Os discos mais legais de 2023

In Discos

Mais um ano em que 12 meses não parecem suficientes para escutar as centenas de excelentes discos já descobertos e aqueles que ainda serão ouvidos, nos deixando ainda mais angustiados (e paradoxalmente) animados na hora de fazer a lista dos discos mais legais de cada um. Chegamos a um total de 24 álbuns, mas só porque nesta vida há de se ter limite.

E claro, vamos manter a nossa tradição de focar na brincadeira de tentar descrever os favoritos um do outro, o que é bem diferente de uma resenha. Mas fica nossa torcida pra que vocês encontrem coincidências com suas listas pessoais ou desfrutem de convites pra contemplar essas belezuras que saíram em 2023. O ano foi bastante especial em termos de lançamentos, e vai ser uma alegria poder conversar com vocês sobre eles.

OS DISCOS MAIS LEGAIS DO VINA DESCRITOS PELA AMANDA:

SWANS – THE BEGGAR

Foto: Divulgação

Não quero soar redundante ao dizer o quanto o Swans é declaradamente pretensioso e bem-sucedido em suas propostas abstratas e estranhamente acessíveis. Ou sobre o quanto a banda nos deu uma gramática musical para o niilismo. Tudo isso costuma ser associado a eles. Mas é que The Beggar mais uma vez acerta nesses alvos, é tudo muito, mas nada parece excessivo. Mais de 10 anos antes eu tinha sido muito (bem) impactada pelo The Seer, e agora o The Beggar vem com a mesma força. A dobradinha “Los Angeles: City of Death” e “Michael Is Done” é absurda de boa.

Corinne Bailey Rae – Black Rainbows

Foto: Koto Bolofo

Acho muito incrível quando temos a possibilidade de destruir pré-conceitos mantidos pelo grande descaso que é se apoiar na falta de informação. Eu não tinha interesse especial pela arte da Corinne, ainda que achasse “Put Your Records On” uma canção bem contagiante. O Vina sempre falou do valor dela, mas eu não fui atrás, mesmo com a dica preciosa, e agora tenho que recolher minha ignorância – e meu queixo do chão – ao ouvir este disco. Que mulher talentosa e muuuuito acima da média! Gostei especialmente porque parece ser um disco orientado pela guitarra/rock, ainda que o soul e o jazz sejam bem proeminentes também. “Red Horse”, sonhadora e sutil, e a sagacidade cheia de fuzz de “New York Transit Queen” foram minhas favoritas nesta descoberta.

Hundred Reasons – Glorious Sunset

Foto: Divulgação

Não conhecia absolutamente nada do Hundred Reasons e fui contagiada por cada vez que o Vina ouvia o som deles. Em uma primeira escutada, o vocal do Colin Doran me lembrou bastante o do Tim McIlrath, do Rise Against, mas as semelhanças param por aí, são gêneros diferentes (mas acho que fãs de ambos podem se beneficiar). O disco é uma coleção redondíssima de hits prontos pra musicar sonhos e tropeços – gostei bastante de “Replicate” e “So So Soon”. Fiz vários clipes mentais ouvindo esse disco na rua. Aliás, seriam excelentes trilhas pros nossos seriados favoritos. Som do fim dos anos 90 com cheiro de 2000-e-agora, mostrando que ainda bem que a gente sobrevive às tropeçadas da vida.

Godflesh – Purge

Foto: Kim Sølve

O Godflesh é uma banda muito adorada pelo Vina, e que certamente não o desapontou com este novo álbum. A assinatura do duo está evidente na estrutura das músicas com repetições angustiantes e saturadas, mas o mais legal é que há angulação em cada música conforme as batidas da bateria eletrônica ou o modo como o vocal se assenta sobre a guitarra. Posso estar viajando, mas a “The Father” é a que mais explicita essa possibilidade criativa e me pareceu um aceno na direção do Jesu com sua melancolia.

André 3000 – New Blue Sun

Foto: Kai Regan

Acho (olha ela toda cheia de opinião) muito autêntico o André 3000 ter bancado uma mudança artística tão profunda e divergente do que a gente conhecia no Outkast. Eu só gostaria de ter as enzimas necessárias para saber apreciar este álbum, o que significa que não tenho repertório algum de jazz ou de ambient music. Socorro, me sinto tão esteticamente limitada! O que eu consegui interpretar foram os nomes das músicas, que mostram o músico tão confortável com os novos caminhos tomados que ele até brinca com nossas expectativas por aquilo que já conhecíamos – vide “I Swear, I Really Wanted to Make a ‘Rap’ Album But This Is Literally The Way The Wind Blew Me This Time”. Vai ser legal tentar ouvir de novo daqui a 10 anos e sentir as impressões.

Test – Disco Normal

Foto: Fernando Yokota

O Test é uma instituição brasileira: conta uma história de nosso tempo, sem jamais esquecer o passado ou glorificar o futuro. O legado é no gerúndio, acontece agora: Disco Normal, como de praxe nos álbuns deles, coletiviza a intensidade criativa, na medida em que sempre traz colaborações, e ressoa caminhos sonoros cujas nomeações ainda nem existem. Pirei na aterrorizante “Eles Voltam”, que é bem fantasmagórica, e também no expurgo de “Só se D.E.R., mas Faz”, que parece uma caixa de ressonância de acúmulos, revoltas e dissidências. Eu torço pra que eles toquem “Cascavel” no show com o Lightning Bolt em São Paulo, porque tenho certeza de os Brians vão pirar. Bateria, guitarra, e um mundo inteiro a explorar (eita, rimou).

Echo Ladies – Lilies

Foto: Albin Borgen

Bicampeonato dos suecos do Echo Ladies aqui na nossa listinha – o Vina já tinha pirado no Pink Noise, disco de 2018. Lilies me parece um pouco mais sombrio, especialmente no contraste com a delicadeza dos vocais de Matilda Bowid, que, por vezes, tem uma acidez que me lembra a Zooey Deschanel no She&Him. Arriscando uma descrição, é um post punk direto, com pegadas de industrial e soterrado de synths e uma guitarra bem emocionantes. A “Fabrik” é uma faixa de abertura bastante convidativa, do nível dançando o fim do mundo, mas gostei mais ainda foi da que finaliza o álbum, a “Funeral”.  

Chepang – Swatta

Foto: Divulgação

Primeira impressão: que capa incrível! Fui ver a origem do Chepang no Bandcamp e encontrei uma tag interessantíssima, immigrant core. Ouvindo, interpreto que esta é uma característica ética e estética da banda, na medida em que recusa a fechar as bordas; pelo contrário, usa os contornos do grind para se movimentar por outros tipos de sonoridade. Pra mim, a “GHC” evocou um cadinho (um cadim) de black metal, a instrumental “Bid” trouxe um progressivo banhado em caos, “Avismarinaya” caprichou nos tempos quebrados e  “Anumati” veio com uma beleza dramática em seus fraseados de guitarra bem catárticos.

Vastum – Inward to Gethsemane

Foto: Chris Johnson

O Vastum mais uma vez ganha troféu na nossa lista de discos mais queridos e mais um ano eu fico super apreensiva porque não tenho ideia de como descrevê-los, a mão chega suar de tão nervosa que eu fico, socorro. Então digo a vocês que o Vina num sai gostando de tudo que é death metal, e, dentro deste contexto, o Vastum é sempre lembrado por ele com muita admiração. E, leiga que sou, achei a faixa “Priapic Chasms” um exemplo da versatilidade de fúria e desgraceira da banda.

Boris & Uniform – Bright New Disease

Foto: Divulgação

Nussaquetremdoido! E espetacularmente bom, no sentido de que não é uma sonoridade nada tímida ou recolhida. Acho um barato no quanto que cabe de elaboração e texturas dentro da urgência – vide a “No”. Na minha ignorância, parece que o Slayer, o Converge e o Boredoms se encontraram e decidiram formar um Megazord implacável e vestido para o luto.

Parannoul – After the Magic

Taí um disco belíssimo do sul-coreano Parannoul, destes que expandem nossas fronteiras estéticas, pois é sempre muito legal poder se ambientar e se emocionar com outros idiomas. Imagino que o Vina tenha gostado bastante do trânsito que o álbum faz entre o eletrônico e as cordas, a introspecção do shoegaze e a apoteose dos synths. Só pra situar um pouco, me fez lembrar um encontro entre o M83, o Lali Puna e o toe. Aliás, estes últimos compartilham da mesma gravadora, a Topshelf Records, um lar querido que me apresentou o Nai Harvest, o The World Is a Beautiful Place & I Am No Longer Afraid to Die e o Crash of Rhinos. Não sei se eu pensaria no Parannoul como pertencente ao espectro do emo, parece mais post rock. Mas certamente são composições comoventes e intensas.

Fvnerals – Let the Earth Be Silent

Foto: Divulgação

O Vina escreveu maravilhosamente sobre o Fvnerals em 2018, e eu recomendo a leitura pra quem for versado neste tipo de sonoridade. Por aqui, só posso dizer que é domingo à noite, e eu e os gatinhos de que tô cuidando ficamos desestabilizados. Um disco sombrio, bem arrastado, que acredito que possa agradar tanto quem curte doom, ou Chelsea Wolf, ou os pós-punks da dark wave. O Fvnerals parece não brincar quando o assunto é criar paisagens densas e claustrofóbicas. Não imagino que os temas abordados sejam solares, tampouco otimistas. Sendo a arte uma das poucas possibilidades de endereçar o mal-estar, a banda tem todo o meu respeito.

OS DISCOS MAIS LEGAIS DA AMANDA DESCRITOS PELO VINA:

Algiers – Shook

Foto: Lee Tesche

Eu já tinha achado essa banda bem interessante quando a Amanda me mostrou alguns shows deles. Depois disso ouvi o disco apenas pra conhecer e, repetindo a dose pra escrever essas linhas, confirmei algo que ela já tinha me dito sobre as composições: Em todas elas o Algiers mostra um bom domínio da dinâmica. Isso dá um climão muito legal para as músicas que passam pelo r&b, o rock e o eletrônico. Participações de gala deixam a coisa ainda melhor. Caso do Zack de La Rocha e da Backxwash, que aparece em “Bite Back”, uma das mais legais junto com “Green Iris”.

Yves Tumor – Praise a Lord Who Chews but Does Not Consume (Or Simply, Hot Between Worlds

Respire fundo e prepare os pulmões pra falar o nome desse disco sem recorrer ao uso da virgula. Praise A Lord Who Chews But Wich Does Not Consume; (Or Simply, Hot Between Worlds). O título ocupa boa parte do espaço da resenha, mas eu gosto dessa fuga “padrões”. Lembro que a Amanda já tinha colocado o disco de 2020 na lista daquele mesmo ano. O novo álbum é bem legal. Eu não conheço o Yves Tumor a fundo, mas meu palpite é de que a vibe foi mantida. Mas é só um palpite mesmo. Uma curiosidade legal é que “Operator” traz versos de uma música do Faith No More. Qual será?

Young Fathers – Heavy Heavy

Foto: Stephen Roe

Quando a Amanda me apresentou ao disco anterior do Young Fathers, algo ali forçava em mim uma conexão entre eles e o TV on the Radio. O novo álbum, Heavy Heavy, mostrou que eu tava errado, mas nem tanto. O Young Fathers é mais pesado, mais denso, me parece. Mas as semelhanças entre elas aparecem na elegância e na referência aos tambores ancestrais e o poder que eles têm de mover os corpos encantados por eles. Aqui o batuque tem o verniz do nosso tempo, com pilares eletrônicos e muita criatividade e bom gosto.

Drop Nineteens – Hard Light

Foto: Larissa Doronina

O Drop Nineteens voltou, e com um disco delicado, de bom gosto e cheio daquele tempero noventista de que a gente tanto gosta. Nunca fui grande ouvinte da banda, mas gostei desse disco e achei a cara dela. Hard Light é um prato cheio pra quem gosta do melhor que o shoegaze e o rock alternativo têm pra oferecer. Foi legal demais ouvir esse retorno. Mas lindo mesmo foi a empolgação da Amanda acerca do mesmo. Discão!

Purling Hiss – Drag on Girard

Foto: Kathryn Lipman

Alô corações noventeiros, agradeçam a Amanda por esse disco que vai aquecer a alma de vocês. “Uma nota maestro Zezinho” e Drag on Girard me levou pra um tempo bom, onde o que eu menos queria era uma banda que inventasse a roda, e sim uma que fizesse aqueles dias durarem pra sempre. De certa forma, por meio de bandas como essa, eles ainda duram. “Out the Door” com certeza seria um hit das pistas. Obrigado por me apresentar essa banda, Amanda. Que disco divertido!

Boygenius – the record

Foto: Shervin Lainez

Em 2015, a estreia de Julien Baker com Sprained Ankle me encantou. Anos depois a Amanda me mostrou uma música da Phoebe Bridges com um brilho da descoberta no olhar e a famosa máxima que acomete os encantados: “ESSA MÚSICA É FODA. VOCÊ PRECISA OUVIR!”. Era “I Know the End”. A Amanda tem um faro bom pra novos sons e voilà, curti a música. Adicionando Lucy Dacus à equação, e parafraseando o desenho animado, “pela união dos seus talentos…”, temos aqui uma espécie Capitãs Planeta do indie atual.

Sufjan StevensJavelin

Foto: Evans Richardson

Sempre foi fascinante ouvir a Amanda contar sobre a história e as diversas camadas que envolvem a obra de Sufjan Stevens. Nos vídeos ao vivo que ela me mostrou, Sufijan parece ter o seu próprio mundo, mas não me parece estar condenado a ele, algo que é algo poderoso. Javelin parece a trilha desse universo em cores fluorescentes, com orquestrações, sons eletrônicos, distorções, lindas melodias, beats bem construídos e uma sensibilidade que vai ocupar toda a sua audição.

Jeff RosenstockHELLMODE

Foto: Matt Price

Se Curtindo a Vida Adoidado tivesse um remake, HELLMODE poderia ser a trilha do personagem Cameron, vivido por Alan Ruck na versão original. “Will you still love me after I’ve fucked up?” é a frase que abre o disco na contagiante “WILL U STILL U”. Jeff Rosenstock já tinha aparecido em um texto da Amanda na nossa lista de Descobertas 2018, e o legal é que me parece que nesse registro novo ele manteve os temas tristes sob uma sonoridade simples e empolgante. HELLMODE é um disco divertido pra cantar junto e que também me fez pensar que Rosenstock aprendeu muita coisa com Elvis Costello.

Oddisee – To What End

Foto: Jasmijn van Buytene

Complicado escrever sobre To What End. Em um primeiro contato eu achei sofisticado demais pro meu gosto concentrado no rap dos anos 90. O álbum foge um pouco da minha predileção pelo Public Enemy, Gravediggazz ou House of Pain. Mas até que isso foi bem bom. E se o desafio é escrever “no susto”, acho que deu certo. Depois de ouvir por três vezes o disco começou a fazer sentido. Acredito que muito disso tenha acontecido porque algo me lembrou a vibe do Digable Planets (“Already Knew”), o nome mais sofisticado do rap dos anos 90. Gosto de obras que exigem mais do que nosso conforto pode acessar e To What End fez isso.

throe – O Enterro das Marés

Foto: Anna Bogaciovas

Então, não posso opinar…

Palehound – Eye on the Bat

Alguns discos precisam da sua insistência ou de alguém que você gosta dizendo “ouve que o disco é bom!”. A segunda etapa foi o que rolou por aqui. O vocal me afastou em um primeiro momento. Tem aqueles timbres que os ouvidos precisam se acostumar, mas ao final, o saldo é de um disco legal. Foi legal mergulhar na audição de Eye of the Bat e, quando começou “U Want It U Got It” eu já tava batucando na mesa.

Polara – Partilha

Foto: Luiz @olhotorto

Apesar de ter visto o Tube Screamers nos anos 90, eu nunca tinha visto o Polara ao vivo. Sempre ouvi a Amanda falar com muito carinho sobre os shows deles e foram essas histórias que me fizeram ir a um show recente da banda tocando as músicas do então novo álbum, Partilha (obrigado, Amanda!). Ao vivo a banda tem algo muito particular. Sobre o disco, alguns momentos me levaram para coisas do Gang of Four e do Cap n’ Jazz, talvez. Entre as faixas, “Corte” me lembrou as guitarras de Johnny Marr e “27-43”, a minha predileta, ressoa tudo o que o rock alternativo pode oferecer de bom.

St. Pierre Snake Invasion Galore

O legal de escrever sobre os discos que a Amanda mais gostou são as surpresas. Eu nunca tinha ouvido falar dessa banda. Em alguns momentos os berros os vocais reforçam que Kurt Cobain mudou mesmo a forma dos jovens gritarem suas angústias. Mas calma! Não tem muito de Nirvana no St. Pierre Snake Invasion. Em “Submechano”, por exemplo, me lembrou mais o jeitão Orgy; enquanto a faixa de abertura me pareceu ter a vibe de coisas de um Every Time I Die mais “limpo”.

Loma Prieta Last

Esses caras estão bem chateados. Pensando aqui o quanto é legal um selo ter uma certa assinatura e o Loma Prieta é a cara da Deathwish. Em alguns momentos chegou a me lembrar o Converge da fase No Heroes. Mas é algo sutil. O som deles é menos “quebrado” que o Converge daqueles dias. Last carrega nas belas melodias, gritos desesperados mesclado a vocais limpos e bem aplicados, e buscam quase sempre o lado mais emotivo do barulho. Se você gosta dessas variáveis, ouça alto!