Mineral, Elliott, Earth Crisis entre outras. Nesta época eu estava aficcionado por Helmet e este meu vizinho me disse que eu precisava conhecer uma banda que tinha uma pegada similar. Era o Quicksand. Meu primeiro contato com eles foi por meio de uma fita k7 que tinha o Slip gravado. Sabe quando você descobre uma banda e parece que ela é a melhor do mundo? Foi esse o caso. Eu devorava o Slip, e músicas como “Head To Wall” e “Dine Alone” me arrepiam até hoje toda vez que ouço. Depois, quando consegui o Manic Compression, o sentimento que eu tinha pela banda só fortaleceu. Após 20 anos, eu já não tinha mais esperanças de ver a banda, mas para a minha grata surpresa eles tocarão aqui e com toda certeza será um dia memorável para mim.
Helio Siqueira Simões (Institution)

Quicksand ao vivo no Teragram Ballroom (2017). Foto: Sounds Like Us

Conheci o Quicksand no final da década de 90, por causa do clipe de “Thorn in My Side”. Já amava as bandas “coirmãs” Helmet e Seaweed. O Manic Compression certamente é um dos discos prediletos e que mais ouvi na vida. O Quicksand influenciou absurdamente uma geração de bandas brasileiras maravilhosas que surgiram no fim dos anos 90/ínicio de 2000, como Diagonal, Echoplex, entre outras. Oriundas do hardcore/punk, essas bandas eram chamadas de “cabeçudas” na época, devido à maior complexidade e quebradeiras rítmicas e harmônicas presentes no post-hardcore que desenvolveram. Em meados dos anos 00 formei uma banda com o Claudio, ex-integrante do Diagonal, e o Maqno, que possuía explícita influência de bandas como Quicksand e Fugazi. Para mim, o disco novo deles, Interiors, foi uma grata surpresa. Achei sensacional e virou um dos prediletos do ano passado. Muito ansioso para o show deles no Brasil, algo que não esperava mais assistir.
Erick Cruxen (Labirinto / Dissenso Studio / Dissenso Lounge)

Sergio Vega

Apesar de eu sempre ter gostado de hardcore melódico, tipo Pennywise e TSOL, o Quicksand está entre as minhas bandas preferidas. Em 95, quando comprei o Manic Compression, eu pirei. Na verdade, não pirei logo de cara. Demorei um pouco pra assimilar. Tinha visto um anúncio deles na Thrasher e lembro que o Xã, do Echoplex, falava muito da banda, mas na época, por causa do Walter, eu não associava muito eles com o Gorilla Biscuits. Aí eu comecei a ouvir Samiam, o próprio Helmet, essas coisas. Acho o Manic Compression um puta disco e só depois fui escutar o Slip. Graças a deus eu tive a oportunidade de vê-losno Revelation Fest, em 2012,  e depois no Riot Fest. Eles são sensacionais até hoje. Muita banda que tá aí deve muito a eles, mesmo sem saber. E sabendo também, porque copiam. 
Cesar Carpanez (Highlight Sounds / HSMerch)

Um amigo me mostrou o álbum Slip, do Quicksand, e de cara já gostei demais do som da banda. Corri logo no Soulseek pra baixar tudo que encontrava deles. Ficava horas e horas ouvindo. Também me abriu portas pra conhecer outras bandas do estilo. Depois de 22 anos a banda lança outro álbum tão bom quanto os outros, e quando escutei foi a mesma sensação de quando os conheci. Não saiu do repeat. Vai ser maravilhoso poder vê-los ao vivo. Quicksand é uma banda incrível.
Damaris Lima

Foto: el.nco

O que eu acho legal no Walter é que ele conseguiu superar essas armadilhas de “cena musical”, sempre produzindo mais e melhor. Não é um cara que se limita a estilos e tem uma honestidade brutal em tudo que faz. Eu costumo brincar que é o Dave Grohl que queremos, por essa espontaneidade e simplicidade. O Quicksand é um dos altos da carreira dele, e chega a assustar como voltaram como se nada tivesse acontecido entre os anos que ficaram sem lançar algo novo – isso é para poucas e boas bandas (Soundgarden, Faith No More etc.). Outra coisa é o lance dessa influência corrosiva. Assim como algumas bandas da época, o Quicksand deixou aquela marca aparentemente inofensiva, mas olha aí onde estamos. Eu estava lendo uma entrevista do Helmet esses dias, e dá pra fazer um paralelo com o Quicksand. Nos anos 90 acho que não diriam que eles teriam tanta longevidade. Acho que isso é um testemunho de qualidade e persistência.
Rafael Nascimento (designer)

Foto:Nikole C. Kibert / elawgrrl

Ver um show do Quicksand no Brasil era algo que eu não imaginava. Na verdade, nunca pensei na possibilidade de ver a banda ao vivo. E poder dividir o palco com os caras é um grande sonho, vai ser foda! Já tive a oportunidade de ver o Walter com o Gorilla Biscuits por aqui, aliás, numa tour única, onde ele foi o vocalista, pois o Civ tinha fraturado o pé. Vê-lo tocando o show solo que rolou no Rock Together foi demais, pedi para ele tocar “Distance”, do Moondog, que é a banda pré-Quicksand e “Delusional”, além de terem rolado outros clássicos do Quicksand e Rival Schools. Achava que isso seria o mais próximo de ver e ouvir as músicas da banda ao vivo. Mas, agora, ver a banda com o Sergio Vega e Alan Cage vai ser uma grande experiência. O Manic Compression é um dos meus discos prediletos e estou muito ansioso para assistir a banda ao vivo. Show imperdível!
Fausto (Eu Serei a Hiena)

Foto: Nikole C. Kibert / elawgrrl