O death metal hoje (parte 1)

In Bandas
Vinicius Castro

De tempos em tempos, vindo das entranhas da música subterrânea, o death metal envia um recado: está tudo muito bem por lá.

No início dos anos 80, quando o Possessed e o Mantas abriram os portões do inferno com o lançamento das demos Death Metal e Death By Metal, respectivamente – e assim inauguram o estilo de mesmo nome – , muita coisa aconteceu. Bandas e mais bandas se formaram. Muitas delas ótimas, outras nem tanto.

No fim daquela década e no início dos anos 90, o death metal surgiu em nossas vidas como um reflexo daquilo que todo(a) adolescente repleto(a) de energia e vontade de descoberta queria: peso, velocidade e um conteúdo que retratava com requinte o lado podre do ser humano.

Sob a estética da brutalidade, o death metal deu identidade a muitos jovens ao redor do mundo e canalizou uma energia compartilhada por diferentes representantes. Entre eles, previamente o Nihilist, e um pouco depois seus descendentes, Entombed , Dismember, Carbonized, Unleashed e Carnage encabeçavam a cena sueca. Bolt Thrower, Benediction e Carcass traziam a elegância inglesa para nossos ouvidos enquanto o Death, Morbid Angel, Massacre, Deicide, Obituary e Cannibal Corpse seguiram os ensinamentos do Possessed e aprimoraram o death metal americano. E no Brasil, entre tantas outras, bandas como Krisiun, Headhunter DC, Genocidio, Sarcófago, na fase do disco Laws of Scourge; e Sexthrash, com Funeral Serenade, também fizeram bonito e botaram nosso metal morte no mapa.

Em seus moldes, o death metal dificilmente se propõe a modificar suas estruturas. Onde ele se renova? Por meio de nomes que fortalecem suas bases revisitando seus ensinamentos.

Pensando nisso, vamos reunir nesse especial as bandas de que mais gostamos de ouvir durante o período de um ano. Não serão somente, e necessariamente, novos nomes, mas aqueles que estão produzindo o bom e velho barulho no submundo e que, com seus discos, reforçam a qualidade do que acontece dentro do universo da arte como representação da vida. E da morte.

LIVING GATE

Foto: Divulgação

Ao que tudo indica, o death metal contemporâneo praticado por nomes como Tomb Mold atingiu também Lennart Bossu (guitarra), Wim Coopers (bateria) e Levy Seynaeve (guitarra/ vocal), todos eles membros do Amenra, Wiegedood e Oathbreaker. Durante uma turnê ao lado do YOB, os três se juntaram a Aaron Rieseberg (baixo) para montar o Living Gate.

Diferentemente dessa nova onda capitaneada não só pelo Tomb Mold, como também do Witch Vomit e Blood Incantation, o Living Gate traz um pouco mais dos acordes “melódicos” da escola europeia e não investe somente em riffs rápidos e na massa sonora característica dos que beberam no universo do Incantation e Suffocation, por exemplo. Com certeza vem coisa boa por aí, já que a Bélgica é uma ótima incubadora do que tem sido feito de bom dentro dos direcionamentos do metal de aproximadamente uma década pra cá.

Death Lust é o nome do primeiro registro da banda, que deve ser lançado em maio. Mas, por enquanto, para entupir nossos ouvidos com uma boa dose de metal morte, os caras soltaram um primeiro vídeo e a música escolhida foi “Living Gate”, que também dá nome à banda.

SPECTRAL VOICE

Foto: Divulgação

Há literalidade no batismo e sonoridade do Spectral Voice. Algo de fato espectral, de origem fantasmagórica. É death metal incômodo, e isso, quando o assunto é a música extrema, ganha status elogiosos.

O Spectral Voice, formado em 2012, no Colorado, hoje conta com E. Wendler (bateria/ vocal), P. Riedl (guitarra), M. Kolontyrsky (guitarra) e J. Barrett (baixo). Os três últimos também fazem parte do Blood Incantation, que recentemente ganhou longos elogios por parte de público e crítica.

Desde Necrotic Doom, o Spectral Voice já chamava a atenção dos fãs de música extrema e, com o lançamento de Eroded Corridors of Unbeing em 2017, pudemos confirmar e atestar a favor dos elogios em relação a eles.

Em Eroded Corridors of Unbeing, a faixa mais curta ultrapassa os sete minutos. Talvez por isso algumas resenhas chegaram a classificar o Spectral Voice como avant gard death metal, seja lá o que isso possa significar. Pra nós é só death metal mesmo. Sujo, maciço e de atmosfera obscura sustentada pelo bom equilíbrio entre velocidade e trechos fúnebres arrastadíssimos.

MAMMOTH GRINDER

Foto: Divulgação

Chris Ulsh, além de tocar bateria no ótimo Power Trip, é também o idealizador de um dos melhores nomes da música extrema dos últimos tempos: o Mammoth Grinder, banda que passou pela nossa lista de Descobertas 2018.

Primal no mais fiel significado que essa palavra possa carregar, o que reverbera do Mammoth Grinder é paixão. Pela honestidade com que celebra os fãs mais antigos do estilo, e a forma contundente com que se apresenta aos mais novos. É aquele death metal que você ouve e repete pra si: “É isso!”.

Em Extinction of Humanity, lançado em 2009, as músicas eram baseadas no formato mais veloz puxando para nomes como Autopsy e Venom. Mas foi em Cosmic Crypt, de 2017, que o death metal do Mammoth Grinder encontrou uma musculatura ainda mais densa e, curiosamente, mais cadenciada. Algo localizado entre a sonoridade do Slayer, em Show No Mercy e Haunting The Chapel; do Death da fase Leprosy e Scream Bloody Gore; e um leve toque do punk.

Além de Ulsh, o Mammoth Grinder traz em sua formação o baterista Ryan Perish (ex-Darkest Hour) e o guitarrista Mark Brozino. Hoje, ambos tocam juntos no Iron Reagan.

DEVICE

Foto: Divulgação

O Device, formado em 2004, vem de Brasília e abraça o death metal mais técnico, construídos sob riffs, solos e andamentos de bateria ultrarrápidos, variações cativantes. Godless (2018), último disco da banda, é também um dos lançamentos mais legais do metal extremo dos últimos anos.

Soa preciso. Os riffs e a riqueza dos andamentos costuram cada uma das faixas de forma inteligente sem que o fio condutor de cada uma delas se perca. Os riffs mudam, a bateria assume variações, mas você ainda esta lá, imerso no maravilhoso mundo do death metal.

O disco é curto, um EP na verdade, composto por três músicas próprias e um cover incrível do Ratos de Porão, para a clássica “Igreja Universal”, originalmente gravada em Anarkophobia.

É curioso que, talvez pela proeminência da construção das músicas, “Silenced By Blood” e “Loveless” nos levaram de volta ao death metal de nomes como Brutality, principalmente do disco Screams Of Anguish; e Disincarnate. Definitivamente, se você procura por uma boa banda forjada no subterrâneo do death metal brasileiro, o Device tem grandes chances de ser sua nova preferida.

VASTUM

Foto: Divulgação

Em 2015, Hole Below, o terceiro disco do Vastum, fez parte da nossa lista dos lançamentos de que mais gostamos de ouvir naquele ano. Pútrido e pesado, o disco carrega os pilares mais tradicionais do death metal.

O Vastum vem da Bay Area (San Francisco), berço do thrash metal americano. A imprensa gringa trata a banda como uma espécie de supergrupo, mas a gente acha essa nomenclatura uma bobagem. A questão é que Leila Abdul-Rauf (Hammers of Misfotune) e Shelby Lermo (Ulthar), nas guitarras; Luca Indrio (Acephalix/ Necrot) no baixo; Chad Gailey (Necrot) na bateria e Daniel Butler (Acephalix) no vocal são os nomes responsáveis por ajudar a reforçar aquela região, não só como o berço do thrash, mas também como um campo fértil do metal extremo.

O Vastum não avança muito rumo ao blast beat. Prefere se manter próximo a nomes seminais como Death e Possessed, e às estruturas cadenciadas de bandas que aprimoraram o death metal, como o Autopsy e o Bolt Thrower, principalmente de discos como Honour, Valour, Pride e Those Once Loyal.

Certa vez, Trey Azagthoth, guitarrista do Morbid Angel, disse que o death metal não é como se você pegasse uma porção de riffs brutais, bateria veloz e vocal podrão, juntasse tudo isso e pronto, teria assim uma grande banda. Death metal é um estado de espírito. É como a gente enxerga o metal morte. E que ouvimos na música do Vastum.

INFAMOUS GLORY

Foto: Divulgação

Existe algo no death metal, uma espécie de sensação de reconhecimento e pertencimento ao lado imundo da música. Uma impaciência que se revela com a mesma urgência da qual se alimenta An Ancient Sect Of Darkness, quinto disco dos paulistas do Infamous Glory. A banda formada em 1999 transmite esse pertencer por todo decorrer do álbum.

Em primeiro plano, as comparações com a pronúncia sueca do death metal podem vir à tona. Nesse recorte, logo surgem as primeiras comparações com o Entombed e o Dismember, mas isso nos parece limitador demais para dissecar o barulho cometido pelo Infamous Glory no lançamento mais recente. Por exemplo, há em “Increased Pain” um esbarrão no Accept de discos como “Restless and Wild”. “Your Life Is Mine To Ruin” nos trouxe para perto de uma das nossas bandas prediletas, o Grave, enquanto “Abysmal Grief” oferece acessos a NWOBHM, quando ali pelos 02:11, depois de uma rápida visita ao Lost Paradise, mergulha em um clima judas pristiano incrível.

Durante a década de 80, o Brasil, mais precisamente Belo Horizonte, foi um dos grandes berços de bandas que caminhavam pelo death thrash calcado no cenário alemão encabeçado pelo Destruction e o Kreator. Nosso thrash metal também teve grande representatividade por via de discos importantíssimos do MX, Sepultura, Attomica, Explicit Hate, entre outros. Já no death metal da velha escola o Infamous Glory é um dos nomes que vêm ajudando a manter intactas as premissas do estilo.

NECROT

Necrot. Foto: Peyote Gutierrez

O Necrot, trio formado por Chad Gailey (bateria) e Luca Indrio (guitarra/ baixo/ vocal), ambos também parte do Vastum, e Sonny Reinhardt (guitarra), é uma das bandas que conseguem reviver o sentimento que havia no death metal daquele início da década de 90. É pesado, brutal e já vinha ganhando destaque com The Abyss, demo lançada em 2014; e The Labyrinth, o primeiro full da banda.

É interessante como o Autopsy é um nome recorrente na sonoridade desses nomes mais recentes do death metal. Com o Necrot não é diferente. Adicionando um pouco de Asphyx e Bolt Thrower, dá pra ter uma ideia de por onde caminham as diretrizes do trio de Oakland, California.

Blood Offerings, de 2017, é um disco cativante e devoto aos ensinamentos do metal pútrido. O início, com a brutal “The Blade”, e as faixas “Empty Hands” e “Shadows and Light” reforçam que este é um dos melhores lançamentos da música extrema dos últimos tempos.

MYLINGAR

Abissal e opressor. É difícil não pensar nesses termos para tentar ilustrar o death metal praticado pelos suecos do Mylingar. Döda Själar (Dead Souls) é o último registro da banda e também um dos melhores álbuns lançados no subterrâneo da música extrema em 2019.

Döda Själar (Dead Souls) corresponde ao encerramento de uma trilogia iniciada pelo EP Döda Vägar (Dead Roads), e o full length Döda Drömmar (Dead Dreams).

É death metal intenso e sem grandes variações. Nesse universo frio e objetivo, dá pra aproximar o Mylingar de nomes como Incantation, mas ainda assim não estaríamos correspondendo às consequências da podridão explorada e expurgada por eles.

O Mylingar brinca com os limites do metal morte e chega a esbarrar no black metal feito pelas bandas da Islândia, como Sinmara, que seguem por uma sonoridade mais bestial. Se você procura o lado imundo do death/ black metal, vai na fé. Ou vai sem ela.