Vinicius Castro
Em 1993, mesmo com a chegada dos CDs, as fitas k7 vendidas em lojas na Galeria do Rock (SP), ou trocadas avidamente entre fãs da música subterrânea, ainda era uma constante.
Relembrando daquele ano, era impossível prever que vivíamos os últimos suspiros da assinatura inaugural do death metal como havíamos conhecido até ali. Digo isso sem qualquer indício de saudosismo barato. O ponto de perspectiva aqui é a memória. Depois da metade dos anos 90, claro, a sonoridade ganhou novos rumos, elementos, se reinventou em alguns casos, mas isso é uma outra história.
O ponto é que as chamadas primeira e segunda ondas do estilo, considerando aqui sua criação e definição, tinham suas singularidades refletidas em bandas como Mantas/Death, Possessed, Hellhammer, Master e Massacre, assim como Pungent Stench, Cannibal Corpse, Deicide, Morbid Angel, Entombed, Atheist, Obituary, Bolt Thrower, entre outras, que pertenciam ao mesmo universo e ainda assim, traziam características peculiares.
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No início dos anos 90 o death metal estava em alta no Brasil. Os lançamentos àquela altura eram quase simultâneos aos EUA e Europa. Não ser mais necessário esperar por meses ou anos para que os discos que a gente desejava chegassem por aqui, causava uma euforia das grandes.
A terceira onda revelou nomes que mantiveram a singularidade. Por volta de 1992 ou 1993, ouvir os primeiros discos do Incantation, Sinister, Hipocrisy, e tantos outros, alimentou a sensação de que aquilo era muito novo e a expectativa era de que muito barulho ainda iria brotar daquele mesmo lodo. Para efeito de contexto, é importante ressaltar que, naquele período, um ano ainda tinha o efeito de um ano, considerando a percepção e velocidade em que as coisas aconteciam. Hoje, um ano parece acomodar uns dez, tamanha a rapidez em que novas bandas, músicas e álbuns são lançados.
O death metal apresentava pilares bem definidos. Ainda assim, a terceira geração de bandas garantiu seu espaço com uma sonoridade mais técnica. Embora isso já fosse percebido em alguns nomes, é importante mencionar que aquele 1993 trouxe aspectos ainda mais intrincados, principalmente com a chegada de discos como o Focus, do Cynic; Individual Thought Patterns, do Death e, um ano antes, Thresholds, do Nocturnus.
Entre as novidades daquele mesmo ano, as lojas receberam discos do Resurrection, Disincarnate, Malevolent Creation e do Brutality, banda dona do clássico motivador dessas linhas e que, apesar do LP disponível, não pude comprar em uma das minhas visitas à Galeria do Rock. Peguei uma fita com a gravação de Screams of Anguish. O som era grave. “Que peso!”. Pouco tempo depois, com o acesso aos CDs, percebi que aquilo tudo não era peso. Havia, claro, mas aquela fita era mal gravada mesmo, abafada, e eu adorava aquilo.
Screams of Anguish é agressivo, como o metal extremo pede. Também é técnico, o que não faz dele professoral.
As músicas registradas por Scott Riegel (vocal), Jay Fernandez (guitarra), Don Gates (guitarra), Jeff Acres (baixo/vocal) e Jim Coker (bateria), cativam, têm liga, força, criatividade e, como escrito há pouco, assinatura.
O início do álbum é sem rodeios. O andamento veloz e quebrado de “These Walls Shall Be Your Grave” dá uma boa perspectiva do que vem pela frente. A quebra para o compasso mais lento que sustenta o vocal é incrível. Lembro da sensação de “noooossa!” ao ouvir pelas primeiras vezes. Algo que ainda me surpreende. É death metal sem tempo pra respiro.
Escolha certeira para inaugurar o disco, “These Walls Shall Be Your Grave” é dessas músicas que têm o poder de te prender já em seus primeiros momentos e te faz querer mais daquilo.
Em Screams of Anguish parte da gramática do thrash metal americano, de nomes como Forbidden, Slayer, Dark Angel e Testament, aparecem vez ou outra no death metal do Brutality. Algumas delas surgem já no riff inicial de “Ceremonial Unearthing”, repleto de cavalgadas e nas conversas entre as guitarras que acontecem pouco depois dos dois minutos.
“Septicemic Plague” alterna passagens pesadíssimas, com velocidade e melodias soturnas, algo que ouvimos também em “Crushed”, música com um trabalho de guitarra altamente técnico, tanto nos riffs como nos solos.
A urgência da adolescência fez com que aquele fosse um tempo em que eu não tivesse muita paciência para interlúdios, algo que mais tarde passei a gostar. Mesmo depois de tantos anos, “Sympathy” segue cumprindo seu papel. “Spirit World” também amadureceu bem e comprova sua função de oferecer equilíbrio ao disco. É muito mais uma faixa de fato, do que um interlúdio.
Ainda hoje a trinca “Cries of the Forsaken”, “Cryptorium” e “Spawned Illusion” soa como uma brilhante forma de encerrar esse grande disco e manter intacto o sentimento cativante que ele desperta. Algo que comprova que Screams of Anguish é repleto de unidade, qualidade e consistência. E mais, trata-se de um registro que figura entre as grandes estreias que o death metal já produziu até aqui.